A campainha

- Perai! Já vou. – Joana não encontrou ninguém ao abrir a porta. Esses meninos do 302. São umas pestes mesmo. Vou falar com a mãe deles depois. Pensou consigo mesma, mas sem conseguir ficar com raiva. O cansaço da jornada extenuante do plantão de 24 horas no hospital lhe deixava em um estado de espírito onde predominava um embotamento afetivo, associado a uma sensação vaga de estresse. Ela sabia que seu trabalho já tinha acabado, mas o corpo, apesar de extenuado, ainda não percebera que poderia relaxar e se entregar ao descanso. Tudo então girava em torno de relaxar a mente e o corpo, para poder descansar.

Mas havia também a sensação de felicidade. Conseguira a residência em gastroenterologia no hospital da Universidade de São Paulo, e agora morava sozinha, em um pequeno, mas lindo apartamento próximo à Avenida Paulista. Conseguira finalmente um espaço só seu. A família, o namorado que ela já sentia que não ia dar em nada, os amigos do colégio que já não eram mais tão amigos assim, e os amigos da faculdade, que nunca haviam sido realmente amigos, tudo isso ia ficando para trás. Ela quase não ficava em casa, e na maior parte das vezes em que estava lá, ou estava estudando ou dormindo. Mas havia aquele momento mágico, depois do trabalho, quando ela chegava em casa e via a sua conquista. Tudo aquilo era devido ao seu trabalho. Era um ambiente que ela criara. Seus pratos de plástico brancos com desenhos de flores de maracujá, a estante em madeira clara com linhas não paralelas, sua cama de casal com lençóis de 400 fios de algodão egípcio e os travesseiros em espuma nasa, tudo aquilo era uma conquista, e uma escolha dela.

Deitou-se na cama para um relaxar um pouco. Não pretendia dormir, só descansar, para poder dormir melhor depois. Sentiu o lençol macio roçar contra sua pele morena e também macia. Esse carinho, lençol, travesseiro, cama, em tudo maciez, roçando os pelos de sua pele levemente, a relaxaram e a encheram de uma sensação de torpor. Inspirou profundamente o ar impregnado do cheiro dos lençóis novos, e deixou o ar sair simplesmente relaxando o corpo, deixando sair junto com o ar toda tensão. Inspirou mais uma vez, agora normalmente, e deixou de novo o ar sair relaxando todo o corpo. Retirava-se aos poucos do mundo ao seu redor e se aprofundava cada vez mais dentro de si mesma, cada vez mais sentindo somente a própria respiração. Não sentia mais que inspirava, e nem sentia a si mesma. Só sentia o ar sair, levando toda tensão embora.

O som da campainha a despertou do semi sono.

- Porra – pensou em como seria bom se pudesse desligar a campainha, da mesma forma que desligara o telefone. Desistiu de levantar. Provavelmente os meninos de novo. Já deviam ter corrido. Se ela não abrisse a porta perderia a graça.

- Ah não. Ah não. – a campainha tocou de novo. Levantou-se e foi ver quem era, um pouco torcendo para não haver ninguém, pois não queria atender ninguém. Abriu a porta, e não havia ninguém mesmo. Saiu ao corredor de pijamas. Foi até a porta corta fogo da escada e procurou pelos meninos lá. Não estavam. Foi ao outro lado do corredor e não havia ninguém lá também. Voltou para o apartamento. Ainda mantinha o mesmo estado de espírito. Queria descansar e curtir seu apartamento. Decidiu-se a não atender a campainha, nem que tocasse mil vezes. Certificou-se de que a porta estava trancada e foi deitar-se novamente. Ao chegar em frente à cama a campainha começou a tocar freneticamente, foi correndo para a porta enquanto a campainha continuava tocando. Abriu a porta e imediatamente a campainha parou. Não havia ninguém à porta. Um pequeno calafrio percorreu a espinha de Joana, começando da base até a nuca, onde os pelos começaram a se eriçar. O calafrio percorreu seu couro cabeludo, que se contraíra. Ela engoliu em seco e procurou pensar racionalmente. Será que a campainha tinha estragado. Mas se fosse isso ela continuaria tocando. Fechou a porta e esperou em frente a ela que a campainha tocasse novamente. Não tocou. Joana continuou esperando. Parada de pé em frente à porta o cansaço começou a voltar. Ela queria dormir. Dormir e descansar. Dormir e esquecer tudo. Dormir e curtir sua cama. Dormir e renovar a energia para a batalha do dia seguinte, sua batalha. Ela merecia poder dormir. Começou a cochilar em pé, com o rosto encostado na porta. A campainha tocou novamente, agora com um longo toque, como se tivesse sido pressionada e mantida pressionada por um tempo, para só depois ser solta e terminar o toque. Joana abriu novamente a porta sem esperanças. E não havia nada novamente. Ela olhou desanimada para a porta. Saiu ao corredor, olhou ao redor, voltou para dentro do apartamento e deixou a porta aberta. Foi tomar água. Pegou uma garrafa verde de vinho com água na geladeira e um copo de vidro colorido. A campainha tocou de novo. Ela veio segurando a garrafa e o copo ainda vazio ver a porta. Ninguém. Parou em frente à porta, encheu o copo de água. A campainha tocou novamente, com ela em frente à porta, sem ter ninguém.

- Entra de uma vez.

Seu corpo foi arremessado contra a parede violentamente, e copo e garrafa se espatifaram ao seu lado. Um dos cacos de vidro voou até seu rosto e cortou levemente sua boca. A porta se fechou em um baque forte enquanto o apartamento se encheu de um odor de fezes. Sentiu o gosto metálico do sangue em sua boca. Aquele gosto associado ao cheiro das vezes a fez vomitar na hora. Tentou se levantar, mas foi jogada novamente ao chão. Sentiu um peso pressionando todo seu corpo, como se suas costelas fossem se quebrar. Soltou um gemido abafado e de repente o peso desapareceu. Ela estava apavorada. Tentou se levantar novamente e correr até a porta. Mas foi jogada novamente contra a parede entre a sala e seu quarto. Sentiu seu ombro se deslocando. Meio zonza, entrou no quarto e trancou a porta. Sentia muita dor no corpo. A adrenalina não possibilitava que ela percebesse suas feridas corretamente. Só queria sair dali. Sentiu uma pancada forte na porta. Depois outra mais forte ainda. Não conseguia parar de tremer. Sentiu como se algo corresse, com passadas pesadas se aproximando da porta e de repente um grande estrondo contra a porta. A porta começou a ceder, e um pedaço havia se quebrado. Sentiu os passos novamente e começou a rezar um Pai Nosso. O estrondo foi tão forte como o anterior, mas a porta permaneceu firme. O cheiro de fezes se misturou com um cheiro forte de éter. Ela vomitou novamente. Depois continuou rezando, agora uma Ave Maria. O cheiro de éter foi ficando mais forte. Lá fora agora fazia silencio. De repente as passadas crescentes novamente. Mas ao invés do baque na porta um grito forte de dor, um grito descomunal. Joana não podia mais se controlar. Não conseguia mais rezar em função do choro, e da vontade de vomitar por causa do odor de éter que tomava conta do ambiente. Sentia muita dor agora. Havia deslocado o ombro e quebrado três costelas. Seu lábio estava inchado, havia vários hematomas nas costas e nos braços. Sua cabeça doía muito. Tinha batido a cabeça com força na parede nas três vezes que fora arremessada. Foi ficando zonza e desmaiou.

* * *

Ao primeiro toque da campainha seu sono teve somente um leve abalo, mas foi o segundo toque que veio logo em seguida que a retirou de vez do seu estado inconsciente. Levantou-se com um pulo. Olhou ao redor o seu quarto. Havia adormecido deitada toda torta na cama, com uma das pernas para baixo. Seu corpo doía como se tivesse levado um surra. Levantou-se sentido dor de cabeça. Lembrava-se vagamente do sonho. O principal que guardara era de que tinha sido muito ruim. Sentia uma dor forte nas costelas. Deitara-se com parte do corpo para fora da cama e ficara apoiada em cima dela. Não devia ter dormido muito tempo, pois ainda havia a luz do sol, e ela havia chegado em casa às 16 horas. A campainha tocou novamente. Levantou-se e saiu do quarto. Olhou para a sala onde tudo estava em seu lugar. Procurou terminar de acordar antes de abrir a porta. Ao abrir, não encontrou ninguém. – Puta que pariu – pensou. Mas apesar de ficar com raiva de ter tido seu sono interrompido, também se sentia um pouco aliviada por ter terminado aquele sonho horrível, embora ela a cada segundo se esquecesse mais do que havia sonhado, e de ter se levantado daquela posição. Como estava muito cansada poderia ter ficado daquela forma por algumas horas, até ficar seriamente machucada.

Tentou se alongar, mas se espreguiçando do que propriamente se alongando. Foi tomar água. Havia demorado a atender a porta e quem quer que fosse que a procurara havia desistido. Melhor assim! Ela não queria receber ninguém mesmo. Pegou uma garrafa verde, que havia antes sido uma garrafa de vinho, cheia de água gelada, e um copo colorido. Pretendia beber a garrafa inteira, pois estava com sede. A campainha tocou novamente. Agora em um toque demorado, como se quem tocou tivesse apertado a campainha, mas demorado a soltá-la. Enchei o copo com um pouco de água tomou um gole e deixou a garrafa e o copo semi cheio na pia da cozinha e foi abrir a porta.

Ninguém novamente. Colocou só a cabeça para fora da porta e olhou para os lados, mas não viu ninguém no corredor. Tentou lembrar-se do sonho. Sentia que tinha algo com o sonho do qual ela devesse se lembrar, mas não se lembrava. Só alguns flashs desordenados e sem sentido. Sentiu um cheiro estranho no corredor. Era um cheiro fraco, mas era... um cheiro de fezes. Fezes e urina de pacientes diabéticos. Deu duas inspirações curtas, para averiguar melhor o cheiro. Sim, havia aquele cheiro ali. Não era possível. Será que alguém havia cagado no corredor, ou na escada. Ficou com preguiça só de pensar em ir olhar. Mas ela podia sentir com mais nitidez, agora que já decodificara o que era. Só podia ser obra daqueles dois meninos do 302. Eram duas pestes. Ela tinha que reclamar deles com o síndico. Se eles não faziam política de boa vizinhança, ela é que não deveria fazer.

Saiu ao corredor, procurando o cheiro. Ele vinha dos lados do elevador. Foi procurando pela origem do cheiro, mas não conseguiu achar nada. Parecia que o cheiro estava disperso no ar. Pensou que podia estar no elevador, mas não parecia estar mais forte perto dele, nem perto das janelas. Aquele cheiro embrulhava seu estômago. Começando a se sentir mal, e não conseguindo achar a fonte do cheiro. Resolveu voltar para casa. Ao chegar em casa, foi direto ao interfone falar com o porteiro.

- Oi, Alan! É a Joana aqui do 809. Tudo bem?... Pois é Alan, tem um cheiro horrível aqui no corredor, parece que alguém fez cocô aqui...Não, sério, tá com cheiro de cocô mesmo. Cocô e xixi de gente doente.... Uai, vem aqui e comprova você mesmo... Tá, to te esperando. Voltou para a cozinha e tomou o resto do copo de água. Abriu a torneira da pia e inspirou levemente, procurando levar um pouco de água para o interior da narina, para ver se aquilo apagava um pouco do cheiro de fezes que ficara agarrado. A operação melhorara um pouco o mal estar. Encheu outro copo de água gelada, e foi tomando-o lentamente. A campainha tocou. – Ai finalmente, Alan. Tomara que ele tenha encontrado.

Ao abrir a porta não havia ninguém. Colocou a cabeça para fora da porta e olhou para os lados. Ninguém também. Segurando a porta aberta, sem saber porque titubeou um pouco antes de fechá-la, como se algo... Uma lufada de ar com o cheiro das fezes e urina podre entrou pelas suas narinas justamente no momento que inspirara. Ela instintivamente respirou pela boca, mas isso só piorou a situação. Fechou a porta com força, e virou-se já com ânsia de vômito e foi em direção do banheiro, mas não conseguindo segurar vomitou na estante com os livros, e no chão da sala. O cheiro estava impregnado nela. Tirou a roupa com desespero e jogou-as na área de serviço, e correu para o banheiro para tomar banho. Ligou o chuveiro no máximo, e desceu a água gelada, naquela tarde quase tão gelada. O frio a fazia tremer, e retirava sua força vital. Mas ela resistiu enquanto se ensaboava, e passava o sabão na língua e dentro do nariz. Isso gerou ainda mais mal estar e a dor de suas mucosas internas sendo queimadas pela solução cáustica. Mas aliviava o cheiro. Tentou limpar o gosto do vômito também da garganta, gargarejando um pouco da água. Saiu do banho gelado tremendo de frio, com as articulações duras e com a cabeça doendo. Pegou o tubo de pasta de dente e despejou um farta quantia na boca, e pegou encheu a mão de água e colocou na boca para bochechar. Saiu do banheiro com a boca cheia da pasta de dente dissolvida e procurou uma roupa quente. Vestiu um conjunto de moletom e um par de meias grossas enquanto tremia e bochechava a pasta de dentes. Voltou para o banheiro, bochechou aquele caldo de pasta de dente e cuspiu na pia. Escovou todas as partes da boca, dos dentes ao céu da boca, a parte de cima e debaixo da língua, a parte interna das bochechas e as amídalas. Cuspiu tudo. Sentia-se fraca e suava frio. Foi deitar na sua cama. Sua pressão parecia que estava baixa e ela entre um adormecer e um desmaio, ficou inconsciente.

Acordou sentindo que estava sendo sufocada. Tentou levantar-se da cama completamente zonza e com a vista atrapalhada. Havia dormido com o rosto para cima e vomitado. O Vômito entrara em suas narinas e voltava pela sua garganta, e ela não conseguia respirar. Tossiu forte, expelindo parte do vômito que estava em seus pulmões. Vomitou de novo agora tudo em cima da cama. Assoou fortemente o nariz para retirar o vômito de sua faringe, depois puxou o catarro com o resto do vômito para desobstruir o resto. Levantou-se de novo e foi ao banheiro. Estava muito fraca. Lavou a boca, o nariz e procurou gargarejar um pouco de água para limpar a garganta. Passou água no rosto sujo, e lavou-o com sabão. Estava se sentido muito mal. Com muito esforço foi até interfone e chamou na portaria.

- Alan! É Joana.

- Oi Joana, fui ai e toquei a campainha até, mas você não abriu. Ai pensei que você estava dormindo e desci.

- Alan, eu estou passando muito mal. Tem jeito de você vir aqui, por favor, me ajudar.

- Claro, espera ai que estou subindo.

Joana desligou o interfone e sentou-se abaixo dele, no batente da porta entre a cozinha e a sala. Tentava concentrar-se na respiração para se manter acordada. Estava muito fraca. E cansada. E sentia um mal estar generalizado, com dores por todo o corpo. Ficou assim por um tempo que não conseguia se lembrar, em estado semi consciente. Despertou-se com o tocar da campainha. Era o Alan, finalmente. Levantou-se com muito esforço, e foi até a porta. Abriu e não havia ninguém. Fechou a porta e sentou-se à sua frente começando a chorar. A campainha começou a tocar com toques longos, e repetidos. Ela se sentia fraca e cansada, como se houvesse uma tonelada sobre suas costas. Suava frio e sentia-se cada vez mais cansada. Foi dobrando-se com o peso sobre suas costas e deitou-se em posição fetal, chorando e pedindo a Deus para que aquilo parasse e que ela pudesse descansar. Sentia que ia desmaiar de cansaço, enquanto a campainha continuava a tocar com toques lentos e seqüenciais. Sentiu novamente um leve cheiro de éter logo antes de desmaiar.

* * *

Acordou sentindo um gosto horrível na boca. Estava deitada em sua cama. Ainda era dia, então ela deveria ter dormido pouco. Havia uma mancha amarelada em seu travesseiro. Ela babara dormindo. Sentia o corpo terrivelmente dolorido, e um cansaço fora do comum. Era natural, ela acabara de dar um plantão de vinte e quatro horas no hospital. Foi até o banheiro. Bochechou um pouco de água com pasta de dente, gargarejou e cuspiu. Gargarejou um pouco de água novamente para tirar o gosto da pasta de dentes. Foi até a cozinha e encheu pegou uma garrafa verde, que havia antes sido de vinho, cheia de água gelada, encheu um copo colorido com metade de água gelada e a outra metade de água em temperatura natural, do filtro anexo à torneira da pia da cozinha. Tomou a água, mas a sensação de secura na garganta não passou. Dormira de boca aberta, e isso havia ressecado sua língua e sua garganta. Colocou mais um pouco de água no copo e encheu a boca, mas esperou um pouco com a água na boca, engolindo pequenos goles bem devagar.

A campainha tocou.

Ela foi até a porta e perguntou antes de abrir. – Quem é? – Ninguém respondeu. Perguntou de novo. Sem resposta também. “Deve ser essas pragas desses meninos do 302. Ela tinha que lembra de reclamar com a mãe deles. Lembrou-se de sua mãe, e de quanto tempo não falava com ela. A rotina no hospital e na residência a absorvia totalmente, e ela vinha esquecendo de conversar com sua família. A campainha tocou de novo.

- Quem é?

Nenhuma resposta novamente. Joana foi até o interfone e chamou à portaria.

- Alan... Tudo bem? É a Joana. Aqui, tem uns meninos tocando a campainha aqui e correndo... Pois é, não vi quem era não mas acho que são eles mesmo... É, pois é... Alan, não tem jeito de você vir aqui olhar isso não? Estou morta de cansaço. Acabei de chegar de um plantão de vinte e quatro horas seguidas no hospital e estou morta... Pois é, tem jeito de você subir aqui... Está bom, vou esperar. Tchau.

Desligou o interfone e foi direto para o telefone. Ligou para a mãe, mas o telefone estava desligado. Desligou antes que caísse na secretária eletrônica. Esperaria até depois das sete para poder ligar de novo. Provavelmente a mãe estaria saindo do trabalho ou no transito. Titubeou um pouco, mas criou coragem e ligou para o pai. Fazia umas duas semanas que não conversava com ele. O celular também estava fora de área.

A campainha tocou novamente. Ela parou em frente da porta, mas sem abri-la.

- Alan? É você. – Não obteve resposta nenhuma.

- Aqui meu filho, eu vou falar com sua mãe tá. Vou interfonar para ela agora aqui. Pode parar de ficar tocando a campainha da casa dos outros. Foi até o interfone e interfonou para a portaria novamente. Mas ninguém atendia. Pesou se não era o porteiro que estaria lá fora e não a escutara. Foi à porta novamente.

- Alan. Alan!!! É você que está ai fora!!! – Não houve nenhuma resposta. Abriu a porta pela metade e olhou para fora. Não havia ninguém no corredor. Fechou a porta e escutou um som de passos pesados correndo em sua direção até se chocarem ruidosamente contra a porta. A campainha começou a tocar alucinadamente, enquanto fortes batidas eram desferidas contra a porta. A porta oscilava, dando a impressão de que iria se quebrar. Joana recuou aterrorizada, correu para o interfone, mas só tocava e ninguém atendia. Pegou seu celular para ligar para a polícia. Uma voz tranqüila no celular dizia que aquele número não estava autorizado a realizar ligações. As batidas na porta eram cada vez mais fortes. Antes pareciam murros, mas agora parecia que alguém jogava o corpo contra a porta, que cada vez parecia mais que ia ceder. A cada batida Joana dava um pequeno grito de pavor, estava chorando compulsivamente e tremia de medo. Seu corpo escorria um suor frio e pegajoso. Foi à cozinha pegar uma faca, mas viu a garrafa de água e a pegou e instintivamente a jogou contra a porta, em direção às pancadas. A garrafa espatifou em vários cacos de vidro de tamanhos variados, e a água molhou toda a entrada. As batidas pararam. Um cheiro podre começou a vir de fora por debaixo da porta. Um cheiro de fezes e urina, como à dos pacientes doentes que ela abria, com o aparelho digestivo infeccionado. Era o cheiro do apodrecimento em vida; da morte com morada já estabelecido no corpo ainda, mas por pouco tempo, vivo; era o cheiro da certeza de que não havia mais esperança. Aquele cheiro penetrou pelas narinas de Joana como se fosse um ácido, que corroeu suas forças e sua vontade de lutar. Ela se contorceu de náusea e vomitou no chão da cozinha. Tentou aprumar o corpo e pegou o interfone novamente, mas esse continuava só chamando. Da porta não vinha nenhum barulho mais, e o cheiro já enfraquecia. Ela continuava tremendo de medo, mas instintivamente, parou de chorar o procurou prestar atenção ao ambiente, para ver se algo indicava se o que havia atacado sua porta já havia ido embora. O silencio era total. Olhou para fora do apartamento. Ainda era dia. Pensou em gritar pedindo ajuda. Mas das suas janelas ela tinha o fundo do pátio de um colégio. Eram férias, ninguém a escutaria. Atrás do colégio, a parte de traz de um galpão que ela sabia ser uma churrascaria, e depois, uma avenida movimentada. Ninguém escutaria se ela gritasse. Ela sempre sentia-se feliz por ser só um ponto na multidão quando fora para São Paulo. Agora não sentia tanto isso. A porta continuava em silêncio. Ela arriscou ir até perto dela para ver. Tudo tranqüilo. Foi chegando devagar até colocar o ouvido na porta. Não escutava barulho nenhum. De repente uma batida com toda força na porta a jogou para trás. Ela caiu para traz e bateu a cabeça no chão. Tentou levantar, mas sentiu a vista se embaçando e escurecendo lentamente. Pode ver que a porta parecia haver sido arrombada. Algo ou alguém parecia que estava em frente a porta e ia entrar.

* * *

Acordou com uma tremenda dor de cabeça. Ela devia ter cochilado pouco, pois ainda era de dia. Sentia-se mal. Pensou em ir tomar água, mas seu estômago se contorceu em náusea. Desistiu, pois sabia que se bebesse água ia vomitar. Levantou-se da cama meio zonza. Sentia o corpo pesado e suava frio. Foi até o interfone e chamou na portaria. Ninguém atendia. Voltou para a cama. Sentia-se mal. Devia estar gripada, com uma gripe muito forte. Mediu com a palma da mão a própria temperatura. Estava meio fria. Nada de febre. Provavelmente sua pressão caíra. Resolveu descer para a portaria. Estava se sentindo muito mal e sabia que não deveria ficar sozinha. Quando ia abrir a porta, a campainha tocou.

- Quem é? – Não houve resposta. Abriu um pouco a porta e olhou lá fora, não havia ninguém. Abriu a porta toda então e colocou o corpo para fora da porta. Ia pensar em alguma coisa sobre a campainha ter tocado e não haver ninguém mais desistiu. Foi até o elevador e o chamou. Esperou um pouco, mas nada do elevador aparecer. Olhou para o mostrador e viu que ao que parecia o elevador estava estragado. Aquilo lhe deu um desânimo terrível. Voltou para casa na expectativa de conseguir falar na portaria. O interfone tocou várias vezes, mas ninguém atendia. Ela se sentia cada vez mais mal. Seu corpo estava fraco e tinha um cheiro estranho. Parecia que seu suor estava com cheiro de éter. Encheu a mão de água do filtro da torneira e tomou um pouco daquela água meio quente. Seu estômago não reclamou. Ela foi então para o quarto e deitou. Queria dormir mais que tudo em sua vida. Dormir e descansar, e melhorar daquele mal estar. Fechou os olhos para tentar dormir. De repente, a campainha tocou...

Sanyo
Enviado por Sanyo em 19/12/2012
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