A COLHEITA MALDITA

- O que você está pensando? - dizia Julia a Letícia, sua filha, aos gritos.

- Calma mãe! Para tudo há remédio.

- Por que você não se cuidou? Agora pensa que pode nos envergonhar? Já falei com aquele Doutor e marquei hora para segunda-feira as 09:00 horas.

- Mãe o que você está pensando fazer, é crime. - dizia Letícia apavorada com a atitude da mãe.

- Crime? Crime é o que você fez conosco, engravidar aos dezessete anos. O que você sugere? Você vai criar esta criança? E a nossa reputação, aonde fica? Você pensou na hora de nos causar este problema?

- Mãe por favor não! Você quer matar seu neto! - gritava Letícia desesperada.

- Pensasse nisto antes de nos fazer esta vergonha, agora é tarde demais. Já está decidido, será assim e pronto!

A mãe de Letícia já havia decidido o futuro do neto. Enquanto Letícia se derramava em lágrimas. O pai não se metia, o que a mãe decidia ele concordava. Letícia pedia perdão a Deus e a seu filho, que não sei bem por que razão, mas ela acreditava que ele assistia ao Tribunal a que foi submetido.

Naquela segunda-feira, cedo Julia acorda Letícia, que mal cochilou, preocupada com o desfecho do seu filho. Letícia levantou preguiçosamente, se arrumou e logo estava pronta, rumo ao matadouro.

Sua mãe tomou um gole de café e saíram rapidamente.

No trajeto Letícia não dava uma só palavra, aborrecida em ser forçada a tomar aquela atitude. Ventava muito, o vento batia em seu rosto molhado de lágrimas. Aquelas foram as horas mais infindáveis em sua vida. Obrigada a fazer o que não queria, Letícia só pensava o que seria daquela criança, negada o direito de nascer. E ela pensava, que poderia ser ela, no lugar da criança, tamanha era a maldade de sua mãe.

Após algum tempo, finalmente chegaram. Letícia triste e envergonhada não se atrevia a levantar os olhos. Entraram naquele lugar obscuro, que com certeza não era uma Clínica. Ela foi atendida na recepção e logo encaminhada a uma sala. Enquanto isto sua mãe a esperava na recepção. Enquanto aguardava, conversava com outras mães:

- Este procedimento é muito perigoso, pode levar a morte, sem contar que é um crime o que estamos cometendo. - dizia uma mãe.

- Eu prefiro ver minha filha morta, a ter que passar por esta vergonha. - dizia a mãe de Letícia.

Passada uma hora, Letícia aparece no corredor, sendo conduzida por uma enfermeira. Ela não via a hora de sair daquele ambiente com energia ruim. Retornaram para casa caladas, ambas sabiam o que tinham feito. Principalmente Julia, sabia que acabou de semear algo muito ruim, e a lei do Universo não perdoa, o que semeares, colhereis. A Julia não se ligava muito nisto, o importante para ela era ter se livrado do problema. Só que com essas coisas não se brinca, cedo ou tarde ela irá colher o que plantou.

Letícia tinha uma pequena incisão na barriga, e foi instruída pela mãe a dizer, se alguém perguntasse, que ela havia feito uma cirurgia de vesícula.

Alguns anos se passaram depois daquele dia, que Julia preferia esquecê-lo. Ela passou a ter pesadelos, quase todas as noites, era sempre o mesmo: Ela via uma criança que a perseguia por todos os lados, e lhe dizia que era seu neto, que tinha direito de nascer e ela o negou. Julia corria o mais que podia, mas quanto mais ela corria não adiantava, a criança sempre a alcançava. Julia acordava em pânico, pois sabia o que tinha feito e temia muito.

Após aqueles anos, novamente tudo se repete, desta vez foi com a filha mais nova a Ana Alice.Quando sua mãe tomou conhecimento de sua gravidez, ela já estava no sexto mês Sua mãe quase enlouqueceu, e agora o que ela iria fazer? Julia não se deteve, marcou hora e no dia certo lá estava ela com a Ana Alice, que foi enganada, pensando que estava indo a uma consulta de pré-natal.

Ao se dar conta, Ana Alice se viu sem seu bebê, o qual sua mãe lhe disse ter morrido, mas ela não acreditou e caiu em prantos. E mais uma vez Julia retorna para casa sem culpa na consciência.

As semanas que se seguiram Julia voltou a ter aqueles pesadelos, mas desta vez eram duas crianças que corriam atrás dela, atormentando-a. Julia plantou, agora era chegada a colheita. Daqueles dias em diante nunca mais Julia teve paz, não dormia mais direito, com medo dos pesadelos, não se alimentava direito, e começou a ver e ouvir vozes e pessoas.

Certa noite Julia acordou com uma ventania que batia as janelas do quarto, e não conseguiu mais dormir. Em sua mente ouvia vozes a dizer:

- Você plantou, agora é chegada a hora da colheita. - e assim ela ouvia essas vozes o tempo todo, o que estava levando-a loucura.

Certa dia sua outra filha, a Carla, entrou em casa aos prantos, dizendo a mãe que seu marido foi desenganado pelos médicos, estava com uma doença em fase terminal. O médico deu-lhe um mês de vida. O que preocupou muito a Julia em ver o sofrimento de sua filha Carla.

Julia começou a temer pelos sonhos e visões que teve. e pensava consigo: - Será que comecei a colher?

Passado exatamente um mês, o marido da Carla veio a falecer, por falência múltipla dos órgãos.

Julia temendo pelo que fez no passado, dedicou-se a orar, pedindo perdão por seus pecados. Será que isto somente era o suficiente? Será que realmente houve um arrependimento sincero, ou se ela estivesse diante da mesma situação, faria tudo novamente?

Passou-se um ano e certa noite, o filho de Júlia, o Eduardo saiu de moto com um amigo, foram a um barzinho beber. Conforme relatou o colega, beberam muito, depois Eduardo se engraçou com uma menina, arranjando atrito com o namorado da mesma. Pegaram a moto e foram embora, no caminho, um carro fechou a moto tirando a da pista, e jogando a longe, ambos caíram no chão e se machucaram feio. Um veículo que vinha logo atrás, parou e prestou socorro, chamando a defesa civil. Eles foram levados ao Hospital.

Eduardo quebrou a perna e ficou internado quinze dias para a cirurgia. Operou em um dia e morreu no outro. Os médicos alegaram que o coração não aguentou. Ele tinha 24 anos.

Naquela manhã de quinze de dezembro, bateram a porta, Julia foi atender, era o carro da Santa Casa da Misericórdia, com o Papa defunto. Ao ver aquele carro, Julia se assustou, pois Eduardo estava internado, logo ela achou que ele tivesse morrido. O Papa defunto se apresentou e deu a notícia a Julia, que pranteou pela morte de seu filho na tenra idade.

Seu marido Ronaldo providenciou o sepultamento, não houve velório, o corpo saiu do Hospital direto para o Jardim da Saudade. O Cemitério estava cheio de amigos, parentes, vizinhos e colegas de trabalho, que foram dar o último adeus a Eduardo. Júlia dopada, caia em cima do corpo do filho. Começou a delirar e ver crianças correndo entre os sepulcros, e vozes a ecoar: - é chegada a colheita! kkkkkkk

Julia sentiu-se perdendo a razão, aquilo não poderia ser real? Ou era? Ela não sabia mais de nada. No dia seguinte seu marido Ronaldo a levou a um psiquiatra, que a ouviu atentamente. Depois medicou-a, e ela retornou ao seu lar.

Os dias perderam as cores para Julia, havia perdido o genro e um filho. Voltou a sonhar com as crianças perseguindo-a e dizendo:

- A colheita já chegou!! kkkkk

A vida de Julia tornou-se um inferno, não tinha mais paz para dormir, era adormecer e os pesadelos atacavam, acordando apavorada, emagreceu, definhou, perdeu a paz. Passou a viver vegetando, quase sempre dopada por medicamentos fortíssimos.

Será que Julia já havia colhido tudo o que plantou? Certamente que não, e seis meses depois, ela estava em casa na sala assistindo TV com seu filho mais novo, o Roberto, quando chamaram no portão, ele foi atender, eram seus colegas chamando o para irem tomar cerveja. Roberto foi até a sala e comunicou a sua mãe que iria até o bar tomar uma cerveja com os amigos, e voltaria logo.

Eles foram a um Bar perto de casa, beberam, depois resolveram dar uma volta de carro, saíram embriagados. No Bairro havia uma grande Praça, que era reduto de prostituição gay. Eles passaram por lá mexendo com os travestis, que correram atrás do carro. No cruzamento o sinal estava no alerta, e fugindo dos travestis, eles não olharam se vinha carro e avançou, sendo abalroado por um caminhão da Light, que lançou o corpo do Roberto pelo para-brisa do outro lado da pista, batendo com a cabeça no poste, abrindo-a na hora, sua massa cefálica caiu ao chão. No momento ia passando um casal de namorados, quando aquele corpo caiu a sua frente.

O casal parou para socorrê-lo, ela segurou a cabeça de Roberto colocando o cérebro para dentro, enquanto seu namorado parou um carro na rua e pediu ajuda. O motorista disse que levava, mas ela teria que ir junto segurando a cabeça dele aberta.

Eles concordaram em irem juntos ao Hospital, e no caminho Roberto tirou um dinheiro do bolso e pediu a moça que o entregasse a sua mãe, era para o leite dos filhos, no dia seguinte.

O casal pegou a carteira de Roberto, na qual encontrou o número do telefone de sua casa. Entrou em contato e comunicou o ocorrido a família, que imediatamente correram para o Pronto-socorro. Enquanto Roberto esperava em uma maca fria de Hospital para ser atendido, ele se agarrou a moça e não queria deixá-la partir. Ela explicou-lhe que tinha que ir em casa tomar um banho e trocar de roupas, pois estava ensaguentada.

Roberto fez a moça prometer que voltaria, e ela partiu. Nesse intervalo de tempo, Roberto faleceu, sem ao menos ser visto por um médico. Pouco tempo depois sua mãe, a Julia chegou, e ao deparar com aquela cena, pranteou agarrada ao corpo, inerte, sem vida e sem calor, desesperada, imensa era sua dor. Ela gritava:

- Meu filho! Meu filho! Meu filho não!

A cena foi tocante, não tinha quem não chorasse com Julia naquele momento no Pronto-socorro. Logo depois, a moça retornou, e já não podia vê-lo com vida e vendo aquela cena, também chorou. Abraçou Julia, nunca a viu antes, mas naquele momento, a dor uniu as.

Julia desmaiou, foi socorrida no hospital. Seu marido providenciou o sepultamento, para o dia seguinte. Horas depois o corpo foi levado para a capela do cemitério do jardim da Saudade, onde seria velado naquela noite, o enterro seria no dia seguinte as 10;00 horas.

Julia ficou no Hospital internada até o dia seguinte na hora do enterro, quando foi liberada pelo médico. Seu marido a levou até o Cemitério. Ela desceu do carro com ajuda do marido que a levou até a Capela, onde mais uma vez o corpo de um de seus filhos jazia frio, sem vida, sem alegria, entristecendo sua vida.

Julia ainda dopada, delirava, aos gritos dizia:

- Saiam daqui, vão embora, eu matei vocês, vocês não poderiam estar aqui. Saiam! Saiam! - enquanto todos olhavam sem entender o que ela queria dizer. Seu marido a abraçou acalmando a.

Após o sepultamento retornaram para casa, Julia sempre amparada por Ronaldo, que a levou para dormir e ficou ao seu lado velando por seu sono. As vezes Ela se agitava e gritava, dizendo que matou aquelas crianças.

Bem, bem vemos que Julia já perdeu seu genro e dois filhos. Será que ela já colheu pelo que plantou? Veremos a seguir.

Os dias se passaram, meses, um ano, dois anos, sete anos relativamente em paz na casa de Julia, tudo indicava que sua dívida havia sido paga.

Uma noite enquanto dormia, Julia gritou, acordando toda família. Ela abriu os olhos e viu duas crianças, que agarravam ela e a amarravam na cama. Aos gritos ela pedia ajuda ao marido, que nada podia fazer, pois ele não tinha a visão dela. Ele chegou a pensar em interná-la em um manicômio. Precisou chamar um médico em casa, que lhe deu um calmante injetável, o qual a fez dormir até o dia seguinte.

Roberto faleceu deixando dois filhos, um menino e uma menina. certa tarde de domingo enquanto Julia assistia TV com seu marido, pensando já ter pago sua dívida, o telefone tocou, Julia atendeu, era sua nora, avisando que mataram seu filho, o filho de Roberto. Foi assassinado aos quinze anos, dizem que por envolvimento com drogas, comprou e não pagou. Julia cai desmaiada no sofá, enquanto Ronaldo pega o telefone para descobrir o que aconteceu.

E mais uma vez, Julia vai enterrar seu neto. E pensava ela, o que fez de tão grave para pagar tanto?

E quando ela pensou que parou por aí, ela se enganou, seu marido que sempre bebeu, foi acometido de uma cirrose. Pronto! Pensou ela, agora tiraram meu chão.

E pouco tempo depois Ronaldo foi internado com uma dor terrível e nunca mais voltou para casa, veio a falecer em poucos dias.

Julia que tinha uma família composta de trê filhos e três filhas e o marido, num total de oito, agora a família estava desfalcada.de três e mais um neto e um genro. Pela ordem natural da vida os filhos enterram os pais, o que não aconteceu com Julia, que estava enterrando os filhos, um a um.

Após estas perdas, duas filhas de Julia brigaram feio, de uma odiar a outra, a terceira filha, a que Julia matou seu filho de seis meses de gestação, mudou-se para um outro estado, e seu neto, o filho do seu filho mais velho entregou-se as drogas.

Julia passou a viver em sua casa com os seus netos falecidos, os quais ela assassinou. Vivia agora com a companhia destes netos. Certa vez seu filho mais velho foi visitá-la, e quando ameaçou sentar no sofá, ela deu um grito:

- Não sente aí!

- Ora, por que mãe?

- Você ia sentar em cima das crianças e podia machucá-las.

Seu filho Astrogildo, ficou preocupado com o comportamento de sua mãe, tratando de interná-la em um manicômio.

Astrogildo, sentou-se no degrau da porta de entrada da casa, observando aquela cena, sua mãe sendo levada em camisa de força ao Hospício, enquanto as lagrimas rolavam pelo rosto. Vendo a ambulância desaparecer na esquina.

Ficou ali chorando algum tempo, depois tentou levantar, quando duas crianças se aproximam e disseram:

- Tio não chore, ela já colheu toda a colheita.

Ao ver aquilo Astrogildo assustado caiu no chão, quando se pós de pé, correu o mais que pode.