Desafios Sangrentos DTRL
Os pneus deslizavam com velocidade pelo asfalto, pareciam não tocar o chão. O velocímetro marcava 140km/hr, mas continuava a subir em um ritmo cada vez mais lento. Por todos os lados pessoas criticavam o condutor do Vectra.
Ele não se importava.
Tudo o que queria no momento era chegar àquele maldito endereço. Quando entrou na contramão no bairro avistou a casa, acelerou em direção a residência sem sequer fechar os olhos.
Desceu do carro em desespero e correu em direção à porta.
(...)
Novo Cruzeiro era habitada por pouco mais de cinquenta mil pessoas. Os bairros eram tranquilos e ainda apresentavam um caráter rural, não possuíam mais do que duas ruas cada e poucos eram dotados de saneamento básico.
Os serviços públicos também não eram modernos. A segurança da cidade inteira ficava a cargo de um grupo de quatro policiais velhos e gordos que usavam bigode e uma insígnia no peito. Sorte a da população de que os crimes mais graves eram um assalto ou outro.
Apesar de ser uma cidade atrasada econômica e socialmente, a população Campinense era feliz. Todos os dias as crianças iam para o colégio pela manhã e brincavam a tarde toda, a maioria se conhecia e costumavam reunir-se no parquinho da cidade.
As brincadeiras eram típicas da idade: Amarelinha, pega-pega e esconde-esconde. Os que tinham mais de 10 anos, já se julgavam adolescentes e partiam para brincadeiras mais "maduras". Verdade ou consequência era uma maneira garantida dos meninos e meninas darem os primeiros beijos.
Mas a cidade não era habitada apenas por crianças. Por causa da política de baixos impostos e da mão de obra barata uma grande fábrica de sapatos havia se instalado no município há alguns anos, empregava boa parte da população em idade de trabalho.
A indústria exportava calçados para quase todos os estados do Brasil. “Tecalçados” era propriedade de um paulista conhecido como “Seu Daniel”. Em sua juventude o homem sonhara em ser escritor mas acabou desistindo ao se deparar com as dificuldades enfrentadas pela classe.
Com vinte e quatro decidiu seguir os passos do pai e seguiu no ramo de calçados. Com trinta e quatro já era um dos homens mais ricos do estado. Pensava em se candidatar ao cargo de prefeito de Novo Cruzeiro.
Muitos diziam que a receita do sucesso astronômico do homem era um pacto com o Diabo. Sempre que questionado a respeito, o empresário de trinta e oito anos era irônico: Se foi o Diabo que me deu tudo isso, então eu devo ser muito grato a ele, não é?
Apesar dos boatos, a maioria da cidade era grata ao rapaz. Afinal, ele havia iniciado o desenvolvimento da cidade, alguns bairros já haviam sido saneados pela sua empresa.
Aos poucos a modernidade chegava.
PEDRO
Quando Pedro entrou na casa, a porta de entrada fechou com um baque. O susto só não foi maior do que a surpresa de encontrar colegas de trabalho naquele local.
A apenas alguns minutos, havia recebido um telefonema de um número secreto. A voz do outro lado da linha proferiu palavras em um tom de voz alto e grosso, passava a sensação de segurança. De frieza.
-Sequestramos seu filho. Vá até a última casa do Monte castelo.
Ficou em estado de choque por alguns minutos, chegou a achar que se tratava de alguma armação dos amigos. Eles eram famosos por fazer brincadeiras desse tipo.
Certa vez melaram de Álcool os cigarros de um novato na fábrica. Todos riram quando o garoto pegou o objeto e o levou até a boca. Ninguém estava rindo quando ele ligou o isqueiro e ascendeu o cigarro que segurava por entre os lábios.
O fogo provocado queimou quase toda a face do rapaz de dezoito anos. Por sorte não atingiu os olhos e ele não ficou cego. Daniel teve que pagar cirurgias e despediu os envolvidos na brincadeira.
Todos foram admitidos novamente na empresa, havia falta de mão de obra qualificada.
Depois de perceber que as pessoas na casa eram seus colegas de trabalho, Pedro foi tomado por um sentimento de confusão. O que faziam ali? Qual era a relação deles com o sequestro do filho? Antes que pudesse perguntar, todos foram surpreendidos por uma voz extremamente alta e grave.
-A sobrevivência é a única razão possível para a existência. Deus está morto, as almas estão corrompidas e o mundo é cruel. O que mais nos faz seguir em frente se não o instinto de sobrevivência? Perto das escadas estão quatro portas, cada um de vocês deve entrar em uma delas. Se dois de vocês entrarem juntos, vão morrer.
-O que é isso? Perguntou um dos rapazes.
-Eu não sei, mas essa porta tá trancada. -Pedro tentava abrir a porta pela qual entrou, mas a maçaneta simplesmente não girava.
-Gente, eu acho que.. -A voz da única mulher da sala foi interrompida por um som muito alto. Parecia que alguma coisa foi liberado da pressão que o mantinha presa.
Imediatamente o lugar foi tomado por um gás branco, quando entrou em contato com a pele das pessoas começou a causar queimaduras. O pânico tomou conta de todos e logo eles estavam correndo: A única saída foi entrar nas salas perto das escadas.
Marta
Assim que entrou na sala, a mulher se deparou com uma cena aterrorizante. Dezenas de fetos humanos estavam pendurados no teto através de anzóis que perfuravam seus abdomens, o carpete era untado em sangue e crânios humanos.
Marta ficou em choque olhando para os cadáveres, uma luz vermelha iluminava o local de maneira parcamente.
Sentia como se estivesse em um açougue.
Um som a fez voltar à realidade: O bebê estava chorando há muito tempo. Seu corpo estava roxo e lágrimas escorriam pelo rosto, a primeira reação de mulher foi pegar a criança nos braços e começar a procurar por uma saída. A fumaça que entrava por baixo da porta indicava que o gás ainda estava no lado de fora.
-Calma, calma..shii - Tentava acalentar o bebê, mas ele continuava chorando. Logo ela escutou a voz novamente, dessa vez as palavras foram ainda mais assustadoras.
- Esta sala está aquecendo, em questão de minutos ela vai ficar tão quente que tudo dentro dela vai começar a derreter. Debaixo da mesa tem um alçapão, a chave está dentro do estômago do bebê.
A primeira coisa que sentiu foi medo. A segunda foi o calor.
Ainda segurando a criança ela continuou a procurar uma saída, tateava as paredes em busca de alguma maçaneta ou mecanismo que fizesse abrir uma porta. Já havia procurado em todas as paredes quando decidiu tentar abrir o alçapão mas o mesmo estava trancado.
A única maneira de sair dali era usando a chave.
Marta tinha vinte e dois anos e era muito bonita, seu corpo causava inveja na maioria das mulheres da cidade. Não era segredo para ninguém que sua beleza havia sido fundamental para que ela fosse contratada como garota propaganda da indústria de sapatos.
Trabalhava na empresa há cerca de um ano e possuía um círculo de amizade bem selecionado, estava sempre entre os gerentes e executivos. Vez ou outra bebia demais e ia para a cama com algum deles, sempre acordava arrependida no outro dia.
Naquela manhã havia recebido um telefonema: Deveria se dirigir ao bairro Monte castelo por volta das 15 horas da tarde.
Iria gravar um comercial.
Assim que chegou no endereço, deu de cara com Bruno, um colega de trabalho com quem já havia passado a noite. Ele dizia que havia recebido uma ligação afirmando que deveria seguir imediatamente até aquela casa. O homem ainda estava falando quando Pedro abriu a porta em desespero.
A temperatura da sala estava começando a ficar insuportável, a mente da mulher foi tomada por diversos pensamentos sombrios. Se eu não pegar a chave nós dois vamos morrer.. mas logo foi tomada por um sentimento de culpa Meu Deus, Não posso fazer isso!
A cada segundo que se passava, o calor ia aumentando juntamente com o desespero da mulher. O instinto de sobrevivência começou a se apoderar de seu corpo, logo ela estava procurando alguma coisa para abrir a barriga da criança.
O infeliz bebê chorava a cada instante, o objeto de metal em seu estômago lhe causava incômodo. Não entendia porque estava tão longe da sua mãe, sentia fome e calor.
A mulher já estava em pânico quando olhou pra cima e percebeu que um dos anzóis não estava com nenhum feto pendurado. Com lágrimas apoderando-se do seu corpo ela começou a erguer o bebe para cima.
-Vai ficar tudo bem, bebezinho.. -Cantava uma música de ninar, enquanto colocava o gancho próximo ao umbigo da vítima. Fechou os olhos e com um movimento brusco perfurou a carne mole.
O sangue caiu sob sua cabeça.
Em meio aos gritos de dor, puxou as pequenas pernas para baixo. O gancho rasgou a criança ao meio. Em meio as vísceras e órgãos a assassina procurou pela chave.
Abriu o alçapão e desceu.
Bruno
O breve contado do gás com sua pele foi suficiente para fazer queimaduras sérias, assim que a substância entrou em contato com seu braço direito ele correu em direção a porta à sua frente. Girou a maçaneta com velocidade e pulou para dentro do recinto, sentando-se no chão.
Respirou com dificuldade durante alguns segundos, a dor e a ardência da queimadura no braço quase o fizeram perder a consciência.
Depois de recuperar um pouco da calma abriu os olhos com dificuldade e percebeu que estava em uma sala escura, a única iluminação do local era proveniente de uma lâmpada fria situada exatamente no meio do recinto.
Logo abaixo da luz estava uma menina presa à uma maca de plástico. Os braços e pernas estavam presos com algemas que, de tão apertadas, impediam a passagem de sangue e deixavam as extremidades roxas.
Uma corrente descia do teto e estava presa na maca.
Bruno correu em direção a menina. Ela tinha os cabelos cortados acima dos ombros, as pupilas eram negras como o céu em uma noite sem estrelas. O nariz era um pouco grande e lhe dava um ar de menina esperta, daquelas que não aceitavam um “não” como resposta. Se o homem tivesse que adivinhar, diria que ela tinha entre quatorze e quinze anos.
Estava nua.
-Saudações Bruno! Preste bem atenção no que irei lhe falar. Na sua frente está a Rebeca, ela está com um marca-passo que verifica a frequência cardíaca do seu jovem coraçãozinho.... Assim que eu parar de falar um fosso vai se abrir em baixo da maca e ela cairá em uma banheira de água com gelo. O gelo vai causar uma hipotermia e ela irá morrer...Isso se não se afogar antes – Um riso irônico pôde ser notado após a última frase.- Caso queira salvá-la você precisa puxar a corrente. A cada segundo que se passa o oxigênio dessa sala diminuí e isso só vai parar quando o coração dela parar também.
No exato segundo em que o som parou o quarto foi iluminado por outras dezenas de lâmpadas iguais a que iluminava Rebeca. No outro lado do quarto estava a outra ponta da corrente e, com um baque ensurdecedor, um alçapão abriu-se em baixo da menina e ela começou a cair.
Correndo o mais rápido que pôde Bruno lançou-se em direção à outra extremidade da corrente e a puxou de volta, segurando com dificuldade o peso da maca e de Rebeca.
A menina chorava e gritava para que ele não a deixasse cair.
Bruno também trabalhava na Tecaçados, era gerente do setor financeiro e por isso tinha muito respeito dentro e fora da empresa. Naquele dia, antes de entrar na fábrica, recebeu um telefonema que lhe dizia para seguir até o monte castelo pois uma marca de camisas gostaria de fazer parceria com a fábrica de sapatos.
Já estava difícil de respirar, os bíceps estavam contraídos e ardiam por segurarem peso durante tanto tempo. Aos poucos o homem soltava a corrente, fazendo com que o corpo da garota se aproximasse ainda mais da banheira de gelo.
-POR FAVOR, NÃO ME DEIXE MORRER- Gritava Rebeca, esforçando-se para puxar o ar rarefeito entre as lágrimas.
-Está difícil de segurar...Não vou aguentar.
Centímetro por centímetro a maca ia afundando. Bruno fechou os olhos quando soltou as mãos da corrente de vez.
Ouviu o barulho da menina afundando na água.
Rezou para que ela morresse logo, não estava conseguindo respirar.
A água entrou pelas narinas quando, em uma tentativa de sobreviver, Rebeca tentou respirar. O liquido seguiu lentamente em direção aos pulmões e os encharcou, a sensação de asfixia era agonizante.
O marca-passo parou.
Do outro lado da sala uma porta se abriu e o assassino cambaleou em direção a ela.
Encontrou seus colegas em uma sala branca.
Pedro
Pedro estava completamente tomado pelo medo, não pensava em mais nada a não ser no paradeiro do filho. Seus devaneios só foram interrompidos quando escutou uma voz extremamente alta.
-Olá, Pedro. As paredes desta sala são móveis, assim que eu parar de falar elas vão se mover até te esmagar. Para parar este processo e ficar livre basta puxar a alavanca que está no seu lado direito. A alavanca vai girar a engrenagem ao contrário e parar as paredes- Após uma breve pausa a voz voltou, a entonação indicava que o locutor sorria- Encaixada dentro desta engrenagem está a senhora Muriel.
As paredes começaram a se mover de maneira muito rápida, não demoraria para que o lado esquerdo e direito se encontrassem e esmagassem o homem. Ele olhou para baixo e viu a alavanca.
Puxou com violência e imediatamente escutou grunhidos de dor.
Seguindo o som ele viu que, bem acima dele, se encontrava uma senhora. Muriel estava com os braços e pernas abertos, presos por correntes de ferro. Não era preciso ser um gênio para entender que, quando a alavanca foi puxada, iniciou-se um processo onde a velha seria puxada em direções contrárias.
E assim foi.
Durante longos quatro minutos o corpo da senhora foi puxado para a esquerda e direita, depois do primeiro minuto o som de ossos quebrando e entortando-se ficou frequente. No segundo minuto o fêmur esquerdo quebrou e perfurou a perna, esguichando sangue.
Por estar amordaçada ela não conseguiu emitir nenhum outro som se não os grunhidos de dor. Em seus olhos era possível perceber o desespero e os pedidos de clemência.
Quando o braço direito foi arrancado do corpo e a perna esquerda estava presa apenas por finas camadas de músculo uma porta se abriu no fim da sala. Pedro caminhou em direção à mesma com velocidade, os passos firmes e seguros não demonstravam qualquer sinal de arrependimento.
Só buscava seu filho.
A SALA
-Todos vocês cometeram atrocidades, todos estão condenados ao inferno. Quero brincar mais uma vez, essa sala em breve vai ser inundada..A única maneira de parar a água vai ser se somente um de vocês ficar vivo!
O silêncio seguinte só foi quebrado pelo barulho das cerâmicas das paredes quebrando, a água começou a invadir depois.
Bruno estava atordoado, as queimaduras em seu braço estavam ardendo muito devido ao esforço que tinha feito segurando as correntes. Apenas observou enquanto Marta avançava em direção à Pedro com os braços erguidos.
A cena era brutal, a mulher parecia estar possuída: Tentava agarrar o pescoço do homem à sua frente com toda a força que possuía. Usava as unhas para arranhar e os dentes para morder.
Apesar de toda agressividade ela não foi forte o bastante para resistir à sequência de socos e chutes do homem. Depois que o segundo soco atingiu seu rosto ela caiu no chão e Pedro chutou sua cabeça até que o crânio estivesse afundado.
A água já estava na altura dos joelhos quando Bruno e Pedro se olharam. Os dois amigos permaneceram em silêncio durante alguns segundos.
-Eu preciso encontrar meu filho, Bruno.
-Eu acabei de matar uma garota, acredita nisso? E você matou a Marta..Porra. O que é que tá acontecendo cara?
-Eu não sei..Eu só sei que ele está com meu filho.
A altura da água aumentava rapidamente.
-Como pode saber disso? E se ele estiver mentindo?
-ELE NÃO TÁ MENTINDO- Gritou Pedro, quando pulou na direção de seu amigo. Agora os dois estavam a centímetros de distância um do outro e proferiam socos.
Pedro percebeu que o braço do rapaz à sua frente estava machucado e resolveu aproveitar-se disso. Bateu duas ou três vezes no ferimento e isto foi o bastante para que ele conseguisse derrubar Bruno e o segurar de baixo da água.
Como que em uma brincadeira perversa do destino, Bruno morreu afogado pelo seu melhor amigo.
O grito do sobrevivente foi alto e grosso. Não demorou para que três mascarados invadissem o local e o desmaiassem com uma anestesia no pescoço.
PEDRO
Acordou em uma sala escura, estava sentado em uma cadeira tinha os braços e pernas atados. Na sua frente uma pequena câmera digital estava em cima de um tripé, pela luz que o equipamento emitia dava para perceber que estava ligado.
-ONDE EU ESTOU? ONDE EU ESTOU?
-Parabéns, vencedor. Disse uma voz alta e grave.
-QUEM É VOCÊ? ONDE EU ESTOU?
-Pode me chamar de Alastair e você está na minha sala preferida do reality. A sala do vencedor.
-Reality? Do que você está falando?- Pedro estava confuso, só pensava em sair dali.
-O reality show que você acabou de vencer, não é óbvio? Por todo o mundo algumas pessoas assistiram você ao vivo pela internet. Viram você e seus amigos cometerem as atrocidades que fizeram.
-Reality? REALITY? VOCÊ MATOU PESSOAS INOCENTES POR CAUSA DE UMA PORRA DE UM REALITY?
-Eu não matei pessoas inocentes, você matou.
O assassino ficou em choque, o sentimento de culpa invadiu seu corpo. "Eu só estava tentando resgatar meu filho e sobreviver”
-E agora você vai receber seu prêmio..- Dizia o homem com máscara de bode, enquanto pegava um bisturi e começava a fazer escoriações por todo o corpo do rapaz. A tortura estava apenas começando.
Por todo o mundo, milionários com mentes doentias assistiam a tortura ao vivo. Haviam pagado milhões de dólares para assistir o Reality secreto conhecido como "Desafios Sangrentos".
Sentiam prazer ao ver os outros lutarem até a morte.
Sentiam prazer ao ver pessoas sofrendo.
FIM
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