A Viúva Negra - DTRL

Ninguém sabe de onde vêm a maldade, alguns dizem que ela é aprendida ao longo de experiências traumáticas, outros que ela é um gene macabro que espera a hora de ser ativado para transformar as pessoas em bestas. De qualquer modo, depois de dois maridos que não faziam nada além de beber e espancá-la, Joana decidiu mudar o jogo. As novas regras eram simples. Bastava encontrar um cara com dinheiro, pedir umas bebidas, colocar um pozinho mágico nelas e pronto, podia pedir o que quisesse e seria atendida.

No começo eram coisas simples, dinheiro para passar a semana, para comprar alguma coisa legal, mas aos poucos seus pedidos foram ficando maiores e logo nem a química era suficiente para suas vítimas concordarem com ela. Quando isso aconteceu Joana foi para um outro nível.

Agora não haviam mais sobreviventes.

Por isso ela estava ali, por que precisava de mais.

Foi durante um conserto clássico que Joana o conheceu. Eduardo, um pianista e compositor brilhante, que começava a fazer nome internacional. Ele era jovem, elegante e inteligente, mas mais importante, um contrato com uma grande companhia russa o deixavam com a conta bancária que fazia Joana suspirar.

A melodia era belíssima, certas pessoas têm mesmo o dom para o que fazem e Eduardo era uma delas. A cada nota era como se o coração de sua plateia pulsasse junto com as teclas, sendo movida por seus dedos que ora iam mais rápido, ora mais devagar. Todo o teatro pulsava, um organismo vivo movido pelo divino, pela melodia que por um efêmero instante colocava o homem mais perto de seu criador.

Ao fim da música e dos aplausos Eduardo saiu do palco, e Joana viu sua brecha para agir. Ela já estava com tudo armado. Não foi difícil passar pelos seguranças no caminho ao camarim, duas notas de cem resolveram o problema.

- Com licença. – Joana disse batendo na porta e entrando sem cerimônias.

Eduardo estava lá. Mas diferente do Eduardo que tocara a pouco esse estava abatido, haviam olheiras embaixo de seus olhos castanhos, dando ao homem uma aparência doentia.

- Pois não? – O compositor perguntou erguendo uma sobrancelha.

- Eu sinto muito entrar assim. – Joana disse adentrando o camarim do pianista e fechando a porta atrás de si. – Mas precisava vir cumprimentá-lo pessoalmente por essa apresentação magnífica.

Elogio, era assim que começava.

- E você sempre invade os camarins dos artistas que gosta?

Joana esticou o pescoço dando uma piscada.

- Só dos melhores deles. – Ela disse e na solidão da tristeza de Eduardo, ele quase sorriu.

O homem voltou a encarar seu reflexo no espelho, enquanto isso Joana se movia para ficar atrás dele, de modo que também pudesse ser vista.

- Imagino que você vai querer um autógrafo? – Eduardo perguntou a acompanhando, Joana teve certeza que ele perdeu um instante olhando para seu decote.

- Sem dúvidas! A propósito, sou Joana e fiquei muito fascinada com seu trabalho. – Joana disse tirando de dentro da bolsa um pequeno caderno e uma caneta. – Como você consegue inspiração para compor as melodias?

Eduardo virou e no vazio de seus olhos ela pôde ver o reflexo da caneta dando o autógrafo.

- É quase um ritual. Um trabalho de inspiração. Eu nunca sei quando vou ter a inspiração. Algumas vezes eu corro atrás dela e a encontro, mas na maioria dos casos e ela que vem até mim. Infelizmente não é o que vem acontecendo nos últimos tempos... – Ele completou infeliz, devolvendo suas coisas.

- Talvez você só precise refrescar os ânimos, dar uma volta, o que me diz?

Eduardo olhou para desconfiado.

- Do que você está falando?

- Estou falando que você é muito jovem para ficar infeliz aqui dentro. – Joana disse puxando uma cadeira próxima e sentando ao lado dele. Antes que Eduardo percebesse a violação daquele gesto, ela segurou sua mão olhando em seus olhos. – Eu preciso confessar que sua música mexeu comigo de um jeito que nunca poderia imaginar. Você é um mágico e eu gostaria que você sentisse um pouco de mágica também.

Eduardo olhou para suas mãos que eram massageadas. Joana já havia armado sua teia e agora seria uma questão de tempo.

- Talvez nós pudéssemos ir para um lugar mais reservado. Eu ainda estou morando na cidade... – Eduardo disse distante.

Joana sorriu e, curvando-se, deu um beijo em sua bochecha.

Ele já estava condenado.

***

Eduardo morava em uma casa de tamanho considerável em um condomínio fechado. O lugar era o tipo estupidamente perfeito, com jardins belíssimos, ruas limpíssimas e o silêncio que só a solidão vinda da riqueza podia causar. Joana falou muito no trajeto e embora Eduardo fosse o tipo recatado, ele não evitou uma risada ou outra, além de respostas que iam ficando cada vez mais longas.

- Esse lugar é incrível! – Joana disse o óbvio após estacionarem. – Eu quero ver tudo!

- Onde você quer ir primeiro? – Ele perguntou após descerem.

- Você deve ter uma sala de música, não deve? Que tal um conserto particular para mim?

Eduardo sorriu e pela primeira vez era um sorriso sincero. Ele indicou o caminho e mais rápido do que deveria Joana se prendeu a seu braço, aproximando seu corpo ao corpo do homem e esperando que isso despertasse alguns hormônios.

A decoração era de muito bom gosto, com quadros e estatuetas espalhados por toda parte, além dos móveis mais caros que o dinheiro podia comprar. Não foi preciso muito mais para Joana começar a se sentir em casa.

- Quer beber alguma coisa? – Eduardo perguntou.

- Champagne? – Joana disse dando de ombros e Eduardo aquiesceu.

Joana aguardou enquanto ele ia até a cozinha e pegava duas taças da bebida. Um copo foi dado à ela e eles brindaram.

- Então, vai me mostrar onde a mágica acontece? – Ela disse fazendo Eduardo sorrir novamente.

- Com a sua inspiração será uma mágica e tanto.

Eduardo a conduziu enquanto Joana esperava a melhor hora para pedir a bebida do rapaz e colocar o relaxante muscular que vinha escondido em seu vestido. Ela não encontrou o momento, e quando deu por si estava diante de um lance de escadas, curiosamente um lance que ia para baixo, para o que parecia ser um porão.

- Eu não entendi Edu, o que...

Joana não pôde continuar, um empurrão em suas costas deslocou seu centro de equilíbrio e ela se viu largando a taça e esticando os braços para se proteger. Não foi uma tentativa muito efetiva, o baque foi forte e ela viu a própria consciência balançar. Seu corpo rolou pela escada e o mundo girou e girou diante de seus olhos. Quando por fim encontrou o fim daqueles degraus, seus olhos estavam arregalados, o corpo de tão dolorido anestesiado. Ela só conseguia ver a figura de Eduardo parado à porta do porão, seu corpo mergulhado numa profunda sombra que a impedia de ver seus traços.

- Esper... Espera... O que foi isso?

Eduardo fechou a porta atrás de si, mergulhando o mundo em escuridão. Joana só sentiu quando Eduardo a pegou pela perna, começando a arrastá-la por um caminho de trevas. Ela não teve reação durante o trajeto, só voltando a raciocinar quando foi colocada em uma cadeira, mãos e pés amarrados de um jeito que ela não podia se mover.

- O que você está fazendo Eduardo?! Ficou louco?!

Houve mais um instante antes das luzes se acenderem e Joana render-se a uma visão assustadora.

Ela estava em um cômodo com paredes de cimento, sentada sobre uma cadeira de madeira antiga e com grossas tiras de couro a prendendo. Nas paredes ao redor estavam pendurados vários suportes onde mais tiras de couro e alguns objetos de brilho metálico estavam apoiados. Eduardo estava diante dela, bem a frente de uma mesa coberta com um pano branco.

- Como eu disse, às vezes eu preciso trazer a inspiração até mim, e às vezes ela aparece na minha frente. Foi um prazer você ter aparecido cara Joana, você será a inspiração perfeita para mais uma obra prima.

Eduardo então se moveu, retirando o lençol e revelando que a mesa era na verdade um piano, com uma partitura em branco acima das teclas. O compositor buscou posição em seu assento, segurou um lápis com a mão e olhou para sua inspiração.

- Vamos lá. Como você acha que devemos começar?

- Não Eduardo... Por favor... Me tire daqui... Eu vou embora... Juro que vou embora e não conto nada para ninguém...

- Um começo melancólico... Tudo bem, vamos lá, em clave de Fá.

Por quase dez minutos Joana permaneceu chorando, enquanto Eduardo rabiscava semibreves, mínimas e colcheias. Quando ele pareceu satisfeito levantou, trazendo consigo uma garrafa de refrigerante.

- Foi uma ótima entrada cara Joana, mas precisamos mudar o tom.

- O que você vai fazer? – A mulher perguntou desesperada.

Eduardo começou a despejar o conteúdo da garrafa sobre ela. O cheiro logo se tornou intenso.

Gasolina.

- O que você está fazendo?

- Buscando inspiração para uma obra prima cara Joana, uma melodia desesperadora.

Do bolso, Eduardo tirou um isqueiro, o estopim para que ele produzisse sua nova composição.

Enquanto voltava a seu lugar e esperava as chamas ganharem força para encherem sua mente de inspiração, ele teve a ideia para o nome perfeito daquela melodia.

Com um dedo trêmulo de excitação, escreveu com uma letra meio borrada.

A Viúva Negra.

**************

Não acho que tenha sido meu melhor trabalho, mas sempre bom exercitar a criatividade ^^

Espero que o pessoal tenha gostado!

Gantz
Enviado por Gantz em 03/02/2013
Código do texto: T4120932
Classificação de conteúdo: seguro