O Anjo Caído (1ª Temp.)-3
3. Topando com Belzebu, o príncipe das trevas.
O ritmo de nossa corrida mantinha-se veloz o suficiente para que nossos pés não tocassem o solo juncado de folhas secas de outono. Nossas narinas iam dilatadas, farejando no ar o cheiro de anjo próximo. A trilha colorida acima de nossas cabeças ainda era mantida, mas aos poucos ela ia se dissolvendo no negrume da noite. Corríamos feito duas verdadeiras lobas famintas em busca de sua presa.
Porém, aquilo estava me cansando. Aquele corpo obeso que era minha morada, sem quaisquer dúvidas, não fora feito para corrida. Perdia o fôlego rápido. E além de que, aquele excesso de gordura me deixava muito mais lenta.
Ao contrário de mim, minha colega permanecia inalterável. Os cabelos lhe flutuando docemente e um sorriso irônico a lhe estampar a face.
Daria minha alma (se tivesse uma) para saber o que se passava naquela cabeça...
***
Rúbia está muito enganada se acha que dividirei a glória da captura do anjo. Há! Como ela é tola. A glória pertencerá somente a mim. Penso as vezes que ela até muito burra pra ser um demônio. A idiota acreditara tudo em que eu falara. No pacto...
Pacto esse que pode ser facilmente quebrado... Basta que uma de nós seja morta. Como assim morta? Demônios como qualquer coisa neste universo morrem. Deixam de existir, viram sei lá o que. Para isso é necessário uma espada de arcanjo. Uma daquelas espadas de quase um metro e meio feitas de prata, ouro e bronze celeste, que se furar o peito de um demônio, o mataria.
Houve casos, lá na grande guerra quando Lúcifer caíra e vários anjos o acompanharam (que se tornaram demônios imediatamente, assim que suas asas deixaram o reino do céu) tiveram cicatrizes profundas, provocadas pelas laminas dos arcanjos.
O plano que tinha em mente seria muito, muito mais muito genial para me livrar desta idiota. Pensava nisso quando meu corpo, de repente, cai no chão como um bloco de cimento. Tento mover meus olhos na direção de Rúbia.
Ela também caíra.
Olho a minha frente. Olho pras botas gigantes de couro negro... Não, não podia ser ele... Tento dar um grito de fúria, mas ele volta-se e se cala...
***
--Olá, garotas? –-cumprimenta-nos, um cara alto de pelo menos dois metros de altura, braços grandes e musculosos com um cabelo roxo no mais claro estilo punk de ser.
Então, fora ele. Por isso que não consigo mover meus músculos que estão todos retesados, paralisados. O mero ato de se levantar tornara-se algo impossível de se realizar. Minha coluna, aparentemente, estava lesionada. Algo fazia pressão sobre ela e sobre o resto de meu corpo.
Tudo fora muito rápido e inesperado.
De chofre, eu e Rubie estávamos de cara no chão comendo folhas.
--Vejo que eu não fora o único a vir atrás do anjo... Aliás, vocês sabem onde ele está?—interroga-nos Belzebu o príncipe do inferno. Ele ocupava a cadeira direita, perto de Lúcifer, na hierarquia bestial. Era um dos mais poderosos lá embaixo.
Nossos corpos subitamente elevam-se do solo. Flutuam feito duas marionetes descoordenadas. Íamos à direção das tenazes mãos do príncipe das trevas que prontamente nos agarra pelo pescoço como uma mãe agarra ao seu filho pelas orelhas quando este faz má criação.
--Vamos digam... Se não quiserem voltar ao inferno... —ameaçara ele fechando aos poucos os dedos em nossos pescoços.
Droga!Não podíamos dizer a verdade. Todavia, não queria voltar nem tão cedo ao inferno. Olho pra Rubie como se naqueles olhos estivessem inscritos a respostas de como eu deveria agir...
***
Merda!Agora mais essa!Belzebu tinha que sair das profundezas pra atrapalhar meus planos justo agora?!. Maldição!Tinha que pensar rápido.
--Tá, tá... Nós te levamos até o anjo... Mas nos largue, você está nos sufocando... —digo já com ar rareando em meus pulmões. Ele nos larga no chão. Nossos movimentos retornam olho pra Rúbia.
--Então, diga onde ele está ou...
Não havia alternativa. Ou eu contava ou voltava imediatamente ao inferno. Suspiro e conto.
***
Vou retomando aos poucos a minha consciência.
Minha cabeça doía como se a tivessem-na martelado diversas vezes. Olho o meu redor, tentando localizar-me. Onde estaria?
O lugar tinha: um cheiro forte e denso de madeira mofada que me dava vontade de vomitar; uma atmosfera pesada e escura que existia por não haver janelas.
A única coisa que iluminava aquele grande espaço era a tênue chama dum pequeno lampião que estava no meio deste.
Tento me levantar.
Pego da concha reluzente (não sei o porquê fiz isso, mas era como se ela me chamasse). E tento seguir caminho com lampião qual segurava a minha frente para iluminar meus passos.
Demoro um pouco até encontrar a grande e quadrada porta de madeira.
Sorrio. A porta estava sem trancas!
Empurro a porta com todas minhas forças. Já podia ver o dia raiando lá fora no horizonte, estava prestes a dar um passo para liberdade quando...
Quando algo me puxa pelas minhas costas como se nelas houvessem perfurado dois anzóis. Droga!
--Aonde você pensa que vai?—diz-me Miguel, o meu suposto pai. Ele tinha suas mãos fortes em cima de meus ombros. Sentia-me como um camundongo com o rabo preso na pata dum gato. O olho. Cara, não conseguia acreditar completamente em nada no que ele falara. Tudo não passava duma balela alucinante.
Todavia, alguma coisa lá no fundo de meu coração, bem lá num recanto escondido, apontava uma possibilidade de aquilo tudo ser verdade. Mas se fosse mesmo verdade, por que eu não conseguia me lembrar de nada?
--Miguel... me conte a verdade...—peço aquele homem de olhos azuis ,puros que não tinha margens pra mentira.
Ele solta um profundo suspiro e então diz:
--Está bem te contarei tudo, mas peço-lhe o seu perdão antes meu filho...
A finérrima luz da lamparina bruxuleava de lá pra cá. Aquela luz me era inútil agora, pois emanava de Miguel uma luz branca e calma, que lhe era natural.
Mas por que eu tinha que perdoá-lo? Não me lembro de nada do que me tenha acontecido. Será que fora algo grave? Será, será, será... Mesmo que ele houvesse tentado me matar, não conseguiria me lembrar. Respiro fundo e digo:
--Sim... te perdôo ... Agora me conte tudo que acontecera... Por favor...
--Tudo começou quando...
Nesse momento uma forte luz branca invade aquele galpão cegando-me. Miguel como se eu fosse uma bola de beisebol me atira longe. Sinto a cabeça bater em algo duro e eu não vejo mais nada.
Mas senti a partir daquele momento, que algo me aconteceria.
***
--Rubie... Você ficou louca cara?—pergunto eu jogada no chão. Meu pescoço ainda doía muito o esfregava tentando amenizar o dolorido do apertão.
A minha resposta fora apenas risadas. Tinha duas teses para aquilo:
a) Aquela tentativa de enforcamento obstruíra a passagem de oxigênio, deixando-a com o cérebro descompensado.
b) Ela ficara tão traumatizada com toda aquela situação que agora estava ali jogada no chão rindo feito uma hiena louca.
--Ai, Rúbia, como você é ingênua... Você achou mesmo que eu entregaria o jogo assim, tão fácil? Querida, você não conhece aquele velho dilema: nunca acredite num demônio?
--O que você fez?—pergunto curiosa.
--Simplesmente, indiquei o caminho errado. Fi-lo acreditar que o caminho que neste exato momento que Belzebu percorre seja o correto.
--Cara, isso não fora muito arriscado...
--Mas lógico que é arriscado. Belzebu é o príncipe das trevas... E é por isso que devemos nos apressar. O dia está quase nascendo... Vamos querida o que você está esperando?Temos de correr, se quisermos pegar aquele anjo... —disse ela levantando-se do chão juncado de folhas.
Então, isso significava que ela indicara o momento a certo ponto, omitindo certa parte que levaria o príncipe das trevas a um lugar totalmente errado. Deveras, Rubie me surpreende cada vez mais.
Sorrimos uma pra outra. E recomeçamos a corrida ao anjo.
Se Belzebu descobrisse estaríamos mortas.
CONTINUA...