A Bela Procura

Se eu encontrasse alguém com a minha cara certamente tomaria um grande susto por descobrir que existe na Terra uma pessoa tão feia quanto eu. Pelo menos saberia que não estou sozinho. É uma triste realidade, mas não deixa de ser realidade por ser triste. Quem mandou nascer? Também não vou sair por aí culpando o bom Deus por me ter colocado no mundo. Dizem que somos nós mesmos quem procuramos o nosso destino. Então não vou reclamar a sorte que eu mesmo escolhi. De vir ao mundo com essa cara. Para falar a verdade, acho que não sou tão feio assim. Uma vez, uma moça até me deu um sonoro “bom dia!” Olhei para os lados para ver se era comigo mesmo que ela estava falando. Mas a impressão que tinha é que ela olhava diretamente para mim. Existem umas pessoas a quem chamam de caolhas e que dão a impressão de estarem olhando para você quando, na realidade, é outro o alvo. Tentei assegurar-me primeiro se era este o caso. Meio sem graça eu respondi ao cumprimento, mas cheio de medo de levar um fora já nas primeiras horas do dia.

Fico imaginando a expressão de mamãe ao ouvir aquele “que gracinha, ele é tão bonitinho!” que todo mundo diz ao olhar um bebê de alguns meses, tranquilo, no colinho, inocente e felicíssimo por estar no mundo. Ainda bem que não me lembro dessa época, pois é certo que, em vez de agradecer, daria um chega pra lá no cinismo de quem pronunciasse tais tolices. “Te manca, meu! Diz logo a verdade e cai fora”. Sempre achei que verdade é para ser dita, doa a quem doer.

Se ser feio era a minha sina, teria que me acostumar a ela. Então, fui levando. Quando me perguntavam “o que quer ser quando crescer?” Respondia sem vacilar “jurado de concursos de beleza” só para ver a reação das pessoas. Se por acaso replicassem a minha escolha, daria, como justificativa, não uma explicação, mas uma verdadeira aula de como fazer para ser belo. E não havia contrassenso na minha resposta. Tanto estudei sobre cosméticos, elixires, tratamentos e cirurgias que me tornei um expert no assunto a ponto de ganhar tanto dinheiro que acabei enriquecendo. A pergunta agora era eu quem fazia. Procurava saber das meninas “se tivessem que escolher entre um rapaz feio de doer, mas rico até os cabelos e outro lindo, mas, por outro lado, sem um tostão furado, que escolha fariam?” Pelo que conheço do mundo e pelas experiências que vivi em seguida, mesmo que suas respostas não fossem sinceras, a mim jamais enganaram.

Minha primeira namorada sofreu tanto pela minha feiura quanto pela minha pobreza; só uma coisa a sustentava ao meu lado: o meu bom humor. Enquanto consegui arrancar dela entusiásticas gargalhadas pude mantê-la ao meu lado. Ria de chorar. E ainda bem que o seu choro era de alegria e não de espanto. Enquanto gargalhava a meu lado, torturava-se perante amigos e familiares que passaram a querer dela a mesma distância que os outros já mantinham de mim.

A solução, a seu ver, se encontrava na fuga. Longe de tudo e de todos, seriamos felizes para sempre até que, bem... até que outras pessoas me conhecessem. Não teve jeito; separamo-nos. Foi então a única vez que sofri por amor. Aí foi o momento de substituir o amor de Lavínia pelo amor ao dinheiro. Estudar e dominar a arte da beleza física poderia não me tornar belo, mas, com esforço e obstinação far-me-ia rico; isto, por conhecer a tendência do meu país de investir no corpo da mulher e na vaidade do homem.

Tudo que diz respeito à arte de tornar alguém mais bonito; quando digo ‘alguém’ estou excluindo a minha pessoa; porque milagres não fazem parte do meu negócio, todos os segredos da transformação passaram pelas minhas mãos. Viajei mundo afora consultando especialistas e aprendendo com eles. Antes que virassem as costas depois de olharem para minha cara eu conseguia segurá-los por tempo suficiente para que entendessem e apoiassem o meu projeto. Não vou negar que houve alguns que, ao me olharem de longe, cutucaram suas secretárias para que mentissem sobre a identidade do patrão ou dessem outra desculpa qualquer. E devo ter perdido muito dinheiro com isto. Passei então a ter mais sorte com as mulheres. Diria que elas passaram a ter mais sorte com o meu dinheiro. Experimentem relacionar a frase ‘dinheiro não traz felicidade’ à beleza física. Se é possível ser feliz tendo dinheiro, pelo menos no meu caso, ser bonito está fora de cogitação, não importa o tamanho da sua riqueza. Minhas namoradas que o digam. O número de mulheres que dispensei por causa do interesse em minha fortuna só não foi maior do que aquelas que me dispensaram por causa do tamanho da minha feiura. Essa é a maior evidência da verdade de que ‘não é nada bonito ser feio. ’

Mesmo que eu queira negá-lo com disfarces e até com palavras, não dá para esconder que a grande determinação em ganhar muito dinheiro está ligada a minha condição física. Como já estava cansado de ser infeliz no amor comecei a estudar maneiras de reverter essa situação. Por ser dono de dezenas de academias e centros de beleza, passei a prestar atenção nas mulheres que frequentavam esses lugares. Aprendi que as feias são possuidoras de ótimas qualidades; sabem conversar, não são arrogantes e adoram ser cortejadas. Comecei a me sentir dentro do meu elemento e, além do mais, quando nos pegávamos sendo alvo de caçoada o efeito já não era tão forte posto que dividido entre os dois. Com essas mulheres comecei a ver que fealdade também tem lá o seu valor, mas custava a reconhecer que o interesse delas era realmente na minha feiura.

Jane acabou me provando isto de uma forma totalmente singular. Era realmente feia. Passei mais de trinta anos da minha vida tentando encontrar a minha cara metade e acabei encontrando muito mais do que isso. Os semelhantes se atraem e eu senti isto de cara, ou melhor, na cara da Jane. Ela parecia tão tranquila com o fato de eu ser um homem rico que nem ciúme sentia; e eu tinha certeza que não se casaria com o meu dinheiro. Além de não acreditar que existisse no mundo alguém com a sua coragem, estava convicta do meu amor por ela. Quanto a mim, nunca pensei existir no mundo alguém como Jane. Não tanto pela meiguice, carinho e inteligência, traços comuns em tantas mulheres. Mas por algo peculiar que eu nunca havia encontrado: a feiura. Acabei encontrando alguém que me superasse. E fomos felizes para sempre.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 06/02/2013
Reeditado em 20/10/2023
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