O CAÇADOR DE ALMAS

Ficou tanto tempo numa cama de hospital, que pedia a Deus para o levar. Não aguentava mais passar os seus dias deitado, olhando para o teto e quando ia para o Centro de Terapia Intensiva, aí mesmo é que perdia a noção do tempo. Queria fugir, sabia que lá fora havia um mundo inteiro sorrindo para ele e no entanto, não era capaz de domar o próprio corpo. Então, começou a utilizar o dom do sonho e da imaginação que Deus deu a todos nós. Imaginava-se voando, saindo daquele ambiente tão pesado de tão triste, banhando-se em mares desconhecidos, correndo por campos floridos, cheios de sol, céu azul e sombra e árvores e animais, água, ar puro. E sorria. Até que numa dessas "escapadas" deparou-se com um caçador com uma cara de mau terrível, suado, barba cerrada, dentes podres, munido por uma enorme espingarda, apontada em sua direção. Num susto, saiu do transe, porque descobriu que aquilo tudo já não era mais fruto de seus pensamentos, era enfim uma outra realidade feita de matéria talvez. Tinha um pouco de medo agora, de relaxar e ver o indivíduo maléfico outra vez. Mas enfrentou, "para lá só vai a minha alma, não o meu corpo. A hora em que quiser voltar, volto". E sempre viajava pelo mundo inteiro, mas já sem tanta espontaneidade porque o sujeito poderia aparecer do nada em qualquer lugar e em qualquer momento.
Sua alma ficou mais esperta, mais forte e estranhamente seu corpo também. Ao visitar uma megalópole, num descuido, foi alvejado por um tiro, perdeu a consciência e voltou para o corpo. Ficou curado completamente e recebeu alta, para a sua alegria. Desde o episódio, começou a notar que se projetava conscientemente e que podia tomar emprestado o corpo de quem quisesse. Depois de um tempo, escolhia magnatas, já nas últimas, para assinar papéis. Um pequeno exemplo dessas atividades: incluir seu nome em testamentos, que o dessem regalias e enriquecimento, nada fora da lei, mas antiético.
Depois de muitos anos, muito rico, mantendo seu corpo jovem, o que o fez sentir-se invencível, imortal, viu-se novamente frente a frente com o caçador em seu quarto escuro e pela primeira vez ouviu sua voz grave , forte e tenebrosa:
- Vim levar você!
Mesmo com medo, redarguiu:
-Levar para onde?
- Para o inferno, você é meu, eu o marquei!
Arrancou sua alma, a enclausurou numa pequena caixa escura feita de chumbo, trabalhada em alto relevo, ornada com pedras preciosas e jogou seu corpo fora.
(CONTINUA)
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LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 26/02/2013
Reeditado em 12/07/2013
Código do texto: T4161071
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