Mar de sangue no Estaleiro
Sangue no Estaleiro.
Jorge Linhaça
Na beira do mar, adultos e crianças veraneavam sob o sol escaldante do final da tarde, na Praia do Estaleiro.
Casais aproveitavam para namorar e bronzear-se entre os banhos de mar, enquanto grupos de crianças reuniam-se em folguedos pueris.
No muro de pedra que servia de separação entre a maré e o asfalto logo acima, podia-se ver o resultado de anos e anos de erosão , da luta do mar contra as rochas, abrindo buracos ao longo do paredão artificialmente construído.
Em um desses buracos, bem lá ao fundo, um par de pequenas luzes vermelhas observava o movimento exterior. Em determinado momento as pequenas luzes pareceram ganhar maior amplitude e, na saída do buraco apontou um pequeno roedor que pôs-se a farejar o ar à sua volta. Voltou para o buraco e lá permaneceu por mais alguns minutos, até que, acreditando ser o terreno seguro, caminhou despreocupadamente ao longo da linha onde a areia se encontrava com o muro.
Mais adiante se aproximou incautamente de uma criança que vinha em sua direção, absolutamente distraída, e que apesar de alertada pelos gritos de olha o rato, olha o rato, não parava e nem se desviava de seu caminho.
O pai correu em seu socorro, um rapaz pulou do asfalto para a areia e o pobre rato, mais assustado que as crianças tentou empreender a sua fuga voltando pela trilha anexa á pétrea barreira. No entanto foi em vão. O tal rapaz, tomado de uma fúria “raticida” lançou mão de quantas pedras encontrou pelo caminho até por fim à pobre existência do roedor.
Uma sensação de segurança invadiu a praia após o alvoroço causado pela presença do pequeno e indesejado visitante animal.
Algum tempo se passou até que outras luzes vermelhas começassem a pontear a escuridão dos buracos que surgiam aqui e acolá no paredão. Agora eram dezenas, dúzias, centenas de pontos vermelhos que se amontoavam uns sobre os outros no aparentemente reduzido espaço.
Rapidamente, como que atendendo a uma ordem vinda das profundezas do próprio inferno, uma verdadeira avalanche de ratos precipitou-se para fora dos buracos, atacando a todo e qualquer ser humano que vissem em seu caminho.
Os gritos de dor e horror ecoavam uníssonos pelo ara, mesclando-se qual o sangue se amalgamava á areia da praia, tingindo-a de rubro.
Nem mesmo os que estavam ou fugiram para dentro do mar conseguiram evitar ao ataque, pois as ratazanas se atiravam ao mar que aos poucos foi ficando manchado de vermelho diluído no sal das ondas.
Até mesmo o pequeno veleiro que , desobedecendo as normas marítimas de segurança, atracara a poucos metros da praia foi poupado...as ratazanas subiam pela corda da ancora e pelo casco d barco, dilacerando membros e corpos dos seus ocupantes.
A tentativa de resistir, por parte das pessoas, foi em vão... Pedras e paus causaram algumas baixas no exército de roedores, mas, o seu número era tão superior que subjugaram os poucos combatentes humanos incorporando-os ao seu lauto banquete.
Alguns poucos e sortudos sobreviventes, que estavam mais próximos de pontos de fuga da praia, corriam desesperadamente gritando aos céus pela proteção divina enquanto subiam a ladeira que dá acesso à Igreja do Bonfim.
Corpos mutilados de homens, mulheres, crianças e ratos espalhavam-se e empilhavam-se pela areia e/ou eram levados pela força das ondas da maré vazante para dentro do mar.
Terminada a macabra vingança, os ratos de todos os tamanhos, voltaram rapidamente para dentro dos buracos de onde haviam saído, sumindo completamente da vista dos seres humanos. Partiram com a fome e a sede de vingança saciadas naquela ocasião.
Salvador, 26/12/2012.