UM TRABALHO MACABRO NAS SOMBRAS DA DITADURA MILITAR
Era uma época sombria, todo o Brasil vivia sob uma aura negra. Sim, temos que concordar que por um período houve grande crescimento econômico, porém tal evolução foi seguida por uma grande concentração de renda. Mas o principal nesse período de ditadura, em que o Brasil era governado pelas mãos de ferro dos generais, foi a repressão, a caça, a tortura e o desaparecimento de várias pessoas nos “porões” de algumas instituições, entre elas o DOPS e o DOI-CODI.
O desaparecimento de presos políticos durante o regime militar, aguçaram a curiosidade de historiadores, pesquisadores e jornalistas, mas sempre sem uma resposta satisfatória.
Nos idos anos de 1970, Alberto Távora era um delegado determinado e devoto ao seu trabalho. Ele era um homem de hábitos estranhos, sempre escolhia o turno da noite para trabalhar. Ele dizia que a noite era a sua principal arma para caçar os comunistas. Alberto tinha uma equipe pequena de subordinados, tão estranhos quanto ele, era um grupo de poucas palavras e que se enturmava pouco com os demais funcionários da delegacia. O delegado Távora e os seus subordinados nunca falavam a outras pessoas sobre as suas investigações, eles se reportavam somente a uma entidade militar superior.
Algumas vezes Távora recebia uma visita estranha na delegacia, visitante que sempre conversava em particular com o delegado. Ali, ninguém além dos súditos do delegado, sabia quem era aquele homem alto, de uma pele extremamente branca, cabelos longos e negros, ele sempre trajava roupas negras e um sobretudo da mesma cor. O que mais chamava a atenção neste amigo do Alberto Távora era o seu olhar assustador e penetrante.
Em uma das visitas do misterioso visitante, acidentalmente, Borges, um dos faxineiros da delegacia ouve a conversa dos dois homens. Eles falavam de um grupo de extrema esquerda que estava organizado e protegido por alguns membros da Igreja. O delegado Távora fala ao seu estranho comparsa:
-- Mas você sabe os lugares exatos onde eles se reúnem?
-- Não. Só consigo localizá-los quando os padres comunistas estão ausentes. Creio que eles são protegidos por um ser da luz.
-- Sabe delegado. Continua a falar o homem de trajes negros.
-- Se você conseguir capturar um deles para eu saciar com o seu sangue, poderei então penetrar no reduto dos guerrilheiros e você e eu poderemos então pegar todos. Ficarei com o sangue e você como sempre, ficará com a carne e com os ossos.
Ao ouvir o diálogo entre os dois “homens”, Borges, que se encontrava escondido no pequeno corredor que seguia para o banheiro, percebe que o misterioso companheiro do delegado não era humano e sim um vampiro. Tal criatura era chamada de Ergron.
Com um tipo de sentido extra Ergron percebe a presença do Borges. Sem pronunciar uma só palavra, o vampiro caminha com passos firmes e largos em direção ao corredor. O delegado o observa, mas não faz nada. Ergron sente prazer no cheiro do medo que exalava do pobre homem. A criatura das trevas dá uma última olhada para o delegado Távora e então se volta ao Borges o agarrando e transportando-o para as trevas.
Estava decidido que o delegado tentaria capturar um dos guerrilheiros, que seria a chave para o vampiro penetrar no reduto deles e assim, ambos, poderiam continuar com o seu plano macabro, em que Ergron se saciaria com o sangue de pessoas de espírito guerreiro e Távora com a carne de tais pessoas. Tudo isso, amparados pela política de ordem social, que reprimia aqueles que lutavam contra a ditadura dos militares. Quanto ao Borges, não era tarefa difícil explicar o seu sumiço, pois Távora nunca era questionado e os seus subjugados obedeciam cegamente as suas ordens.
Após uma observação minuciosa, o delegado Távora percebe que todas as noites por volta das vinte horas, um dos guerrilheiros saia e caminhava até uma pequena livraria na rua Pamplona, próxima à avenida Paulista. Lá, o guerrilheiro permanecia até as vinte e três horas, quando retornava para a igreja onde estava escondido.
O devotado delegado prepara uma emboscada. Em uma das noites ele e seus súditos ficam à espera do guerrilheiro. Na hora esperada, o jovem de espírito guerreiro que carregava em suas veias o sangue tão desejado por Ergron e Távora, caminha pela Rua Pamplona e quando cruza a Rua São Carlos do Pinhal, de súbito e sob o olhar atento de Távora, o jovem é capturado, um capuz negro é colocado em sua cabeça e ele é levado para um sítio no extremo sul da cidade de São Paulo. Tal guerrilheiro a esta altura já era conhecido pelos seus algozes pelo pseudônimo de Marcos, eles nunca ficaram sabendo o verdadeiro nome do jovem.
Ao chegarem naquele lugar isolado, Marcos é levado para a sala de tortura. Ele é despido, os seus olhos demoram alguns segundos para se adaptarem à penumbra daquela sala e ao recuperar a sua visão ele enxerga parada e imponente à sua frente aquela figura estranha, aquele homem forte, com mais de dois metros de altura todo trajado de negro. Antes que o guerrilheiro se recupere do susto ele é puxado e levado para a cadeira do dragão, um instrumento de tortura feito de cobre, onde a vítima era sentada para receber uma descarga elétrica que se espalhava por todo o seu corpo.
Ergron e Távora auxiliados por seus súditos interrogam o jovem, para que ele dê detalhes sobre a organização e o esconderijo dos guerrilheiros e dos padres comunistas. O vampiro se aproxima lentamente do jovem e com um olhar firme e penetrante abre um macabro sorriso mostrando as suas grandes presas. Com um esforço tremendo, Marcos busca força em seu interior e cospe no rosto do sanguinário vampiro, que abre alta e irônica gargalhada. Após esse ato de rebeldia, o torturado é levado para o pau-de-arara e embaixo de xingamentos, socos, chutes e cacetadas é interrogado a respeito do ser da luz que protegia os subversivos. Marcos resiste à tortura, Ergron sente um enorme prazer no medo e no ódio que exalava do corpo alquebrado daquele homem. O rapaz então é levado para o terceiro objeto de tortura, a coroa de Cristo, que é colocada em sua cabeça pressionando-a, fazendo-o gritar de forma horrenda e desesperada. O vampiro lentamente se aproxima do machucado homem, que se encontra com a cabeça pendida para um dos lados, Ergron com força agarra o jovem pelos cabelos, levanta a sua cabeça e aproximando a boca do ouvido do torturado, lhe faz a seguinte pergunta:
-- Quem é o ser da luz que está protegendo vocês?
O jovem fazendo um esforço sobre-humano olha no semblante da criatura e com a voz fraca e rouca lhe diz:
-- Ser da luz?! Eu não sei do que você está falando. Não existe nenhum ser da luz.
Então Ergron percebe que a proteção era só para os padres.
Após a confissão do jovem, o delegado Távora libera os seus súditos dizendo-lhes:
-- Podem ir para casa e lembrem-se, sigilo total sobre os acontecimentos desta noite. Ergron e eu continuaremos aqui e cuidaremos de todo o resto. Após liberar os seus homens, Távora retorna para a sala de tortura. Ergron encontra-se parado próximo a Marcos, com uma voz grave o vampiro grita ao jovem, dando ordens para que se levante. Observando a incapacidade de ação do guerrilheiro, o vampiro segurando em seus cabelos o suspende e ferozmente morde o pescoço daquele homem condenado à morte. Ergron entra em êxtase e elevando-se no ar segura firmemente o corpo de Marcos. De repente, ele solta o corpo sem vida que cai ao chão. Com o rosto sujo de sangue o vampiro se aproxima do delegado e diz:
-- Cuide do corpo, retire a carne e sacie-se com ela e os ossos levem para o altar secreto.
Ergron continua a falar:
-- Voltarei ao reduto dos guerrilheiros e trarei quantos eu puder para cá, pois quando perceberem o desaparecimento do seu companheiro, eles fugiram. Por isso temos que agir ainda hoje, antes do amanhecer.
Aquela foi uma madrugada atípica, em idas e vindas Ergron, de forma sorrateira, consegue capturar e saciar com o sangue de sete jovens guerrilheiros. E antes do nascer do sol Távora tinha bastante trabalho, sete corpos para retirar a carne e enviar os ossos ao altar secreto. Antes de Ergron voltar a sua tumba para se refugiar da luz do dia, Távora com um sorriso macabro no rosto lhe diz:
-- Hoje conseguimos mais alguns que entraram na lista de desaparecidos políticos que nunca serão encontrados. O golpe foi um ato extraordinário, enquanto ele continuar podemos trabalhar protegidos por sua sombra.