Eu tinha uma idéia para um conto sobre perseguição há alguns meses, mas ainda não tinha passado para o papel por falta de tempo. A oportunidade surgiu com a sugestão do amigo Gantz para o desafio. Espero que gostem do conto que chamo de:

Um Estranho Pressentimento

 
         

      Esmael acordou tarde naquele dia ensolarado. Não era um fato corriqueiro em sua vida agitada, pois que era pontual em tudo. Vestiu suas roupas às pressas, escovou os dentes desajeitadamente, deixando resíduos de creme dental no canto da boca e tomou um copo de café que lhe queimou a língua. Antes de sair, olhou para o seu pequeno apartamento, incrivelmente organizado. Claro que não era tarefa difícil organizar três cômodos com poucos móveis, mas ele o fazia com religiosidade, mesmo para um rapaz solteiro. Seu olhar era pesaroso e diferente do habitual. Suspirou ao ver sua escrivaninha onde escrevia seus contos. Seus olhos passavam por cada canto do lugar como se registrassem suas formas e cores numa tela. Esmael estava com um terrível pressentimento. Tinha a sensação de que não mais voltaria para casa. Sentia que algo terrível iria lhe acontecer naquele dia.

          Seu local de trabalho não ficava muito distante. Esmael seguia a pé todos os dias, atravessando três quarteirões até chegar à padaria onde completava seu café da manhã.  Depois, atravessava apenas dois quarteirões até chegar ao edifício onde trabalhava como chefe de vigilância. Um cargo de extrema responsabilidade que normalmente era delegado a funcionários mais experientes, mas que no seu caso foi uma premiação por sua extrema dedicação ao trabalho. Como estava atrasado, sua rotina diária sofreria uma pequena modificação. Apressadamente seguiu pela calçada, observando a calmaria do bairro. Uma mulher elegante empurrava um carrinho de bebê. Ela usava um vestido curto com um decote que evidenciava seus seios avantajados devido ao período de amamentação. A mulher olhava com desconfiança para os homens que a encaravam com olhares maliciosos. Mais à frente um homem barbudo caminhava ao lado de uma bela mulher, de aparentemente vinte anos. Esmael pensou que era a filha dele, pois uma mulher bonita como aquela dificilmente se interessaria por um homem tão desleixado, porém, para a sua surpresa, ela o beijou na frente de todo mundo. “Talvez uma interesseira”, pensou. Ele era do tipo superficial, que julgava as pessoas pela aparência. Acreditava que os feios deveriam se juntar aos feios, e os bonitos – evidentemente -  aos bonitos. Qualquer coisa fora disso era confundida com interesse e fingimento.
          Pessoas comuns seguindo suas vidas. Algumas indo para o trabalho, outros para escola, e um grupo ínfimo se preparava para a maldade. Havia um ou outro marginal caminhando por aquela calçada, disfarçados pela luz do dia. Difícil descobrir quem era, e o que pretendia fazer – ou quando agiriam. Esmael caminhava com aquele pressentimento na cabeça, “Algo ruim vai acontecer... Cuidado!”. Não parava de pensar nisso. De repente seus olhos encontraram os de um homem de meia idade que usava um terno cinza e um chapéu. Ele estava parado diante de uma escola, olhando o movimento, quando o viu passar apressadamente. Fixou seus olhos em Esmael, como se o reconhecesse. Esmael achou estranha a atitude do homem. Baixou a cabeça e seguiu seu caminho, fingindo que não havia percebido nada.
          Virou à direita, na primeira esquina. Havia poucos passantes, dentre eles alguns executivos e estudantes. Por alguns segundos Esmael se esquecera do estranho que viu há pouco. Ele ouviu os gritos das crianças que se preparavam para a aula. Brincavam com os colegas na entrada da escola, apenas esperando o sinal tocar. Uma delas chamou pelo pai. Instintivamente Esmael olhou para trás e viu o homem caminhando apressadamente em sua direção. Seu coração acelerou. Foi como se tivesse visto um fantasma em plena luz do dia. Era estranho perceber que certas coisas poderiam assustar tanto mesmo quando não estamos sozinhos. Esmael apertou os passos, sentindo suas pernas doerem tamanho esforço. Olhou para trás e viu que o homem ainda estava em seu encalço. Quanto mais rápido ele andava, mais o homem imprimia velocidade nas passadas. “Você vai morrer hoje, e é esse homem que vai te matar...”, dizia uma voz em sua cabeça. Tentava se auto tranqüilizar. ‘Ninguém em seu juízo perfeito teria a coragem de cometer um assassinato em plena manhã, com tantas testemunhas.’ Além disso, Esmael não tinha inimigos – se tinha, ainda não foram apresentados. Findou o segundo quarteirão, mas o homem ainda o seguia. Parecia obstinado, implacável, um estranho cruel que o perseguiria até o fim do mundo; mas para que? Para matá-lo, roubá-lo? “Algo de ruim vai acontecer comigo”, aquela frase ainda lhe martelava a cabeça.
          Esmael precisava fazer alguma coisa. Estava se aproximando da padaria. Àquela altura não se importava mais com o atraso. Entraria lá para ter certeza de que o homem queria pegá-lo. Enfiou a mão nos bolsos e percebeu que havia esquecido o celular. Precisava dele para ligar para a polícia caso suas suspeitas se confirmassem. Porém nem tudo estava perdido. Poderia pedir um emprestado ao dono da padaria.
          Sentou ao balcão e pediu um pão-de-queijo.  Estava muito suado, e o coração parecia sair pela boca. Tirou um lenço do bolso e enxugou o suor, olhando para trás para ver se aquele homem estava lá fora. Pensou em fumar um cigarro, mas lembrou-se de que era proibido no local. Havia poucos clientes na padaria. Uma senhora e dois rapazes na fila do caixa, e uma mulher na fila do atendimento. Poucos segundos depois, mais quatro pessoas chegaram a fila do caixa. Esmael ficou observando-os. Pareciam impacientes. Quem pudera, dormiram até tarde naquele dia, decerto estavam famintos. Ele meneou a cabeça, voltando seu olhar para as atendentes. Uma jovem loira, muito bonita, que poderia arranjar emprego em qualquer lugar. A outra era um tanto desleixada, de sobrancelha grossa e pouca maquiagem, porém não era feia. Eram rápidas no atendimento. Empacotavam tudo com extrema destreza. Aqueles movimentos repetitivos, com algum tempo, se tornaram cansativos. Esmael olhou para a fila do caixa, e percebeu que o estranho homem esperava atendimento, olhando-o com reprovação. Estava com raiva, podia-se concluir através de sua expressão. Ninguém gosta de ser enganado, e Esmael o estava fazendo com sucesso até o momento. O homem comprou um cigarro e ficou esperando do lado de fora. Esmael concluiu que ele apenas se fez perceber, como se dissesse: “estou logo atrás de você, não adianta fugir...”.
          Esmael não podia ligar para a polícia. Não havia provas suficientes de que aquele homem estava perseguindo-o. Se o fizesse, passaria por paranóico, ainda correndo o risco de sofrer um processo. Sua única saída era chegar ao trabalho a salvo. No fim do expediente chamaria um taxi. Como não trabalhava nos finais de semana, não se preocuparia com aquele estranho por um bom tempo. Saiu rapidamente da padaria. O homem se preparou para segui-lo. Os dois andavam o mais rápido que podiam. Parecia uma caçada, onde Esmael era a presa. Ele estava tenso, suando muito. Suas pernas não agüentavam mais tanto esforço. Olhou para trás e percebeu que o homem estava quase lhe alcançando. Só faltava atravessar mais uma rua para chegar ao trabalho. O sinal estava vermelho para os pedestres. O terror aumentava a cada segundo. As pessoas ao seu redor aparentavam tranqüilidade. Provavelmente nem perceberam que ele estava em perigo. Caminhavam perto dele como se fosse invisível. Ou sabiam de seu perigo, apenas não se importavam.
          Ele parou diante da faixa de pedestres. O sinal ainda estava vermelho. Olhou para trás e viu que o homem pusera a mão no bolso interno do paletó. “Ele vai me matar, na frente dessas pessoas”, pensou Esmael. Sem esperar o sinal abrir, atravessou a rua. O homem correu atrás dele e gritou:
- Esmael! Espere! Não faça isso! Você vai...
          Era tarde demais. Um ônibus em alta velocidade atingiu Esmael, espalhando pedaços de seu corpo pelo asfalto. O homem parou diante da multidão perplexa e observou as vísceras espalhadas. Inconformado, olhou para o papel que havia retirado do bolso do paletó. Nele estava escrito: “Esmael Costelo Rodrigues, que mora no número 46 da rua Almeida, sofrerá um acidente às 9:44 da manhã do dia 23 de abril. Como seu anjo da guarda, você precisa salvá-lo...”

Cleiomar Queiroz
Enviado por Cleiomar Queiroz em 05/03/2013
Código do texto: T4172460
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