Sr. H.
Para todos os funcionários do setor de análise de sistemas, Sr H. não passava de um saco de bostas puxa-saco de de primeira.
O homem era uma máquina para decorar kilômetros de linhas de código ou nomes de campos do banco de dados, o que irritava como o diabo aos colegas mais "normais".
Suas reuniões eram verdadeiras sessões de tortura medieval, levando horas e horas para tratar de assuntos que no máximo levariam quinze ou vinte minutos por pessoas comuns.Seu preciosismo exagerado contava pontos com os donos da empresa, pois nada, nem um algarismo lhe escapava.
Seus e-mails eram perfeitos em gramática, objetividade e clareza.Sua pontualidade britânica era ridicularizada por todos que no fundo não acreditavam como ele conseguia chegar sempre antes do horário, mesmo sendo o que morava mais longe no grupo.
Almoçava sempre em um terço do tempo, embora ninguém nunca o tenha visto no refeitório da empresa, tão pouco nos botecos sujos dos arredores.Nem marmita nunca fora notada.Sequer um sanduíche feito pela esposa.
Este era também um outro tópico que despertava a curiosidade mórbida de todos já que Sr.H. nunca dissera ao que veio ao mundo, ou seja, se era solteiro, casado, viúvo, ou seja lá o que.
-O filho da da mãe deve ser filho de cabrita e transar com uma toda noite também - espraguejava Seu Simplício, porteiro do prédio da firma e vítima contumaz das investidas do Sr.H., que quando terminava tudo o que tinha e o que não tinha para fazer, ia pentelhar todo mundo à sua volta com seu discurso monofônico e monocórdico.
Johny, o oficce-boy era o mais perseguido por Sr.H. e por essa razão o que mais o odiava.Tentara em vão uma vez furar os quatro pneus do carro do Sr.H., mas o miserável deu tanta sorte que foi avisado pela faxineira do prédio.Acionou a seguradora que em menos de uma hora havia substituído as rodas, deixando-o novo em folha para retornar com segurança para casa.
Aquilo deixou Johny puto da vida, mas o pior ainda estava por vir.
Numa manhã modorrenta e chuvosa de inverno, Johny se atrasara pois sua moto não quis pegar ao sair de casa.Teve que ir de trem para a firma, chegando com quase duas horas de atraso, além de encharcado.
Sr.H. o recebeu na porta, e deu-lhe um esculacho memorável na frente de todo mundo.Aqueles óculos quadrados estilo anos 70, aquele corte de cabelo escovinha, todo o conjunto nojento que era a sua pessoa, foi amaldiçoado até a quinta geração por um Johny humilhado e molhado.
Aquilo ia ter volta.
Levou umas duas semanas planejando a sua forra, reprisou cada detalhe e decidiu que naquela noite Sr.H finalmente teria o que sempre merecera.
Encerrou seu expediente exatamente às 17:00hs como de costume e se dirigiu a sala do Sr.H. para se despedir.O homenzinho sequer levantou os olhos da tela do computador e disparou uma de suas respostas automáticas, como eram chamadas pelo pessoal da sessão.Por exemplo:
Para "bom dia, tudo bem ?"ele sempre respondia
-Não tão bem como você, mas...
Para "como vai?"
-Já tive dias melhores.
Para "até amanhã" - que Johny usou para se despedir, ouviu:
-Que seja no horário, eu espero...
Foi bom porque aquilo deu mais gás na idéia de Johny, reforçando a atitude e não deixando que ele amarelasse no final.
Exatamente às 18:00hs , Sr. H. descia pelo elevador principal os doze andares que separavam o escritório da garagem do prédio.Johny já o estava esperando, deitado no banco de trás do carro do Sr. H., com um lenço e uma boa quantidade de formol.Dentro do porta-malas, uma moto-serra e uma pá.
NÃO, NÃO IA TER PIEDADE.IA SERRAR E ENTERRAR BEM FUNDO O MALDITO!
Logo que entrou no carro Sr.H. foi dominado por Johny.O formol fez sua parte e em poucos segundos o homenzinho franzino e com cara de nerd dos anos 80, caía de lado no bando do carro.Johny o afastou para o lado e assumiu o volante.
Trinta e cinco quilômetros depois, chegava na chácara de seu tio, um lugar ermo e afastado da cidade.Ninguém o havia visto sair de carro.Armara tudo para que todos o vissem saindo de moto.Brincou com o porteiro, mexeu com as estagiárias e ofereceu carona para uma delas, tudo para montar seu álibi.
Parou a moto uns duzentos metros da empresa, num terreno baldio, e voltou correndo.Pulou o muro que dava acesso aos fundos do prédio e mais um lance de escada, estava na garagem, tendo tomado o máximo cuidado para não ser pego nas câmeras de segurança.
Agora, tinha o desgraçado do Sr.H. nas suas mãos e pretendia ser rápido com aquilo.Tirou-o de dentro do carro e percebeu que ele ainda estava sob o efeito do anestésico.Deu uma senhora pancada com a trava de direção em sua cabeça, seguida por mais outra, e outra e outra, que só pararam quando sua raiva recuou um pouco e o couro cabeludo de Sr.H estava grudado nela.Levou-o para dentro do barracão de ferramentas, onde já havia estendido um plástico preto e grosso para enrolar o corpo.Foi até o porta-malas e deixou Sr.H. sozinho por uns minutos enquanto pegava a moto-serra e a pá.Certificou o óbvio:O homem que o humilhara na frente de todos estava morto, sem batimento, sem pulsação, sem nada que o atestasse digno de respirar nosso oxigênio.
Quando voltou ao barracão, quase teve um colapso.Sr.H. estava sentado em uma velha cadeira, olhando fixamente em direção a porta.
Sua cabeça estava torta, com um lado da pele do couro cabeludo pendendo por sobre uma das sobrancelhas.O olho esquerdo saltara para fora da cavidade ocular, pendurado como um iôiô inerte que um garoto abandonara.
De dentro da sua caixa craniana, algo que a princípio pareceu a Johny ser fumaça e que ele comprovou dois segundos mais tarde ser fumaça mesmo.
O terror da cena consumiu-lhe a alma.Antes de esboçar qualquer reação de fuga, Sr.H. pacientemente lhe falou.
-Muito bem Johny, muito bem meu rapaz.Bom trabalho.Sabe, fico até admirado de ver como você planejou e executou tão elaborado plano.Não deve ter sido fácil tramar minha morte dessa maneira, haja visto a sua capacidade mental.Confesso que estou embasbacado!
Johny não controlava seus impulsos e tremia dos pés a cabeça.Enquanto o homem que ele conferira estar morto, falava com ele calmamente como se estivesse a dar ordens na empresa, um líquido negro e viscoso escorria da sua cabeça, cheirando a óleo dois tempos.
-Sabe rapaz - prosseguiu Sr.H., tenho tido muita paciência com você, mas confesso que agora você conseguiu esgotá-la.
Levantou-se da cadeira e pegou uma barra de ferro que estava próxima a ele.Os olhos de Johny arregalaram-se mas ele não conseguia se mexer.O pânico havia lhe tirado a coordenação.
-De onde eu venho garoto, é preciso muito mais do que umas pancadas na cabeça para desativar alguém.
Enquanto falava, a pele do rosto do Sr.H. soltava lentamente, e revelava algo brilhante com um misto de cheiro de óleo com o de carniça.
-Mais eu vou lhe mostrar garoto, porque é que eu sou o mais produtivo, o mais capaz, o mais inteligente entre todos vocês, montes de carne acerebrados.
A barra de ferro baixou sucessivas vezes.O baque surdo das pancadas abafou o gemido de horror de Johny enquanto era golpeado mortalmente.
Sr.H. chegou cedo na empresa no dia seguinte, pois havia três reuniões a gerir, só na parte da manhã.
Mortal nenhum jamais conseguiu encontrar o que sobrou de Johny.