Homini Lupus

Informativo: O Lobo-Guará é o maior canídeo da América do sul, vivendo desde a Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil (Centro-Oeste, Sul e Sudeste). É solitário, a cor do seu pelo é avermelhado e possui uma crina escura, tem hábitos crepusculares e noturnos, chega a medir 1,30m de corpo, 40cm de cauda, 1m de altura e 30Kg de peso, sua expectativa de vida gira em torno de 12 a 15 anos. Está em franca extinção. Há cerca de 10.000 anos, viveu um lobo gigante cinzento, que dominou por todo o continente americano.

"Sangrando... Deitado com os pés e pernas dilacerados, tripas para fora, com os olhos vacilantes e a visão turva, podia ver um pedaço do meu rim destroçado... sem forças para gritar, dor... dor insuportável... e o que mais estava doendo não era o meu corpo mordido e tatuado com as garras potentes daquela besta-fera e sim a certeza de que nunca mais conseguiria ver meus entes queridos..."

2 dias antes...

Marcos, 28 anos, biólogo formado na capital, trabalha em um instituto que cuida da recuperação de animas silvestres. Desde criança sempre foi apaixonado pela natureza e pelos animais, seu avô possuía um sítio e perdeu as contas o quanto já havia literalmente caído do cavalo, se sujando inteiro cuidando dos porquinhos, pegando aranhas e as colocando em caixinhas de fósforos, etc.

De férias, resolveu ir ao interior de São Paulo, acampar na mata e aproveitar para estudar os hábitos de alguns bichos noturnos. Fez todos os preparativos iria partir na quarta ao raiar do dia. Não conhecia nada do lugar onde ele estava indo, se tivesse reparado nos noticiários daquela província, notaria que, nos últimos meses, muitas pessoas desapareceram na mata daquelas regiões e não voltaram mais.

6 horas de viagem, entre o ônibus da capital e uma providencial carona em um caminhão que ia buscar frutas em uma fazenda próxima. A mochila estava pesando cada vez mais, pensava que havia trazido coisas que não ia precisar, na sua mão direita carregava o colchonete e um cobertor bem enrolados e na sua esquerda os ferros e estacas para armar e fixar a barraca.

Passavam das 2 da tarde, caminhando por uma estrada de terra batida, o pó seco, levantado pelos seus passos e alçado pelo vento, entrava em suas botas e impregnava em suas narinas descendo até a garganta, fazendo-o vez ou outra pigarrear vermelho-tijolo. Algumas propriedades a perder de vista, mas pouca plantação, uma casa ali, outra quase não se via por estar perdida numa imensidão de terra, pasto, mato alto e algum plantio.

Cada vez mais caminhava para adentro da estrada que parecia dar em lugar nenhum. Uma charrete passou e pode comprovar da hospitalidade do pessoal do interior:

— Boa Tarde!!! - Disse o condutor com sotaque bem arrastado no "R".

— Boa tarde! - Respondeu Marcos, largando o colchonete e acenando com a mão pedindo para parar.

Tirou do bolso da camisa um papel todo amassado, que era sua única referência, feito por um amigo que mostrava "mais ou menos" onde pretendia ir. O rapaz viu o mapa improvisado e indicou uma trilha perto dali, no final daquela mesma estrada. Marcos agradeceu e seguiu viagem, agora chegava 5 da tarde e suas forças iam com o final do dia.

Antes de chegar ao caminho para a mata, notou mais casas por perto e estranhou que todas estivessem fechadas, nem as criações estavam por perto, parecia uma vila abandonada, mesmo tarde ainda havia uma boa luz do sol naquele horário. Encontrou a trilha e o mato começava dar lugar a árvores mais altas e vegetação mais espessa. A claridade esvaia-se e o caminho tornava-se mais penoso, subida íngreme, muito mato, árvores altas, mosquitos o atazanavam, quase não existia mais o estreito caminho sinuoso que o levava a sua derradeira aventura.

A noite caiu de vez e uma pequena lanterna iluminava sua frente, o único som era dos seus passos e dos insetos da mata. Uma clareira... Maravilha! Montaria acampamento ali mesmo para finalmente poder descansar e aproveitar a noite clara e o luar lindo que subia bem devagar ao céu negro e estrelado. Barraca no lugar, puxou o colchonete para fora, iria deitar ao relento para admirar o firmamento, pegou sua mochila e bem escondido no fundo dela, tirou um embrulho, do conteúdo dele fez com habilidade um bem feito cigarro. Deitou, fumando sua erva prazerosamente, olhando para luzes no alto e pensando que só faltava uma garota ali para dividir esses momentos. Uma estrela cadente riscou o céu, fez até um pedido!

Já se aproximava das 21 horas, A Lua já alta, banhava com sua luz prata todo o lugar. Virou-se de lado e avistou um bicho que queria muito ver, um lobo-guará em um monte próximo, estava a uns 150m de onde Marcos estava, orelhas levantadas em sinal de alerta. O lobo correu, disparou subindo a encosta e desaparecendo na mata. Marcos ficou intrigado, o que teria assustado abruptamente aquele animal, sabia que o lobo-guará era arredio, mas não a tal ponto.

— ROAHHHHHRRR!

— Nossa!!! Que porra é essa!!! Marcos assustou-se largando o cigarro ao chão.

Pegou a lanterna e seu facão e foi em direção ao som, que mais parecia um rugido, vindo da entrada da trilha a uns 100m atrás da barraca. Entrou alguns metros pelo caminho de onde veio, mirando por todos os lugares com a lanterna em punho.

— CARAI!!!

Uma cabeça de onça, o corpo todo despedaçado, muito sangue, tinha acontecido há poucos instantes. Mistério para Marcos, que bicho atacaria um animal ao qual normalmente é o predador? Silêncio, suando frio e cheio de dúvidas, Marcos tomou o caminho de volta ao acampe.

— ROOOOAHHHHHRRRRR!!!!

Engoliu a saliva seca que descia arranhando sua garganta como uma lixa, virou-se para ver uma lenda que se contava para assustar crianças. Urinou em toda sua calça ao ver tamanha criatura horrenda. Uns 2m de altura, seu pelo vermelho brilhava pela luz natural vinda da Lua, olhos amarelos, grandes, braços fortes e garras negras pontiagudas, uma boca gigante com presas dilaceradoras de carne brotando para fora, fedia a cachorro molhado e ao segundo urro, sentiu um bafo de carniça que quase fez Marcos vomitar, ali estava uma lenda viva na sua frente: um LOBISOMEM.

Correu, correu como louco, tropeçando e caindo uma vez, nem olhou para trás, parecia que iria conseguir, sentiu um golpe rápido e potente nas suas costas, caiu bruscamente no mato, rolando algumas vezes, a dor era insuportável, a fera havia atravessado seu abdome com as garras cortantes.

Lutava para se arrastar, não queria ter um fim cruel assim, a dor e o sangue vertendo em grande quantidade, drenavam suas energias. Percebeu os passos da fera que vinha bufando feroz em cima dele. Uma bocada em seu pé e o monstro o sacudiu como uma toalha e o lançou violentamente ao chão, outra bocada nos pés e uma perna se quebrou. Os gritos de Marcos pareciam ecoar ao vento. Sentiu o ar quente da boca do lobo o cheirando do pescoço a cintura, onde uma mordida brutal arrancou uma capa de carne, sangue e pedaços do intestino, ouviu o mastigar e o engolir da fera, deliciando-se.

O monstro, farto, pois já tinha feito uma refeição antes, uivou alto, grave e feroz para o céu, foi embora deixando Marcos agonizando para morrer.

Ele que sempre defendeu os animais, foi morto por um... Uma fera... Um lobo... Um lobisomem.