Minha Partida

Naquele dia eu soube que tudo estava acabado. Por fim eu receberia o descanso eterno. Olho ao meu redor e vejo as pessoas que ficaram comigo até o fim. Em todos os rostos está estampado o desespero e a ciência de que a derrota finalmente chegou.

Não existe vida eterna. Ao menos não para nosso corpo. Mas desistir de lutar? Isso não era do meu feitio. Mas não sou de ferro.

Minha pele sempre queimou. Todos os dias a dor era insuportável. As feridas eram tantas que tomavam conta de meu corpo. Impossibilitado de me mover, tudo o que eu poderia fazer era me entregar. Mas de certa forma, meu coração insistia a bater. Parecia sentir prazer em me ver sofrendo daquele jeito.

Claro, ele não doía. Não se importava com minha dor.

Quinze juntas médicas tentaram diagnosticar minha doença. Nenhuma conseguiu. Diziam que meu caso era um entre tantos milhões, mas a verdade é que eu era único.

Me lembro da fama. A fama que veio com minha doença. Meu exemplo de luta parece ter motivado muitas pessoas a continuar.

A vida é muito boa para ser desperdiçada. Sempre foi isso que meus pais me diziam. Eu me divertia como podia. Não tinha amigos. O cheiro das feridas era quase insuportável, e na maioria das vezes que eu saia o olhar de nojo estava estampado nas pessoas.

Aquilo não era dó, muito menos compaixão. Eu sempre soube que fui uma espécie de espelho para os outros. “Ei! Se sua vida está ruim, olhe para mim!”.

O pior era na hora de dormir. A dor dilacerante de minha carne sendo cortada pelo simples contato com o colchão não era nada comparada ao me levantar dele. Havia um plástico e muito azeite. Eu não podia encostar em tecidos. Não na hora de dormir.

A verdade é que aos poucos eu estava me cansando daquela vida. Recordo do câmera e do repórter do canal de documentários vomitando ao me verem. Eles não mostram isso na televisão.

Pra mim o dia final chegou. Minha vida pode ter sido triste para muitos, mas não para mim. Dizem que pareço queimado sobre minha cama. Devo estar igual a um monstro... vejo graça por isso, pois nunca fui bonito.

Minha mãe aperta carinhosamente minha mão. Ela sabe que não me importo mais com a dor. Entre lágrimas ela se inclina e beija minha cabeça sem se importar com o pus em meio as feridas.

É este o momento e finalmente estou pronto para partir. Se algo valeu a pena em minha vida foi conhecer o verde maravilhoso da natureza, o doce azul do mar e os encantos que o cercam, e acima de tudo, o ar que respirei. Mudei a vida de muitas pessoas, por isso que agora sei que minha missão está cumprida.

Fecho os olhos e os abro novamente. Tudo o que vejo é belo. Estou normal, caminho em meio as árvores e sinto o fresco da grama tocar meus pés. Não sinto dor. Diante de mim, um homem de branco estende sua mão. Na outra mão está meu irmão que partiu com 03 anos. Ele não suportou, mas agora ele olha para mim e me abraça. Sinto lágrimas escorrerem pelos meus olhos, e eles não doem mais. Abraço meu irmãozinho, pego ele no colo e o homem continua com sua mão estendida. Não vejo seu rosto, mas não preciso ver. Finalmente estou curado, finalmente estou em paz. No meu quarto, minha mãe sorri ao me ver descansar, esperançosa de um dia se encontrar comigo mais uma vez.

**Pessoal, queria agradecer as leituras e peço desculpas pela demora em postar. Estou trabalhando muito e infelizmente o tempo está bem curto. Tenho escrito alguns contos, mas nada que ainda esteja pronto para postagem. Espero poder voltar em breve com as leituras diárias, pois estou com saudades de todos vocês! Abraços**

Bonilha
Enviado por Bonilha em 24/01/2013
Código do texto: T4102073
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