Os monstros e a mulher de sorte

Aviso: Não tem espíritos malignos, fantasmas arrastando correntes ou serial killers...

Estou sentada aqui nesse balanço capenga, sozinha, esperando...

O dia está quente, de tempo em tempo bate um ventinho morno, trazendo junto o aroma das cozinhas alheias... Gosta quando almoçamos juntos, você calado e eu falando pelos cotovelos, ansiosa, torcendo que goste da minha comida...

Está demorando hoje...não temos telefone em casa e o celular fica com você... Não falo com os vizinhos, você não gosta, diz que são um bando de fofoqueiros.

Empurro com os pés o balanço e fico escutando o nhec nhec da corrente fazendo atrito. Olho distraída para a nossa casa e penso que precisamos fazer uma reforma, precisamos de um sofá novo também...queria uma televisão, mas nem ouso mencionar. Já me dá tanto, e eu não sei fazer nada de útil.

Todos me dizem que caiu do céu, um homem tão bom que aceitou casar comigo na igreja, sabendo quem eu sou.

Uma pecadora, uma puta que envergonhou a família.

Era o meu primeiro sutiã, todo cor-de-rosa, estava querendo me exibir, mostrar que já era moça...Ele era nosso vizinho, pai da minha colega de classe. Me chamou para comemorar o fato, tomar guaraná com alguma coisa...não quero mais me lembrar do resto...não contei para ninguém. Mas minha barriga cresceu...Saí da escola, fui proibida de ir à rua. Apanhei do meu pai. E apanhei mais porque eu era um demônio que o tentava. Não resistia e me batia mais e mais. Somente agora, casada, minha mãe apagou aquele olhar de culpa e desprezo.

Olho novamente para o relógio...talvez tenha parado para me comprar um presente. Sempre me traz presentes. Eu gostaria de sair e comprarmos juntos, mas me quer cuidando do nosso lar. Diz que sabe o que é melhor para mim e lá fora as pessoas tem más intenções...e sem dizer, me envergonho dos meu erros.

Uma vez manifestei minha vontade de completar os estudos, pelo menos o fundamental, me disse que não via nenhuma serventia para cuidar de marido e de casa. Contou até para os meus pais quando vieram nos visitar. Meu pai quase me bateu, disse que cuspo no prato que como. Minha mãe sombreou o olhar... Não toco mais nesses assuntos.

Às vezes tenho vontade de saber sobre aquele anjinho que pari...mas não tenho coragem de perguntar.

Um dia terei nossos filhos, não agora, me quer só para ele. Muitas vezes é rude, me machuca e dói muito, mas não tenho o direito de recusar, é meu dever, é meu marido.

E coisa de marido e mulher ninguém mete a colher.

O vejo virando a esquina, com um pacote colorido, deve ser um presentinho...Vou arrumar a mesa. Me arrumar, ficar bonita.

Todos me dizem que sou uma mulher de sorte...

lilla wood
Enviado por lilla wood em 19/12/2012
Código do texto: T4043979
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