VÉSPERA DE NATAL

Acordei cedo naquela manhã, era véspera de natal, havia dormido mal, creio que pela ansiedade da viagem. Sentia vontade de levantar logo para agilizar o que faltava para a viagem. As malas estavam prontas, faltavam poucos detalhes, como pegar a escova de dentes, o sabonete e não esquecer de levar toalha, pois sempre que viajo gosto de levar minhas próprias toalhas. Naquela manha eu e meu marido Roberto iríamos viajar, para Bariloche, na Argentina.

Eu iria realizar um sonho de criança, passar um Natal em um lugar vendo a neve cair. Já vi esta cena em filmes e me fascinava.

- Roberto, acorde querido, vamos perder o voo. - falei dando tapinhas nas pernas dele.

- Ah! que horas são?

- São 07:00 horas. O voo sai as 08:30.

Roberto espreguiçou, bocejou e deu um pulo da cama. Em poucos minutos estava pronto para sair.

O dia estava nublado, triste, parecia que ia chover. Antes de sair, ouvimos no noticiário que as estradas estavam perigosas, caindo barreiras, atrapalhando o transito. O locutor aconselhava as pessoas a não saírem de casa, para evitar um caos maior nas estradas.

Não demos atenção a notícia, pois as passagens estavam compradas, e eu não queria adiar mais o meu sonho. Pensei - logo estaremos no aeroporto.

O táxi chegou, então embarcamos e seguimos rumo ao aeroporto. O motorista fez alguns comentários sobre o clima e perguntou:

- Desculpe-me a pergunta, mas vocês vão viajar com este tempo?

- Sim vamos. - respondi.

- A meteorologia está anunciando tempo ruim, tem certeza que o avião vai levantar voo?

- creio que sim. respondi - eu estava tão empolgada com aquela viagem que não queria saber do clima, eu só queria viajar e chegar ao meu destino. Imagina se eu iria adiar um sonho tão esperado.

Finalmente chegamos ao aeroporto, não aguentava mais aquele motorista agourando minha viagem. Encaminhamos-nos ao balcão para fazer chekin. Tudo certo entramos em direção ao embarque. Até o momento indicava que o avião levantaria voo.

Entramos no avião, minha poltrona ficava na janela, dava para ver toda a paisagem lá fora. Em poucos minutos a porta se fechou, e o avião andou na pista para tomar o impulso para decolagem. O avião estava cheio, as pessoas conversavam descontraidamente.

Já estava no ar, voando acima das nuvens, eu ficava a observar aquelas nuvens. O avião prosseguiu viagem. Em pouco tempo fiquei entediada, por não ter nada diferente para ver e adormeci.

Devo ter dormido muito, porque quando acordei estava deitada na neve, eu e todos os passageiros. Mas como? Por que Estávamos ali? O que aconteceu? Que lugar era aquele? Por que não me lembro de nada? Procurei Roberto entre os passageiros, e o encontrei afastado, deitado em um cantinho na neve. Corri até ele, ele estava desacordado, ajudei-o, depois fiz diversas indagações, as quais ele também não soube me responder.

Levantamos e saímos a caminhar, havia muita gente desacordada no chão, procuramos o Piloto e as Aeromoças, para obter alguma informação, mas não os encontramos. Continuamos andando e alguns passageiros também tiveram a mesma ideia. Caminhamos por horas, tendo como paisagem apenas a neve e alguns pinheiros. Enquanto caminhávamos observei que ao longo do caminho havia sempre uma carcaça, vezes de animal, vezes humana. Era assustador, por que aqueles esqueletos estavam ali? Quem fez aquilo? Era algum tipo de ritual macabro?

Após uma longa caminhada, já estávamos com fome, sede e cansaço. Andamos mais um pouco e tínhamos a sensação de estarmos sendo observados.

Finalmente encontramos um homem no caminho com sua caminhonete velha, fizemos sinal para ele parar e perguntamos:

- Senhor, há algum hotel que possamos nos hospedar?

- Há um logo ali. - respondeu o Senhor. Estou indo para lá se quiser posso levá-los.

- Mas somos em grande número não caberemos todos no carro. - falei.

- Ora, não há problema, levo um pouco e dou várias viagens, é só me esperarem aqui.

Exaustos de tanto caminhar concordamos sem pestanejar.

Eu e o Roberto fomos os primeiros, de cada vez o homem levava quatro pessoas, as vezes cabiam até cinco, dependendo do peso.

Percorremos alguns minutos naquele carro e logo avistamos uma casa simples porém grande de dois andares, com diversas janelas. Chegamos ao tal Hotel, na fachada o nome do Hotel em letras grandes, " Hotel a última morada ". - ao ler aquele nome senti um arrepio na espinha. Como não tínhamos outra solução o jeito era ficar ali alguns dias até encontrar uma solução, pois ainda assim era melhor do que congelar na neve.

O Homem nos deixou ali e voltou para buscar os outros.

Entramos no Hotel, a sala da recepção era grande, com um balcão, uns sofás gastos pelo tempo, no canto uma lareira aquecia o ambiente timidamente. Um velho tapete estirado no centro da sala, uma mesinha de centro com algumas revistas, amareladas pelo tempo. As cortinas, muito velhas, não dando nem para definir ao certo sua cor. Estava assim a observar o ambiente, quando surge um homem, vindo do outro cômodo, ele era alto magro, de pele clara, cabelos meio grisalhos e puxava de uma perna, nas costas carregava uma corcunda, era uma visão tenebrosa, parecia o inferno na terra.

Fizemos as fichas e recebemos a chave do quarto, eles ficavam no segundo andar da casa. Subimos para o quarto 666. Ao abris a porta notamos que a porta não oferecia boa segurança, bastava um ponta pé que ela se abriria. Mais fazer o que, não tínhamos nada melhor, entramos e caímos na cama, dormimos até o anoitecer, quando fomos acordados com três batidas na porta. Roberto foi atender:

- Boa noite. - disse um homem estranho, que parecia um monstro, pois seu corpo era todo deformado, os braços não tinham o mesmo tamanho, as pernas também não, sua cabeça era desproporcional ao resto do corpo, os olhos um era grande e bem aberto, enquanto o outro era miúdo e fechado.

- Boa noite. - respondi.

- Vim avisar que a ceia de natal será servida a meia noite.

- Não sabia que haveria ceia?

- Sim, haverá, não se atrasem.

Nos arrumamos e observei pela janela que nevava, então fiquei feliz, pois de qualquer maneira, eu passaria uma natal vendo a neve cair pela janela. Pouco antes da meia noite, descemos para a ceia.

O grupo que se hospedou no Hotel era em número de trinta.

Ao chegar a sala de jantar, observei que havia um bom número de hospedes, no canto uma lareira aquecia o ambiente, da janela observei a neve caindo, eu estava realizando o meu sonho de infância.

A mesa central estava repleta de alimentos, enchia os olhos. Ao entorno diversas mesas pequenas. Todos se serviam, os alimentos estavam deliciosos. Havia uma espécie de carne assada, deliciosa, de lamber os dedos. Nunca comi tanto em minha vida, e conforme observei todos estavam com muita fome também, pois comeram tudo e não sobrou nada.

Ao término da ceia, passamos a sobremesa, havia uma variedade de doces. Comemos depois passamos a sala de estar, sentei-me próxima a lareira, e fiquei vendo a neve cair, era uma sensação maravilhosa.

Estava tão encantada com a paisagem que não senti falta de ninguém, Roberto ao contrário de mim. Ele levantou foi a recepção e fez uma indagações ao recepcionista:

- Senhor, todos os hóspedes desceram para a ceia?

- Sim, aqui estavam todos.

Roberto estranhou, e dirigiu-se ao motorista e perguntou:

- Senhor, todas as pessoas que estavam conosco lá na neve, foram hospedados?

- Sim, todos eles se hospedaram.

Roberto voltou e sentou ao meu lado e falou:

- Querida, você reparou que havia na ceia menos pessoas do que as que vieram para cá conosco?

- Querido, alguns devem ter ficado nos quartos.

- Não querida, eu perguntei ao recepcionista.

- Talvez não tenham se hospedado.

- Não meu amor, já perguntei ao motorista, ele confirmou que trouxe todos e eles se hospedaram.

- Então há alguma coisa errada aqui.

Roberto resolveu averiguar, e durante a noite enquanto todos dormiam, ele foi vasculhar todo o Hotel. Observou que havia uma porta que seguia para um porão. Ele tentou abrir a porta, mas ela estava trancada. Roberto decidiu vigiar aquela porta. Escondeu-se e ficou ali de vigia. De vez em quando ele cochilava e a cabeça tombava para o lado, quando ele acordava e voltava a vigiar.

De repente as três horas, Roberto ouviu um barulho vindo do corredor, encolheu-se no canto e ficou esperando, quando avistou o homem monstro vinha puxando da perna e arrastava um corpo, ao passar por Roberto, ele observou que o corpo estava esfaqueado no peito. O monstro abriu a porta do porão e entro com certa dificuldade, puxando o corpo.

Roberto aproveitou, e esperou o monstro entrar e dirigiu-se a porta, verificando que estava aberta, ele entrou. Sentiu um odor muito forte de carniça. Desceu as escadas, pé ante pé, tomando cuidado para não ser visto. Lá embaixo havia uma iluminação fraca. Ele chegou embaixo, era um porão grande, na extensão de toda a casa. Observou que havia um frigorifico, corpos pendurados, alguns ainda sangrando, fresco.

Roberto escondeu-se no porão e de longe via o monstro, que esquartejava os corpos, acondicionando os em geladeiras. Verificou que entre eles havia pessoas conhecidas do voo. Havia também um aquários com água borbulhando e dentro havia uma espécie de monstro, com deformidades horríveis. Parecia um ser formado com diferentes partes de outros corpos.

Roberto pegou o telefone para ligar para a polícia, mas deixou-o cair, chamando atenção do monstro, que saiu a procura do barulho. Roberto encolheu-se todo em um cantinho, mas o monstro o encontrou. Quando ele se deu conta já estava amarrado e pendurado de cabeça pra baixo.

O monstro saiu do porão, trancando a porta.

Fiquei a noite toda em claro, aguardando o Roberto, como ele não apareceu, comecei a perguntar aos funcionários do hotel, mas ninguém o tinha visto.

Naquele dia, passei todo o dia conversando com os outros hóspedes do Hotel, informei-os das minhas desconfianças e do sumiço do meu marido. Consegui formar um grupo de oito hóspedes, que se propuseram a ajudar-me a encontrar o Roberto.

Na hora do almoço, observei os pratos de assados a mesa, sem apetite, não comi nada. Minha preocupação era encontrar o meu marido. Observei que na hora do almoço havia menas pessoas, a cada refeição iam diminuindo os hospedes.

Naquela noite combinei com mais dois passageiros, e quando todos adormecessem, iriamos procurar o Roberto. E assim fizemos, quando percebemos que todos dormiam saímos vasculhando cada canto do Hotel, tínhamos a sensação de estarmos sendo observado.

Quando chegamos a uma porta que dava para um porão, girei a maçaneta e estava aberta, entramos devagar, havia uma escada, acendemos a luz e descemos devagarinho, sem fazer barulho.

O porão sombrio e frio, lembrava um filme de terror, o cheiro que exalava parecia de carniça.

Vasculhamos todo o porão, havia enormes frigoríficos, algumas mesas de alumínio, um aquário com um ser monstruoso dentro, andando mais para o fundo vi o Roberto amarrado e pendurado de cabeça para baixo.

Corremos para soltá-lo, ele estava desacordado, conseguimos soltá-lo e levamos o até o quarto. Acordei-o e ele nos relatou todo o ocorrido. Ficamos morrendo de medo daquele lugar e pensamos em ir embora no dia seguinte, mas como, com aquela neve.

De certo que o motorista também é conivente.

Bem, empurrei um móvel para reforçar a porta e no dia seguinte pensaríamos melhor o que fazer. Os outros hóspedes foram para seus quartos e no dia seguinte planejaríamos tudo.

A cada dia os hóspedes desapareciam no Hotel.

Naquele dia começamos a pensar uma saída dali. Pensamos em pegar a chave do carro do motorista para tentar fugir. Começamos a seguir o motorista por toda a casa. Certa hora ele estava sentado em uma mesa na cozinha, e deixou a chave em cima de um móvel. Fui a cozinha e pedi água a cozinheira, enquanto ela foi pegar dei um jeito de pegar a chave, depois bebi a água para disfarçar e sai da cozinha.

Fui ao quarto e chamei o Roberto e os outros dois hóspedes que me ajudou. Esperamos uma hora que estivesse tudo calmo no Hotel e descemos, a recepcionista não estava na recepção, o motorista continuou na cozinha. Pé ante pé saímos daquele Hotel. Corremos até o carro, ligamos-o e arrancamos com o carro dali. Aquela altura eram poucos os sobreviventes no Hotel.

Conseguimos chegar a civilização, procuramos a polícia e contamos tudo, mas a polícia não nos ouviu, como se nós não estivéssemos ali. Não falavam conosco, por mais que tentássemos, eles não queriam saber de nada.

Saímos dali frustrados, como pedir ajuda? Quem poeríamos procurar? Tentamos falar com um guarda na rua, mas ele também não nos deu atenção.

Desolados saímos andando pela cidade, paramos em frente a uma Loja de eletrodomésticos, havia várias TVs, ligadas e passava a notícia de um avião que caiu. Vimos também nossa foto e a dos passageiros e tripulantes na TV.

O que custou a minha noite de natal, vendo a neve cair.