A Ilha Queimada

A Ilha Queimada

O Sol iluminava bem a pequena ilha do Farol. Da praia dava para ver as ondas batendo nas pedras da pequena ilha. O céu era de um azul que cegava. Lirya esperava o barco estar pronto para levá-la até a Ilha Queimada, que ficava perto da ilha do Farol. Seus cabelos negros se bagunçavam ao vento; os olhos escuros, cobertos com óculos Ray Ban.

Lirya pensava na Ilha Queimada. Ninguém sabia o que havia lá. Enquanto as outras ilhas eram iluminadas pelo forte Sol, a Ilha Queimada estava sempre escura, envolta em névoa e mistério.

Lirya havia sobrevoado a ilha uma vez. Mas não conseguiu ver nada além de névoa e escuridão. O mar perto da ilha era escuro, com águas ora violentas, ora calmas. A ilha tinha um tamanho razoável; nem muito grande nem muito pequena.

-Senhora, o barco está pronto. – disse o pescador que a levaria até a ilha. - a senhora tem certeza de que quer ir lá? Os outros homens do barco têm muito receio. Por causa das historias sabe... Não se deve brincar com esse tipo de coisa.

-Mas é claro que quero ir. Seus homens estão com medo à toa.

Um pequeno bote os levou até o barco de pesca, que foi limpo para a chegada de Lirya. A caminho da ilha, os pescadores comentavam sobre as historias daquela ilha. Um dos pescadores quis contar a ela alguma historia de lá.

-A senhora já ouviu falar das lendas da Ilha Queimada?

Lirya disse que não, então o pescador animou-se e se propôs a contar-lhe mais de uma lenda daquele lugar.

-Conheci um pescador que dizia conhecer esse mar como se fosse o próprio Netuno. Ele dizia ter visto coisas mais que estranhas ali na ilha. Depois de uma tempestade daquelas, ele teve que atracar numa ilha que estava à vista. Só depois que começou a andar nela viu que estava na Ilha Queimada. Ele procurou o farol, que naquela época funcionava, mas não achou. A única coisa que ele pôde fazer foi andar pela ilha, pra ver se tinha alguém morando lá. Ele seguiu uma trilha até a floresta ficar fechada demais. Nas suas andanças, ele achou uma caverna. Dela, saía um cheiro terrível de sangue. O cara continuou andando, achando que era alguma planta mal cheirosa. O que ele viu na caverna, moça...

Lirya estava completamente absorta e interessada na historia.

-O que ele viu?-perguntou Lirya.

O pescador olhou-a nos olhos de modo amedrontado, mas deu de ombros e disse:

-Alguns meses depois de termos achado ele no mar, boiando num pedaço de madeira do próprio barco, ele enlouqueceu. Ele ainda anda pela praia às vezes. Coitado...

Lirya ficou pensando no que ele havia visto para tê-lo enlouquecido. E se lembrou de algo que queria perguntar.

-Você sabe por que a ilha tem esse nome?

-Ilha Queimada?

-É.

-Ninguém sabe. Sempre teve esse nome. Talvez por ela estar sempre escura, nunca ser iluminada pelo Sol.

-Entendi.

Lirya se interessou mais ainda pela Ilha Queimada. O barco ia devagar. Levariam um tempo para chegar; talvez umas duas horas.

Passaram pela ilha do Farol, radiante sob o Sol forte. Quase meia hora depois, entraram num ponto de neblina densa. A água estava escura e estranha. Parecia guardar algo perigoso no fundo. Ali não existia nenhum vento ou brisa.

Navegaram nessas condições por um bom tempo, até o barco parar abruptamente. Lirya e todos que estavam no barco caíram com o impacto.

-Chegamos. –disse um dos homens, ao olhar para fora do barco e ver que estavam em terra firme.

Todos estavam com um enorme medo de sair do barco.

-Vamos sair. Quero ver a ilha. –disse Lirya.

Saíram do barco depois de pegarem tudo o que iriam precisar. Não havia Sol naquela ilha, apenas a claridade mórbida da neblina. O chão era feito de pequenas pedras negras, areia escura, gravetos e restos de animais mortos. O ar era extremamente parado.

A ilha se erguia imponente e medonha à frente deles.

Lirya ajudava os pescadores a montar barracas. A noite estava próxima. Havia uma tempestade nos arredores da ilha que os fez voltar. Passariam a noite na ilha, apesar de ser a ultima coisa que queriam. Acharam algumas lonas, que usaram para improvisar tendas para dormir.

Tentaram acender uma fogueira. Porém o lugar era úmido demais.

-Alguém poderia ficar vigiando? Só pra prevenir, sabe... –disse Julio, o pescador dono do barco.

Dois homens ficaram de guarda naquela noite.

Quando acordou, Lyria percebeu um grande movimento fora da barraca. Assim que saiu, viu os pescadores arrumando tudo apressadamente.

-Ei, Julio! O que está acontecendo?

O pescador virou para olhá-la, e ergueu algo para ela ver.

-Tá vendo isso, dona? Foi o que sobrou dos homens que ficaram aqui fora!-Julio tinha na mão um pedaço de carne humana com um pouco de pele chamuscada.

Lyria tinha dificuldade em respirar. O que diabos havia acontecido àqueles homens?

-Eu...

-Vamos embora já!- disse Julio, interrompendo Lyria.

Começava a se arrepender de ter ido para aquela ilha. Chamou Julio para dentro de sua barraca.

-Julio, o que aconteceu lá fora?-disse de olhos arregalados.

-Não sei moça. Só sei que, quando acordei, bem cedinho, andei um pouco e achei uma arvore queimada, com sangue em volta. Olhei melhor e achei esse naco de carne perto dela. Sabia que tinha alguma coisa nessa maldita ilha!- disse Julio.

-Quem pode ter feito isso?

-O quê pode ter feito isso, dona. Isso não é coisa de gente. O que fez isso é algo bem diferente de um humano.

Lyria não tinha mais argumentos. Julio saiu e ela pôs-se a arrumar suas coisas.

Fizeram o caminho de volta ao barco. A caminhada pareceu mais longa que no dia anterior. Todos andavam calados. Alguns dos homens fizeram lápides para os amigos com um pedaço de tronco, escrevendo os nomes deles. Colocaram as lápides improvisadas embaixo da arvore onde eles provavelmente foram mortos.

Chegaram à praia, onde haviam deixado o barco. Só acharam pedaços de madeira dele. Não houve reação alguma. Lyria sentou-se na areia, sem acreditar no que tinha acontecido. Sem ter solução alguma.

Estavam presos na Ilha Queimada com algo mortal à solta.

Andaram pela praia procurando um lugar pra ficarem durante a noite, pois a floresta não era mais segura. O nevoeiro era insistente, o que os deixava o menos confortável possível.

Julio deu instruções para que não se separassem. Depois de algum tempo andando, acharam pedras que formavam um pequeno lugar coberto. Arrumaram-se do melhor jeito possível lá dentro. Apesar de manterem a esperança de serem achados por alguém que pudesse ajudá-los, sabiam que não ia acontecer nada de bom enquanto estivessem lá.

Lyria despertou assustada com os gritos dos homens. Tentava ver algo, mas estava tudo tão escuro que não enxergava um palmo à frente. Lyria chamou por Julio, desesperada. Ouvia gritos ao longe, que pararam depois de um tempo. Lyria ficou quieta, apenas escutando. Não ouvia mais nada. Desmaiou ao sentir uma forte pancada na cabeça.

Lyria tinha uma vaga impressão de estar sendo carregada. Pareceu passarem-se horas até ela ser jogada num chão de pedra quente. Abriu os olhos e viu-se numa enorme caverna, iluminada por tochas que produziam sombras bruxuleantes. O lugar era horrivelmente quente e abafado. Parecia não haver ar suficiente. Percebeu que havia um enorme buraco à sua frente, e que estava amarrada como os demais pescadores, que já estavam mortos. Ao redor deles muitas pessoas olhavam ansiosamente para a fenda da qual saía um terrível cheiro de sangue e cinzas. Pessoas estranhas, maltrapilhas, que pareciam nem saber da existência dela e dos demais homens jogados no chão.

Lyria estava agitada demais. Queria sair daquele lugar, ou poderia acontecer-lhe a mesma coisa que havia acontecido com os pescadores na noite anterior.

Estavam todos amarrados com cordas grossas e sujas. Sujas de sangue.

-Alguém me ajuda! Tirem-me daqui!- gritava Lyria com grande desespero. Ninguém sequer a olhou.

Um homem envolto em mantos negros andou até uma pedra mais elevada, um pouco atrás de onde Lyria estava. Ela reparou que, do buraco diante deles, saía uma sutil fumaça negra, acompanhada do cheiro de sangue e cinzas.

O homem coberto de mantos negros começou a falar:

-Esta noite vamos celebrar a Noite do Grande Ser da Ilha Queimada! O sacrifício oferecido será farto para o Grande Ser. Chamemo-lo para o banquete!

Lyria viu o homem tirar o capuz do manto que o cobria. Chocada, viu que era Julio, o que a trouxera até a ilha. Pena que percebera tarde o que ele pretendia fazer.

-Julio, por quê?-disse ela, entre lágrimas.

Julio deu alguns passos para trás quando um enorme estrondo foi ouvido, vindo das profundezas do buraco à frente deles. Uma espessa fumaça saía dele. As pessoas ao redor ficaram eufóricas.

-O Grande Ser está desperto!- gritou Julio, extasiado.

Uma quantidade cada vez maior de fumaça saía daquela cratera. E o cheiro de sangue aumentava.

Lyria gritou desesperadamente quando centenas de garras avermelhadas fixaram-se nas bordas da enorme fenda. Um ser coberto de fumaça negra saía de lá. Possuía um par de grandes asas de morcego e olhos vermelhos, cruéis. O ser era feito de fogo e cinzas enegrecidas. Ondas de calor insuportáveis eram levadas a Lyria a cada movimento das asas da criatura.

A criatura saiu da fenda e parou diante do sacrifício oferecido.

-Grande Ser, aceite o banquete, deleite-se com carne fresca. Usufrua do sacrifício e, em troca, dá-nos redes cheias durante o ano todo. -disse Julio, reverenciando. E o grande ser começou a servir-se da carne fresca oferecida a ele.

Lyria observou, em estado de choque, a criatura devorar animalescamente os homens amarrados ao seu lado. Após comer todos eles, o ser voltou-se à Lyria. A sua vez havia chegado.

Da praia, Analice olhava a ilha que iria conhecer. Havia contratado alguns homens que pescavam por ali para levá-la até lá. Estava ansiosa para conhecer o lugar onde construiria sua futura casa.

Após embarcar, Analice puxou conversa com o dono do barco, que havia arrumado tudo para a visita à ilha.

-Você sabe por que a ilha tem esse nome?

-Ilha Queimada, moça?-disse ele

-Sim.

-Talvez pela cor dela, sabe. Desde que me conheço por gente, ela tem esse nome.

-Hum... E como é mesmo o seu nome?

O homem sorriu, tirou o chapéu e disse:

-Julio. Meu nome é Julio.

Shelly Graf
Enviado por Shelly Graf em 27/02/2013
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