A Melancolia Mata

"Escrevi meu nome na areia, tão perfeito como fosse feito com caneta e papel. Aqui, sentado na areia da praia e olhando minha letra gravada nela, que parecia não se desfazer, até que a primeira onda chegou borbulhosa e espumante, escura, deixando minhas marcas na sílica desvanecidas".

"Levantei-me e fui para meu apartamento, caminhei umas três quadras até chegar lá. Vim pensativo, olhar ao vento, melancólico. Fazia pouco tempo que tinha chegado do trampo e há muito tempo sentindo um desânimo por tudo, sem perspectivas para uma melhora a curto prazo, isso pouco me importava naquele momento, não esperava muita coisa da vida".

"Mudei para esta cidade praiana, deixando família e amigos em São Paulo, pra fazer minha pós graduação e trabalhar aqui com afinco, só que, após 3 anos, minha cobiça pelo sucesso profissional e pela vida esvaiu-se sem motivo, razão ou explicação cabível a mim, eu, Nélio, 25 anos, formado em logística e sem justificativa para minha existência".

Nélio não procurou um psicanalista, achava que estava com uma depressão leve e não uma loucura, uns medicamentos por conta própria dariam uma solução neste súbito morbo, descuidoso engano. Neste dia seus esmorecidos pensamentos foram o pretexto para o mal se abeirar dele. Subiu de elevador até o sexto andar, onde sozinho teve a sensação de estar com alguém, chegou a olhar o espelho do mesmo, mirando-o com espanto, como procurando algo.

Abriu a porta de seu apartamento, no exato momento em que encostou o dedo no interruptor, para ligar a luz da sala de estar, um blackout no quarteirão o deixou puto.

— Pronto!... Já não chega o dia ruim de hoje e agora sem luz e internet nessa porra!

Ainda não tinha escurecido por completo, já passavam das 6 e meia da tarde, como estava no período de horário de verão, a pouca claridade que adentrava pelas janelas não o deixou as cegas. Dirigiu-se ao banheiro e resolveu fazer a barba, mesmo com o resquício de luz.

No lavatório abriu o armário com o espelho embutido e pegou um copo grande onde continha seu barbeador, antigo, de aço inox e com uma rosca na ponta, onde ao girar abria-se para a troca e limpeza da lâmina, e outros pequenos acessórios. Deixou esse copo na beira da mesa de porcelana e trouxe também o creme de barbear. Fechou o armário e virou-se para pegar a toalha logo atrás dele, por um descuido, ao retornar a sua posição inicial, esbarrou o braço no copo, ao qual indo ao piso, estilhaçou em vários pedaços e esparramando seu conteúdo pelo piso.

Aquela pequena coisa, somada aos dias ruins e a tristeza de Nélio, foi o bastante para explodir as palavras enfurecidas e rancorosas de sua boca.

— Caralho!!! Até isso agora, que mais vai ser nessa porra? Porque não morro logo e acaba com essa aflição diária!!!

Respirou fundo, apoiou as duas mãos no lavatório, ergueu a cabeça para se encarar no espelho, fitando seus olhos castanhos claros. Mais uma respiração, que foi bruscamente interrompida, seu corpo todo tremendo, uma mão segurava e comprimia seu coração. Agonizando, teve forças para mirar o espelho novamente e ver que não só seu reflexo estava lá, mas uma outra pessoa, por assim dizer, fazia companhia. Olhos negros e fundos, cabelo curto e preto como carvão, pele branca, dentes pontiagudos e serrados, camisa preta, disse ao seu ouvido esquerdo:

— Preparado para passar uma temporada comigo, Nélio? Pois fique sabendo que teremos muito tempo pra conversar... E atormentar sua alma!!!

— HA! HA! HA! HA! HA! HA!

Essa voz rouca, com um bafo gelado e os olhos cortantes daquele demônio foram as últimas coisas que Nélio viu e ouviu.