E nós continuamos...
Seguimos aquele ordinário, e adentramos no maldito covil. Acredite... Os mortos vivos não haviam me causado tanto medo quanto aquele lugar. Ah, aquele lugar escuro e úmido, ali sim me senti péssimo.
Entenda, não sou covarde, nunca fui. Acho que já deu para notar isso, não é mesmo? Então o que me fez sentir assim?
Bem... Desde que meu pai me trancou naquele lugar, quando me deixou sozinho com o corpo de minha mãe... Desde aquilo passei a ter medo desse tipo de ambiente, medo de ficar sozinho no escuro, em um lugar fechado, abafado, e foi ali que o meu eu interior se rebelou novamente...
...
O olhar dela era inocentemente revelador. Não sei por que homens ruins sempre conseguem ler o perfil de suas vitimas, não, realmente não sei por que tenho esse dom.
Os lábios dela se moveram com tanta delicadeza, os olhos piscaram fracos e havia neles aquela medida comedida de tristeza, mesclada a uma alegria intrínseca e tão explicitamente clara...
Clara?
De onde afinal havia surgido aquele maldito anjo? De onde?
Não a respondi, fiquei calado sentindo o ar circular dentro daquele automóvel. Ela se ajeitou no banco, um pouco desconcertada. Nossos olhares se cruzaram por algumas vezes através do retrovisor que ficava afixado ao teto daquela cabine.
Já dava para sentir o medo dela tomando seu semblante, se apossando de sua face. Aquilo me divertia, mas estava disposto a ir até o final, não podia confiar em mais ninguém.
- Por que me salvou? – Perguntou ela quebrando o gelo.
Parei para pensar naquilo, é... Por quê? O que sei é que o carro balançava sobre as ruas esburacadas, os amortecedores de certo estavam brincando o tempo todo, se exercitando, os pneus se aventurando pela rua, o barulho do motor quebrando o silêncio sádico que zombava de nós. Que falsa paz era aquela? Senti meus punhos segurando o volante, agora mais firmes, estava tenso. Será possível isso?
Pensei em Jack, na minha Jack. Olhei mais uma vez pelo retrovisor, Clara estava lá. Maldita sorte... Duas belas mulheres, um amigo, por que não uma filha para criar.
Merda! Maldito azar... Onde está Jack? E meu amigo Pedro? Onde está a pequena Duda? E agora por que a salvei? Por quê?
Algo parecia ter mais importância naquele momento, algo que repentinamente aparecera a nossa frente, a cerca de trinta metros. Soltei o pé do acelerador, brequei o carro e peguei a arma, eu precisava matá-la.
...
Quando os mortos Caminham - O Segredo da Maleta - Capítulo X
Ao descer dos degraus senti-me levitar, não que estivesse calmo, não mesmo. Estava anestesiado pelo pavor. Engolia em seco enquanto o rosto de minha mãe me visitava, a cabeça dela parecia girar a minha volta. Lembrei-me do gosto de sua carne, e mal havia chegado ao quinto degrau.
Era uma escada íngreme, as paredes não eram de barro, eram gélidas, eram de ferro. Senti uma das mãos de Jackie, ela envolvia meu antebraço, logo descobri que geleira alguma me resfriaria assim. O calor da pele dela, o toque, enfim o medo diminuía.
- Você está bem? – ela sussurrou, e percebi que notara meu suor, o nervosismo era evidente em mim.
Enquanto pensava se abria o jogo ou se representava ao máximo a fim de omitir minha fraqueza, Pedro carregava Duda e outros três brutamontes nos escoltavam. Não gostava de me sentir oprimido, não mesmo.
Antes que respondesse a ela, o imbecil se intrometeu...
- São containeres, estão soterrados, como fossem dois andares. Esse primeiro é apenas uma ante-sala, os andares são abaixo dessas escadas. Temos escotilhas que intercalam ambos.
- Como assim? O que é isso? Uma base secreta? – Jackie perguntou.
- Sim. Isso mesmo garota, é uma base, antes foi algo diferente, um esconderijo. Apenas um lugar para manter pessoas em segurança, pessoas com problemas com a máfia. Fez parte do programa de proteção a testemunhas por cerca de quinze anos. Pouquíssimas pessoas sabem desse lugar – O homem explicava com certa paciência, aquilo me preocupava ainda mais. Por que ele estava abrindo o jogo tão facilmente, logo que quisesse ele poderia nos tirar a maleta, e pronto.
- Mas e agora, o que fazem aqui? – dessa vez Pedro foi quem fez a pergunta, e o estranho era que quando olhei para ele, surpreso pelo tom de voz que usou, Caramba, ele estava ninando a menina, abraçava-a com tamanha ternura e ela já dormia nos braços dele enquanto continuava a balançá-la num ritmo anestesiante.
O líder sabia bem que eu era o único risco ali, ele via algo em mim. Mas o quê e como?
- Agora? Não... Digamos há três anos, mas continuemos andando – Ele indicou o caminho estávamos em um corredor fechado, portas de aço com trancas automáticas delimitavam os containeres, que eram baixos, e o ar era frio demais lá embaixo. Senti Jack me apertar ainda mais, ela se encolhia, seu corpo tocando o meu, e eu a acolhia sem nenhuma queixa, afinal estava ganhando o dia – há três anos o dono dessa maleta vem estudando algo. Algo que poderia significar muito mais do que qualquer avanço que nossa medicina já presenciou – O homem olhou para mim, ajeitou o Kép sobre sua cabeça – frio aqui não é? – ele perguntou interrompendo a si próprio e olhando para nós.
- Um pouco – respondi enquanto olhava as saídas de ar no alto das baixas paredes.Haviam dutos de ventilação que davam em algum lugar.
- É o ar condicionado – ele disse, e senti Jack afrouxar as mãos, desconcertada pela observação – O professor trabalhava em algo, chamávamos de projeto Lazaro – A primeira porta foi aberta, o coronel apenas posicionou seus olhos frente a um leitor de luz avermelhada e a porta se abriu. Estávamos em uma sala branca – A partir daqui entramos na cama do cadáver, de vez.
Cadáver? Pensei comigo mesmo, tentando juntar os pontos daquela maldita apresentação do local. Afinal que merda esse professor tarado fazia ali?
Olhei para o coronel, notei que ele não havia nos falado seu nome. Mas ele estava próximo demais e podia ver a placa no peito dele. Coronel Borges Pereira.
Na sala de oito metros por quatro de largura, pude ver dois computadores, duas mesas vazias, sobre uma delas havia uma bolsa feminina, um espelho, poucos papéis, uma agenda e um telefone. Isso é o que pude ver. Parecia uma recepção, e olhando para o canto lateral esquerdo onde as paredes de aço se encontravam, vi um monitor, dava para ver a imagem do portão do cemitério sendo transmitida ao vivo, a câmera girava inquieta e investigativa, e logo nos mostrou nosso carro.
O coronel abaixou-se um pouco, posicionou novamente os olhos frente ao leitor laser e ouvimos o clique da porta se abrindo, e algumas engrenagens rangeram, fazendo com que ela se abrisse lateralmente.
Estávamos em uma nova sala, ainda no mesmo andar. Duda murmurava, olhei-a de relance e a pequena parecia sonhar com a mãe. Os lábios pequenos e pálidos se contraiam, como se tivesse envolvendo uma chupeta, ou quiçá se amamentando de leite materno.
Pedro a mantinha segura, ou ao menos tentava lhe passar a segurança, o calor humano e paterno do pai, o pobre policial que havia sido alvejado por aqueles mesmos soldados que estavam nos escoltando. Senti um impulso de ódio, como fosse um aparelho que acabara de ser ligado a uma tomada de 440 voltz e recebi uma boa dose de energia, numa velocidade tremenda, mas não podia fazer nada, ao menos ainda.
Essa nova sala era ainda maior que a primeira, a largura era a mesma. Não havia mesas, mas havia chuveiros antes da próxima porta. Três duchas e uma espécie de armário na lateral direita, enquanto na esquerda havia um trocador de roupas. Também tinha uma placa indicando o uso obrigatório daquele tipo de roupa, macacões azuis, fechados, e máscaras hospitalares, luvas de silicone e roupas íntimas descartáveis. Jack parecia confusa e constrangida.
- Acalmem-se, não precisarão usar esse tipo de roupa. Não fazemos mais testes aqui, tudo foi arruinado – Disse uma mulher ruiva, que estava de pé nos aguardando. Ela usava lindos óculos de armação suavemente arredonda nas laterais, tinha um rosto quadrado, testa larga e o maxilar sensualmente saliente.
- Testes? – indagou Pedro enquanto tentava desviar o olhar do corpo daquela instigante mulher, so seios dela eram pequenos, como de uma colegial que estava a se descobrir, mas pelos traços de seu rosto dava para perceber que tinha em torno de seus quarenta anos.
- O que afinal vocês fazem aqui? – Jack perguntou com o tom de voz desmedidamente agressivo.
...
Clara olhou para mim. Ela parecia preocupada, e eu segurava a arma pronto para atirar.
- O que você pensa que está fazendo?
- Estou com fome! – respondi grosseiramente.
- Você vai atirar? – indagou receosa. Estranhei aquele nosso diálogo. Como uma pessoa no meio de um mundo infernal como esse estaria tão preocupada assim com minha atitude.
- Por que eu não deveria? – respondi, e antes que ela pudesse dizer algo, impacientemente puxei o gatilho.
Clara gritou, vi a tristeza nos olhos dela, ela se ajoelhou no chão, olhava para o sangue escorrendo do corpo e tive certeza que naquele momento ela me odiou.
- Afinal, não da pra achar muito alimento por aqui, moça – Caminhei até o alvo, que ainda chorava, gemendo de dor, viva e ferida. Segurei a cabeça dela e girei-a com toda minha força – me desculpe cadela! – disse sacando minha faca.
...
A mulher olhou para Borges, ambos pareceram se comunicar com um único olhar e então ela se apresentou.
- Meu nome é Alicia Gomes, fui a assistente do professor durante todo o projeto Lazaro, e respondendo a sua pergunta, querida Jaqueline – ela disse o nome de Jackie como se já a conhecesse – ah, e é claro, não fiquem tão surpresos, logo que seus rostos vieram as câmeras fizemos questão de saber quem eram – naquele momento gelei, pois tive certeza que ela sabia tudo sobre mim.
- Você sabe quem eu sou? – Pedro perguntou.
- Sim, sabemos – Borges respondeu, e logo a outra porta se abriu revelando o acesso para o andar inferior, ele olhou para Pedro, um olhar denunciador – temos acesso ao computador central da policia federal, e acredite, não é tão difícil para o sistema encontrar um vigarista que finge falar com mortos, e já tinha sido indiciado treze vezes por aplicar golpes em familiares – Pedro engoliu em seco, Borges olhou na direção de Jackie – e você mocinha, nossa, uma pichadora, pichar igrejas com desenhos de pênis para provocar um padre? Isso realmente é algo novo para mim, e não foi só isso, deu uma surra em uma amiga, por que mesmo? Ah sim, porque ela te chamou de Sapatão? – Jackie soltou meu braço, não soube se ela estava furiosa ou se aquela reação, aquele silêncio, era sinal de vergonha, confesso que quis abraçá-la, mas não abracei. O desgraçado então se virou para mim – e você, Carlos, escondendo-se esse tempo todo. Foi difícil descobrir quem você era, um mendigo, você é genial garoto! Mas sabe, sabemos bem o quanto você deve estar gostando desse ambiente hostil – ele lançou um olhar para Jack, um olhar ameaçador, mas a intenção dele era me ameaçar. Seja bem vindo ao projeto "Lazaro", Sr. Carlos – ele rosnou.
Sabe naquele momento em que o medo impera em seu ser e você tem a certeza de que está encurralado, como um passarinho que acaba de ser preso num alçapão? Bem, me senti assim. Olhei para todos os lados daquele container, não havia como sair dali vivo, ao menos não naquela hora.
- Já que sabem tudo sobre nós, está na hora de sabermos a verdade sobre esse pandemônio que está acontecendo lá fora – disse temendo que eles vomitassem minhas verdades. Jackie e Pedro estavam confusos, preocupados, e curiosos sobre o que foi aquilo tudo. Do que Borges estava falando afinal? Mesmo conhecendo aqueles dois por tão pouco tempo, algo havia nos unido, algo com cheiro de morte. É, afinal, essa é a grande sina da vida, a morte teima em unir e separar pessoas o tempo todo
– O que é afinal esse projeto Lazaro? - Questionei com cara de poucos amigos.
Ele olhou para Alicia, Dessa vez foi ela quem posicionou os olhos acinzentados frente ao flash de luz avermelhada. As engrenagens rangeram e entramos em uma espécie de caixa retangular. Um espaço de no máximo 1,5 m2.
- Um elevador? – Jackie perguntou assustada.
- Mas não eram só dois andares? – Pedro também estava confuso.
- E são, mas o andar inferior está há trinta metros daqui – Revelou a mulher enquanto Borges deu sinal aos soldados para ficarem. Era engraçado vê-la com a postura tão ereta, como em um filme hollywoodiano. Borges se mantinha tranqüilo, eu segurava a maleta em minhas mãos. Os malditos números se repetiam dentro de minha cabeça, enquanto uma duvida insistia em me aguçar a curiosidade. Afinal por que ele ainda não me matou, ou tampouco me prendeu? Droga, odeio a ansiedade de uma boa briga.
Deixei de pensar nisso assim que o elevador se moveu. As luzes ficaram mais fracas, um ambiente escuro demais, e a sensação de vertigem me tomou por completo.
Senti-me leve, leve e dormente, as pernas que me sustentavam cederam dramaticamente, e o teto de aço pareceu repentinamente tão ironicamente flexível. Olhei na direção de Borges, o rosto dele estava distorcido, e a voz de alguém chegou aos meus ouvidos, como se fosse a voz de um bêbado, e aparentemente me perguntava o que estava acontecendo. Senti um baque, meu cérebro pareceu inchar dentro de meu crânio e uma enorme dor surgiu. Num lampejo de lembrança vi o rosto de minha mãe, e então desmaiei.
...
Ela estava morta. Confesso que achei Clara linda, e ela era linda. Seus seios hipnotizariam qualquer homem que os olhasse, como faróis que miravam diretamente nos seus olhos. A boca era algo fora do comum, mas Jackie, Jackie era especial, não podia parar de pensar nela. Arranquei um pedaço da pele, a faca cortou o pescoço dela, separando sua cabeça. Olhei para a mulher, os olhos dela estavam parados.
Não tive receio algum, não era a melhor carne do mundo, mas enfiei a faca abrindo aquela barriga, enfiei as mãos e abri o corpo. Vi o coração, os órgãos se revelando avermelhados e aspirei o cheiro do sangue, que acreditem, me era muito convidativo.
As pernas de clara estavam beijando o chão, suas mãos e braços aquietados, com certeza ela não gostaria de ver aquilo. Peguei um pedaço de carne e cortei, olhei para ela novamente e então mastiguei aquilo, abocanhei e puxei. Meus dentes penetraram com vontade, já fazia aquilo há bastante tempo, essa foi uma das maneiras de saciar minha fome durante os últimos anos.
- Você está comendo ela crua? Está comendo a carne dela, e crua? – a pergunta me chegou com doses ácidas de indignação.
- Vamos morrer aqui se não comermos nada – Eu parti outro pedaço de carne, a faca cega me dava certo trabalho, mas não tinha problema quanto a isso, porém, para clara, o ato era brutal – ah, pare com isso, é só uma cachorra! Já parou para pensar que cada vez mais estamos vendo menos pessoas, menos animais, e que tudo está parecendo ser consumido por essa maldita praga? – indaguei.
Ela tirou seus joelhos do chão, vi suas mãos se apoiarem a terra e o corpo erguer-se cuidadosamente. Contemplei o olhar raivoso da bela jovem que caminhou até mim, olhou para a cadela que eu havia acabado de matar com um belo e perfeito tiro. As tripas pendiam do corpo cheio de pêlos, enquanto minha boca estava recheada de sangue. Clara me olhou no fundo dos olhos e quando menos esperava ela me acertou.
- Hum, não faça isso se não me apaixono! – ironizei após ter acabado de levar o tapa mais ardido de minha vida, não que não tivesse levado boas surras de meu pai, mas tapas? Ah... esses não me eram tão comuns, talvez socos, coronhadas, cabadas de vassouras, mas aquela sensação que aquele tapa me proporcionou foi algo realmente intrigante, não sei por que, mas aquilo me fez desejá-la.
A moça me olhou nos olhos enquanto minha mão acariciava a face maltratada por ela. Olhei e mordi os lábios, pisquei para ela provocantemente, Clara enrubeceu, e por fim estendeu a mão.
- Me dê logo isso! – Grunhiu imersa num misto de sentimentos incontroláveis. Entreguei-lhe a faca e ela a segurou com força. De certo passou por sua cabeça me enfiar aquele metal pontiagudo até que meu sangue se esvaísse, mas acho que a parte racional dela trouxe-lhe a verdade a tona.
- Não é tão ruim assim! Há quanto tempo não come? – incentivei.
- Me desculpe – disse, me ignorando. Preferiu desculpar-se com um animal morto. Enfiou a faca na carne do animal e cortou uma tira. Abriu a boca, e com dificuldade mordeu meio que com delicadeza aquele pedaço de carne. De certo a ânsia a visitou, quase vomitou, mas ao ver-me rindo, forçosamente engoliu o primeiro pedaço sem ao menos mastigar. Uma lágrima surgiu em sua face, segui-a na direção contrária e encontrei seus olhos... Lindos olhos, parecia uma onça feroz. Me excitei.
Ficamos ali nos observando e matando a fome com o que dava para aproveitar daquele animal. Ficamos um bom tempo em silêncio, por fim me ergui e resolvi que devíamos partir.
...
Abri os olhos, estava sobre uma mesa branca. Olhei para o lado e vi a maleta, estava aberta, de costas para mim. Fiquei muito assustado, a sensação de tonteira ainda me dominava, os olhos estavam embaçados. Vi Borges, ou ao menos a silhueta dele, que me olhava com aquele mesmo olhar. Não via Jackie, tampouco Pedro e Duda. O homem de semblante turrão e insolente me fitava com um sorriso maldoso. Ainda não podia ver o que havia na maleta, por fim ao tentar me erguer descobri que estava algemado áquela mesma mesa. Mãos e pés presos por espécies de pulseiras de aço.
O homem riu e tirou algo da maleta, uma injeção de liquido cor de violeta, pressionou um pouco a seringa e um jato do liquido viscoso esguichou rumo ao teto, mas sem força suficiente para se manter naquela direção, logo fez uma curva e caiu na direção contrária da origem inicial.
Antes que ele enfiasse a agulha em mim vi um pote mais a frente, isso depois de com muito custo conseguir erguer ao máximo a cabeça. Era um pote grande, e nele havia a cabeça de uma criança, era flutuava sob um liquido denso e amarelado, era a pobre cabeça de Duda, enrugada e com os olhos arregalados.
Gritei, e por fim uma mão tapou a minha boca. Logo percebi o perfume da mulher que havia nos conduzido até o elevador. A voz de Alicia veio agressiva aos meus tímpanos.
- Calma, calma garotinho canibal, logo irá se juntar aos seus amigos – e então a agulha penetrou em minha pele e eu gritei novamente – Aaaahhhhh!!!
- Acorde Carlos! Acorde! – me chamou Jackie.
Acordei, abri os olhos e descobri que aquilo havia sido um maldito sonho. Olhei para Jackie, vi também Pedro, estava sentado ao lado dela, Duda ainda em seus braços, agora acordada.
- Onde estamos? – perguntei, notando que estávamos em uma espécie de alojamento, um quarto, talvez. A porta estava fechada e havia um vidro que nos revelava um corredor lá fora. Caminhei até a porta e girei a maçaneta.
- Estamos trancados aqui! – Jackie informou – e ele está com a maleta.
- Merda! – eu sabia que ele era um maldito cretino.
...
Continua em...
Quando os Mortos Caminham - Capítulo X - Liberdade aos mortos
- Quem é Jackie? - Clara me perguntou após me beijar. Eu ainda estava confuso, não entendia os sentimentos que passeavam pelo meu corpo, tampouco o desejo imenso que se expandia por minhas veias, e fazia com que meu intimo suplicasse por aquela mulher. O mundo parecia estar rodando. Todo ele estava girando ao meu redor.
Olhei para a mulher a minha frente, pisquei os olhos, eu estava bebado demais.
- Cale a boca e transe comigo - disse enquanto minhas mãos a pucharam de volta para mim e senti a lingua dela acariciar minha boca.
...
Desculpe pela demora pessoal! Carnaval foi osso!
Seguimos aquele ordinário, e adentramos no maldito covil. Acredite... Os mortos vivos não haviam me causado tanto medo quanto aquele lugar. Ah, aquele lugar escuro e úmido, ali sim me senti péssimo.
Entenda, não sou covarde, nunca fui. Acho que já deu para notar isso, não é mesmo? Então o que me fez sentir assim?
Bem... Desde que meu pai me trancou naquele lugar, quando me deixou sozinho com o corpo de minha mãe... Desde aquilo passei a ter medo desse tipo de ambiente, medo de ficar sozinho no escuro, em um lugar fechado, abafado, e foi ali que o meu eu interior se rebelou novamente...
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O olhar dela era inocentemente revelador. Não sei por que homens ruins sempre conseguem ler o perfil de suas vitimas, não, realmente não sei por que tenho esse dom.
Os lábios dela se moveram com tanta delicadeza, os olhos piscaram fracos e havia neles aquela medida comedida de tristeza, mesclada a uma alegria intrínseca e tão explicitamente clara...
Clara?
De onde afinal havia surgido aquele maldito anjo? De onde?
Não a respondi, fiquei calado sentindo o ar circular dentro daquele automóvel. Ela se ajeitou no banco, um pouco desconcertada. Nossos olhares se cruzaram por algumas vezes através do retrovisor que ficava afixado ao teto daquela cabine.
Já dava para sentir o medo dela tomando seu semblante, se apossando de sua face. Aquilo me divertia, mas estava disposto a ir até o final, não podia confiar em mais ninguém.
- Por que me salvou? – Perguntou ela quebrando o gelo.
Parei para pensar naquilo, é... Por quê? O que sei é que o carro balançava sobre as ruas esburacadas, os amortecedores de certo estavam brincando o tempo todo, se exercitando, os pneus se aventurando pela rua, o barulho do motor quebrando o silêncio sádico que zombava de nós. Que falsa paz era aquela? Senti meus punhos segurando o volante, agora mais firmes, estava tenso. Será possível isso?
Pensei em Jack, na minha Jack. Olhei mais uma vez pelo retrovisor, Clara estava lá. Maldita sorte... Duas belas mulheres, um amigo, por que não uma filha para criar.
Merda! Maldito azar... Onde está Jack? E meu amigo Pedro? Onde está a pequena Duda? E agora por que a salvei? Por quê?
Algo parecia ter mais importância naquele momento, algo que repentinamente aparecera a nossa frente, a cerca de trinta metros. Soltei o pé do acelerador, brequei o carro e peguei a arma, eu precisava matá-la.
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Quando os mortos Caminham - O Segredo da Maleta - Capítulo X
Ao descer dos degraus senti-me levitar, não que estivesse calmo, não mesmo. Estava anestesiado pelo pavor. Engolia em seco enquanto o rosto de minha mãe me visitava, a cabeça dela parecia girar a minha volta. Lembrei-me do gosto de sua carne, e mal havia chegado ao quinto degrau.
Era uma escada íngreme, as paredes não eram de barro, eram gélidas, eram de ferro. Senti uma das mãos de Jackie, ela envolvia meu antebraço, logo descobri que geleira alguma me resfriaria assim. O calor da pele dela, o toque, enfim o medo diminuía.
- Você está bem? – ela sussurrou, e percebi que notara meu suor, o nervosismo era evidente em mim.
Enquanto pensava se abria o jogo ou se representava ao máximo a fim de omitir minha fraqueza, Pedro carregava Duda e outros três brutamontes nos escoltavam. Não gostava de me sentir oprimido, não mesmo.
Antes que respondesse a ela, o imbecil se intrometeu...
- São containeres, estão soterrados, como fossem dois andares. Esse primeiro é apenas uma ante-sala, os andares são abaixo dessas escadas. Temos escotilhas que intercalam ambos.
- Como assim? O que é isso? Uma base secreta? – Jackie perguntou.
- Sim. Isso mesmo garota, é uma base, antes foi algo diferente, um esconderijo. Apenas um lugar para manter pessoas em segurança, pessoas com problemas com a máfia. Fez parte do programa de proteção a testemunhas por cerca de quinze anos. Pouquíssimas pessoas sabem desse lugar – O homem explicava com certa paciência, aquilo me preocupava ainda mais. Por que ele estava abrindo o jogo tão facilmente, logo que quisesse ele poderia nos tirar a maleta, e pronto.
- Mas e agora, o que fazem aqui? – dessa vez Pedro foi quem fez a pergunta, e o estranho era que quando olhei para ele, surpreso pelo tom de voz que usou, Caramba, ele estava ninando a menina, abraçava-a com tamanha ternura e ela já dormia nos braços dele enquanto continuava a balançá-la num ritmo anestesiante.
O líder sabia bem que eu era o único risco ali, ele via algo em mim. Mas o quê e como?
- Agora? Não... Digamos há três anos, mas continuemos andando – Ele indicou o caminho estávamos em um corredor fechado, portas de aço com trancas automáticas delimitavam os containeres, que eram baixos, e o ar era frio demais lá embaixo. Senti Jack me apertar ainda mais, ela se encolhia, seu corpo tocando o meu, e eu a acolhia sem nenhuma queixa, afinal estava ganhando o dia – há três anos o dono dessa maleta vem estudando algo. Algo que poderia significar muito mais do que qualquer avanço que nossa medicina já presenciou – O homem olhou para mim, ajeitou o Kép sobre sua cabeça – frio aqui não é? – ele perguntou interrompendo a si próprio e olhando para nós.
- Um pouco – respondi enquanto olhava as saídas de ar no alto das baixas paredes.Haviam dutos de ventilação que davam em algum lugar.
- É o ar condicionado – ele disse, e senti Jack afrouxar as mãos, desconcertada pela observação – O professor trabalhava em algo, chamávamos de projeto Lazaro – A primeira porta foi aberta, o coronel apenas posicionou seus olhos frente a um leitor de luz avermelhada e a porta se abriu. Estávamos em uma sala branca – A partir daqui entramos na cama do cadáver, de vez.
Cadáver? Pensei comigo mesmo, tentando juntar os pontos daquela maldita apresentação do local. Afinal que merda esse professor tarado fazia ali?
Olhei para o coronel, notei que ele não havia nos falado seu nome. Mas ele estava próximo demais e podia ver a placa no peito dele. Coronel Borges Pereira.
Na sala de oito metros por quatro de largura, pude ver dois computadores, duas mesas vazias, sobre uma delas havia uma bolsa feminina, um espelho, poucos papéis, uma agenda e um telefone. Isso é o que pude ver. Parecia uma recepção, e olhando para o canto lateral esquerdo onde as paredes de aço se encontravam, vi um monitor, dava para ver a imagem do portão do cemitério sendo transmitida ao vivo, a câmera girava inquieta e investigativa, e logo nos mostrou nosso carro.
O coronel abaixou-se um pouco, posicionou novamente os olhos frente ao leitor laser e ouvimos o clique da porta se abrindo, e algumas engrenagens rangeram, fazendo com que ela se abrisse lateralmente.
Estávamos em uma nova sala, ainda no mesmo andar. Duda murmurava, olhei-a de relance e a pequena parecia sonhar com a mãe. Os lábios pequenos e pálidos se contraiam, como se tivesse envolvendo uma chupeta, ou quiçá se amamentando de leite materno.
Pedro a mantinha segura, ou ao menos tentava lhe passar a segurança, o calor humano e paterno do pai, o pobre policial que havia sido alvejado por aqueles mesmos soldados que estavam nos escoltando. Senti um impulso de ódio, como fosse um aparelho que acabara de ser ligado a uma tomada de 440 voltz e recebi uma boa dose de energia, numa velocidade tremenda, mas não podia fazer nada, ao menos ainda.
Essa nova sala era ainda maior que a primeira, a largura era a mesma. Não havia mesas, mas havia chuveiros antes da próxima porta. Três duchas e uma espécie de armário na lateral direita, enquanto na esquerda havia um trocador de roupas. Também tinha uma placa indicando o uso obrigatório daquele tipo de roupa, macacões azuis, fechados, e máscaras hospitalares, luvas de silicone e roupas íntimas descartáveis. Jack parecia confusa e constrangida.
- Acalmem-se, não precisarão usar esse tipo de roupa. Não fazemos mais testes aqui, tudo foi arruinado – Disse uma mulher ruiva, que estava de pé nos aguardando. Ela usava lindos óculos de armação suavemente arredonda nas laterais, tinha um rosto quadrado, testa larga e o maxilar sensualmente saliente.
- Testes? – indagou Pedro enquanto tentava desviar o olhar do corpo daquela instigante mulher, so seios dela eram pequenos, como de uma colegial que estava a se descobrir, mas pelos traços de seu rosto dava para perceber que tinha em torno de seus quarenta anos.
- O que afinal vocês fazem aqui? – Jack perguntou com o tom de voz desmedidamente agressivo.
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Clara olhou para mim. Ela parecia preocupada, e eu segurava a arma pronto para atirar.
- O que você pensa que está fazendo?
- Estou com fome! – respondi grosseiramente.
- Você vai atirar? – indagou receosa. Estranhei aquele nosso diálogo. Como uma pessoa no meio de um mundo infernal como esse estaria tão preocupada assim com minha atitude.
- Por que eu não deveria? – respondi, e antes que ela pudesse dizer algo, impacientemente puxei o gatilho.
Clara gritou, vi a tristeza nos olhos dela, ela se ajoelhou no chão, olhava para o sangue escorrendo do corpo e tive certeza que naquele momento ela me odiou.
- Afinal, não da pra achar muito alimento por aqui, moça – Caminhei até o alvo, que ainda chorava, gemendo de dor, viva e ferida. Segurei a cabeça dela e girei-a com toda minha força – me desculpe cadela! – disse sacando minha faca.
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A mulher olhou para Borges, ambos pareceram se comunicar com um único olhar e então ela se apresentou.
- Meu nome é Alicia Gomes, fui a assistente do professor durante todo o projeto Lazaro, e respondendo a sua pergunta, querida Jaqueline – ela disse o nome de Jackie como se já a conhecesse – ah, e é claro, não fiquem tão surpresos, logo que seus rostos vieram as câmeras fizemos questão de saber quem eram – naquele momento gelei, pois tive certeza que ela sabia tudo sobre mim.
- Você sabe quem eu sou? – Pedro perguntou.
- Sim, sabemos – Borges respondeu, e logo a outra porta se abriu revelando o acesso para o andar inferior, ele olhou para Pedro, um olhar denunciador – temos acesso ao computador central da policia federal, e acredite, não é tão difícil para o sistema encontrar um vigarista que finge falar com mortos, e já tinha sido indiciado treze vezes por aplicar golpes em familiares – Pedro engoliu em seco, Borges olhou na direção de Jackie – e você mocinha, nossa, uma pichadora, pichar igrejas com desenhos de pênis para provocar um padre? Isso realmente é algo novo para mim, e não foi só isso, deu uma surra em uma amiga, por que mesmo? Ah sim, porque ela te chamou de Sapatão? – Jackie soltou meu braço, não soube se ela estava furiosa ou se aquela reação, aquele silêncio, era sinal de vergonha, confesso que quis abraçá-la, mas não abracei. O desgraçado então se virou para mim – e você, Carlos, escondendo-se esse tempo todo. Foi difícil descobrir quem você era, um mendigo, você é genial garoto! Mas sabe, sabemos bem o quanto você deve estar gostando desse ambiente hostil – ele lançou um olhar para Jack, um olhar ameaçador, mas a intenção dele era me ameaçar. Seja bem vindo ao projeto "Lazaro", Sr. Carlos – ele rosnou.
Sabe naquele momento em que o medo impera em seu ser e você tem a certeza de que está encurralado, como um passarinho que acaba de ser preso num alçapão? Bem, me senti assim. Olhei para todos os lados daquele container, não havia como sair dali vivo, ao menos não naquela hora.
- Já que sabem tudo sobre nós, está na hora de sabermos a verdade sobre esse pandemônio que está acontecendo lá fora – disse temendo que eles vomitassem minhas verdades. Jackie e Pedro estavam confusos, preocupados, e curiosos sobre o que foi aquilo tudo. Do que Borges estava falando afinal? Mesmo conhecendo aqueles dois por tão pouco tempo, algo havia nos unido, algo com cheiro de morte. É, afinal, essa é a grande sina da vida, a morte teima em unir e separar pessoas o tempo todo
– O que é afinal esse projeto Lazaro? - Questionei com cara de poucos amigos.
Ele olhou para Alicia, Dessa vez foi ela quem posicionou os olhos acinzentados frente ao flash de luz avermelhada. As engrenagens rangeram e entramos em uma espécie de caixa retangular. Um espaço de no máximo 1,5 m2.
- Um elevador? – Jackie perguntou assustada.
- Mas não eram só dois andares? – Pedro também estava confuso.
- E são, mas o andar inferior está há trinta metros daqui – Revelou a mulher enquanto Borges deu sinal aos soldados para ficarem. Era engraçado vê-la com a postura tão ereta, como em um filme hollywoodiano. Borges se mantinha tranqüilo, eu segurava a maleta em minhas mãos. Os malditos números se repetiam dentro de minha cabeça, enquanto uma duvida insistia em me aguçar a curiosidade. Afinal por que ele ainda não me matou, ou tampouco me prendeu? Droga, odeio a ansiedade de uma boa briga.
Deixei de pensar nisso assim que o elevador se moveu. As luzes ficaram mais fracas, um ambiente escuro demais, e a sensação de vertigem me tomou por completo.
Senti-me leve, leve e dormente, as pernas que me sustentavam cederam dramaticamente, e o teto de aço pareceu repentinamente tão ironicamente flexível. Olhei na direção de Borges, o rosto dele estava distorcido, e a voz de alguém chegou aos meus ouvidos, como se fosse a voz de um bêbado, e aparentemente me perguntava o que estava acontecendo. Senti um baque, meu cérebro pareceu inchar dentro de meu crânio e uma enorme dor surgiu. Num lampejo de lembrança vi o rosto de minha mãe, e então desmaiei.
...
Ela estava morta. Confesso que achei Clara linda, e ela era linda. Seus seios hipnotizariam qualquer homem que os olhasse, como faróis que miravam diretamente nos seus olhos. A boca era algo fora do comum, mas Jackie, Jackie era especial, não podia parar de pensar nela. Arranquei um pedaço da pele, a faca cortou o pescoço dela, separando sua cabeça. Olhei para a mulher, os olhos dela estavam parados.
Não tive receio algum, não era a melhor carne do mundo, mas enfiei a faca abrindo aquela barriga, enfiei as mãos e abri o corpo. Vi o coração, os órgãos se revelando avermelhados e aspirei o cheiro do sangue, que acreditem, me era muito convidativo.
As pernas de clara estavam beijando o chão, suas mãos e braços aquietados, com certeza ela não gostaria de ver aquilo. Peguei um pedaço de carne e cortei, olhei para ela novamente e então mastiguei aquilo, abocanhei e puxei. Meus dentes penetraram com vontade, já fazia aquilo há bastante tempo, essa foi uma das maneiras de saciar minha fome durante os últimos anos.
- Você está comendo ela crua? Está comendo a carne dela, e crua? – a pergunta me chegou com doses ácidas de indignação.
- Vamos morrer aqui se não comermos nada – Eu parti outro pedaço de carne, a faca cega me dava certo trabalho, mas não tinha problema quanto a isso, porém, para clara, o ato era brutal – ah, pare com isso, é só uma cachorra! Já parou para pensar que cada vez mais estamos vendo menos pessoas, menos animais, e que tudo está parecendo ser consumido por essa maldita praga? – indaguei.
Ela tirou seus joelhos do chão, vi suas mãos se apoiarem a terra e o corpo erguer-se cuidadosamente. Contemplei o olhar raivoso da bela jovem que caminhou até mim, olhou para a cadela que eu havia acabado de matar com um belo e perfeito tiro. As tripas pendiam do corpo cheio de pêlos, enquanto minha boca estava recheada de sangue. Clara me olhou no fundo dos olhos e quando menos esperava ela me acertou.
- Hum, não faça isso se não me apaixono! – ironizei após ter acabado de levar o tapa mais ardido de minha vida, não que não tivesse levado boas surras de meu pai, mas tapas? Ah... esses não me eram tão comuns, talvez socos, coronhadas, cabadas de vassouras, mas aquela sensação que aquele tapa me proporcionou foi algo realmente intrigante, não sei por que, mas aquilo me fez desejá-la.
A moça me olhou nos olhos enquanto minha mão acariciava a face maltratada por ela. Olhei e mordi os lábios, pisquei para ela provocantemente, Clara enrubeceu, e por fim estendeu a mão.
- Me dê logo isso! – Grunhiu imersa num misto de sentimentos incontroláveis. Entreguei-lhe a faca e ela a segurou com força. De certo passou por sua cabeça me enfiar aquele metal pontiagudo até que meu sangue se esvaísse, mas acho que a parte racional dela trouxe-lhe a verdade a tona.
- Não é tão ruim assim! Há quanto tempo não come? – incentivei.
- Me desculpe – disse, me ignorando. Preferiu desculpar-se com um animal morto. Enfiou a faca na carne do animal e cortou uma tira. Abriu a boca, e com dificuldade mordeu meio que com delicadeza aquele pedaço de carne. De certo a ânsia a visitou, quase vomitou, mas ao ver-me rindo, forçosamente engoliu o primeiro pedaço sem ao menos mastigar. Uma lágrima surgiu em sua face, segui-a na direção contrária e encontrei seus olhos... Lindos olhos, parecia uma onça feroz. Me excitei.
Ficamos ali nos observando e matando a fome com o que dava para aproveitar daquele animal. Ficamos um bom tempo em silêncio, por fim me ergui e resolvi que devíamos partir.
...
Abri os olhos, estava sobre uma mesa branca. Olhei para o lado e vi a maleta, estava aberta, de costas para mim. Fiquei muito assustado, a sensação de tonteira ainda me dominava, os olhos estavam embaçados. Vi Borges, ou ao menos a silhueta dele, que me olhava com aquele mesmo olhar. Não via Jackie, tampouco Pedro e Duda. O homem de semblante turrão e insolente me fitava com um sorriso maldoso. Ainda não podia ver o que havia na maleta, por fim ao tentar me erguer descobri que estava algemado áquela mesma mesa. Mãos e pés presos por espécies de pulseiras de aço.
O homem riu e tirou algo da maleta, uma injeção de liquido cor de violeta, pressionou um pouco a seringa e um jato do liquido viscoso esguichou rumo ao teto, mas sem força suficiente para se manter naquela direção, logo fez uma curva e caiu na direção contrária da origem inicial.
Antes que ele enfiasse a agulha em mim vi um pote mais a frente, isso depois de com muito custo conseguir erguer ao máximo a cabeça. Era um pote grande, e nele havia a cabeça de uma criança, era flutuava sob um liquido denso e amarelado, era a pobre cabeça de Duda, enrugada e com os olhos arregalados.
Gritei, e por fim uma mão tapou a minha boca. Logo percebi o perfume da mulher que havia nos conduzido até o elevador. A voz de Alicia veio agressiva aos meus tímpanos.
- Calma, calma garotinho canibal, logo irá se juntar aos seus amigos – e então a agulha penetrou em minha pele e eu gritei novamente – Aaaahhhhh!!!
- Acorde Carlos! Acorde! – me chamou Jackie.
Acordei, abri os olhos e descobri que aquilo havia sido um maldito sonho. Olhei para Jackie, vi também Pedro, estava sentado ao lado dela, Duda ainda em seus braços, agora acordada.
- Onde estamos? – perguntei, notando que estávamos em uma espécie de alojamento, um quarto, talvez. A porta estava fechada e havia um vidro que nos revelava um corredor lá fora. Caminhei até a porta e girei a maçaneta.
- Estamos trancados aqui! – Jackie informou – e ele está com a maleta.
- Merda! – eu sabia que ele era um maldito cretino.
...
Continua em...
Quando os Mortos Caminham - Capítulo X - Liberdade aos mortos
- Quem é Jackie? - Clara me perguntou após me beijar. Eu ainda estava confuso, não entendia os sentimentos que passeavam pelo meu corpo, tampouco o desejo imenso que se expandia por minhas veias, e fazia com que meu intimo suplicasse por aquela mulher. O mundo parecia estar rodando. Todo ele estava girando ao meu redor.
Olhei para a mulher a minha frente, pisquei os olhos, eu estava bebado demais.
- Cale a boca e transe comigo - disse enquanto minhas mãos a pucharam de volta para mim e senti a lingua dela acariciar minha boca.
...
Desculpe pela demora pessoal! Carnaval foi osso!