O Lado Negro da Lua
A idéia de mundo pessoal e mundo coletivo povoava sua mente desde que, na doença da puberdade, lhe ministraram algumas gotas de racionalidade e observação.
O mundo coletivo era a nossa convivência básica, o dia a dia. O ato de ir comprar pãezinhos às 8 horas da manhã, de ouvir música enquanto esperava o sinal abrir, de comentar o tempo, de pagar as contas, de ser mecanizado pela sociedade eram condutas do mundo coletivo.
O mundo pessoal era aquele em que habitavam os nossos medos, as nossas desavenças, o nosso ódio. Era aquele mundo sem lei, onde a simples fúria caracterizada muitas vezes por “Se eu pudesse arrancar-lhe as tripas...” se concretizava. Para alguns esse mundo era vívido, tão colorido quanto o mundo coletivo. Para outros, esse mundo era incolor e inodoro. Estava ali quietinho, guardado no fundo da cabeça.
Porém, para uma minoria ambos os mundos eram negros. A razão era simples. Eles haviam cometido um grave pecado. Haviam fundido o coletivo e o pessoal.
Esse era o ponto de vista de Rafael sobre a vida. E Rafael fazia parte da minoria que sua estatística mental havia criado. Seus mundos eram negros.
Os mundos negros o tornava invisível. Qualquer elemento o camuflava para que a criança mimada pudesse chegar em sua casa ainda psicologicamente conservada, para que pudesse se deitar naquela cama invejavelmente confortável onde, em algum passado, os sonhos eram realmente sonhos e não desejos consumistas.
Acreditou até certo momento que uma hora voltaria para a luz. Que não seria só mais um “ser do mundo negro”. Mas agora se sentia tão revoltantemente inanimado. Era até cruel sentir que nem eles próprios se notavam. Quantos não deixou pra trás enquanto caminhava? Todos na mesma condição, todos com frio, com fome, com carência.
Sentado na sarjeta, Rafael recolhia lentamente os pensamentos dispersos para uma gavetinha no cérebro. Sentia-se podre. Algo repugnante qual ninguém tinha coragem de tocar. Era desesperador… ELE TAMBÉM ERA HUMANO ORAS!
Levantou-se e saiu correndo, chorando, soluçando. Ele iria nadar na multidão.
O mundo coletivo delas era tão colorido que podia refletir na face.
Havia uma moça mais a frente. O cheiro de perfume caro, de sapatos envernizados e amaciante de roupas fantasiava o ar. Correu até ela.
- MOÇA! MOÇA ME AJUDA! POR FAVOR!- disse abruptamente.
A face bonita e bem cuidada da mulher transformou-se. Agora havia repulsa, ódio.
- Você está invadindo os mundos dela. – falou-lhe a consciência.
A moça desviou-se com medo que o pobre mendigo lhe passasse alguma doença.
Ele ficou parado olhando para o vazio. Andou vagueando pela rua, um zumbi. Sim, era isso, ele era um zumbi. Haviam-lhe tirado os sentimentos. Os olhos já não eram mais as janelas da alma. Os lábios já não eram fonte de conselhos. Os braços já não acalentavam. Oco.
As pessoas desviavam com medo dele. Medo de doenças, medo que ele as assaltasse. Exatamente como a moça havia feito.
Parou olhando seu reflexo em uma vitrine. Ele não possuía uma doença. Ele ERA a doença. Todos sabiam disso e todos que possuíam os mundos fundidos eram a peste, a doença, o mal da sociedade.
Ele gritava. Parado em na calçada gritava. Olhando para o alto, ele gritava. Mas não era notado. Era só mais um.
Era por isso que ateavam fogo em mendigos. Por que eles eram a doença da sociedade. E ela precisava ser exterminada.
Ninguém lhe estendeu a mão. Pois ele a estenderia ao destino.
Desolado, sentou-se na frente de uma agencia bancária. Olhava fixamente para a porta.
Aquilo fazia parte do mundo coletivo. Mas quando tudo é escuridão, todas as portas são uma saída para o fim.
Juntos nós resistimos, separados nós caímos