Quando os mortos caminham - Capitulo II – O Vidente Amaldiçoado

“A vida é assim mesmo, uma verdadeira droga, e o pior é que a morte parece ter aprendido com ela”

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Os malditos estão rugindo lá fora, tão vivos como a morte quis que eles continuassem. Seus corpos parecem apodrecer cada vez mais rápidos, é como se estivessem amaldiçoados.

Amaldiçoado? É, isso me lembra alguém.

Sinto minhas mãos frias, é tão estranho estar aqui. Lugar aterrorizante e ao mesmo tempo tão reconfortante. Aiai, Pedro certamente iria gostar daqui. Aquele vidente amaldiçoado. O conheci no meio disso tudo. Bem no meio dessa merda! Aliás, acreditem em mim, vocês vão adorar dele.

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Quando os mortos caminham Capitulo II – O vidente amaldiçoado

Ele me disse que quando viu o caos instalado na cidade, era tarde demais.

Sirenes, fumaça, bombeiros apagando incêndios por toda parte. A cada segundo que se passava a comunicação era parcialmente cortada. Estávamos sendo isolados do resto do mundo, sem saber o que se passava lá fora.

Um pouco antes ele estava sentado em sua cadeira, usando aquela capa vermelha ridícula que vestia sempre. O Capuz escondendo seu cabelo cheio de gel. Ele era alto, magro, bonito para um homem é claro, mas principalmente era um baita de um trambiqueiro.

Sua assistente, Jandira, estava à porta, na verdade apenas um vão que era separado por uma cortina que quando alguém passava por ela proferia o som parecido ao de um chocalho de cascavel anunciando uma emboscada.

- Entre Simone – Ele disse.

- Como sabe meu nome? – Ela perguntou assustada.

As mãos dele deslizaram por sobre a bola de cristal por sobre a mesa e ele lançou um olhar faiscante para a jovem que ali estava.

- Eu sou um vidente. Não é isso que procura? – Respondeu com uma voz forçosamente falsa, mas ela pouco ligava para aquilo. Estava hipnotizada com os olhos esverdeados de Pedro. Era difícil lembrar até mesmo no porque de estar ali – E o que você deseja, mocinha?

- Você não sabe? – Ela perguntou curiosa e um tanto desafiadora.

Jandira que estava parada a porta, atrás de Simone, lançou um olhar de desdém para ele e fez sinal com os ombros revelando que ela não havia dito nada.

Pedro sorriu, olhou para ela e então disse:

- Claro que sei, mas se lhe pergunto é por que necessito estabelecer uma conexão com o cosmos astral que envolve essa sala. Preciso que o que quer que você deseje saber, ou com quem for que queria falar, realmente você pergunte a mim – Ele voltou a olhá-la com aquele mesmo olhar hipnotizador enquanto gesticulava como se tudo aquilo fosse verdade – Não se trata do que sei Simone ou de quem se materializará aqui, e sim do que você quer saber – Ele concluiu.

Ela olhou-o completamente aturdida, sentiu que poderia cair daquela cadeira a qualquer momento e então falou:

- Ah, entendi.

- E o que você quer saber, Simone? – ele indagou. E foi naquele momento que a primeira explosão aconteceu.

Eu pude sentir aquilo bem perto. Dava para ouvir o som nitidamente. O posto de gasolina havia explodido, mas contarei essa parte depois.

- Minha nossa Senhora da Aparecida – Disse Jandira, e então ela ouviu o som estranho de algo, logo pensou que fosse um animal entrando em sua casa.

Ambos se assustaram com aquele ronco estranho, e um fedor deplorável que invadia a sala. Junto de tudo aquilo gritos de desespero entravam pela porta, mas longínquos revelavam que vinham da rua.

Eu também ouvia tudo aquilo há duas quadras dali. Era uma total desordem. Estava na rua é claro, e o que podia deduzir era que o Diabo certamente havia ganhado a guerra.

Corpos ensangüentados se arrastavam pelo chão, crianças, velhos, jovens garotas e rapazes eram devorados no meio da rua por um bando de pessoas em completo estrado de podridão.

Não podia entender aqueles olhos branqueados nem tão pouco digerir facilmente aquele surto geral no qual eu me encontrava, mas há duas quadras dali um idiota estava prestes a descobrir que a farsa era na verdade tão real quanto o caos que ele estava prestes a presenciar.

- Jandira, vá ver que animal é esse! – Ele disse enquanto a moça se mostrava apavorada.

- E que explosões são essas? – Perguntou Simone.

- Não sei! Como posso saber? – Ele respondeu agitado.

- Você não é um maldito vidente? – Ela esbravejou e então o grito de Jandira chegou alarmante vindo da sala de estar onde os fregueses eram recebidos.

- Pe...pe..pe...pe..pe... pedroooooooooo! – Ela gaguejou e então gritou

anormalmente.

- Jandira? – Perguntou o vidente ao ouvir aquela estranha gagueira da mulher que há tanto ele conhecia e depois o grito apavorado.

Sabia bem que se Jandira estava assustada de fato era algo com que devia se preocupar. Ele abriu a cortina que separava as duas salas e ouvindo o barulho estranho de algo rangendo, estalando e fazendo também sons típicos de alguém que estivesse mastigando algo, e seus olhos logo contemplaram a visão mais horrenda de sua vida, ao menos

até ali.

- Meu Deus! – Exclamou Simone olhando para Jandira que agora estrebuchava nas garras do estranho homem que a devorava com os próprios dentes.

O ser a frente deles era algo espantoso. Pedro me contou que o morto estava tão fétido, e pior, usava um estranho terno corroído pelo tempo, cheio de pequenos buracos, e em muitas partes, rasgado. Relatou também que o tecido era tão frágil, e velho que Jandira ao arranhá-lo em seus últimos movimentos, fazia com que o tecido que cobria aquele corpo se desfizesse com extrema facilidade.

A terra parecia estar impregnada nas mãos esqueléticas que eram cobertas por uma camada pútrida de pele, mesclada de carne em estado de degradação.

Ouvi toda estória dele, acreditem, a forma como ele conta cada detalhe é realmente hilária. Mesmo para uma hora dessas, onde estou à beira da morte um pouco de graça não é nada ruim. Ou quem sabe eu esteja prestes a passar por uma estranha e grotesca ressurreição.

Pedro ainda olhava a estranha criatura que obviamente só podia ter saído de um cemitério, e o pior é que ele acabara de reconhecer aquele maldito homem.

- Tio Clemente? – Pedro não acreditava no que estava vendo – Mas você está morto?? – Ele se perguntava e também parecia estar vendo algo mais, quando ouviu um baque e olhou para o lado. Simone acabara de desmaiar.

Pedro então começou a ouvir aquela voz. Saia daqui! Saia!

Um turbilhão de vozes entrara naquela casa, vozes e sons lamuriantes que ele mal podia distinguir vagueavam por sua cabeça, inebriavam sua mente e o aturdiam ainda mais.

- Acorde Simone! Acorde! – Ele disse enquanto a estranha criatura começava a andar em sua direção. Simone permanecia inconsciente e ele a puxava, cutucava, dava toques com os pés enquanto o corpo dela mexia apenas por reflexo aos seus ligeiros empurrões.

Não sei se acredito verdadeiramente nele, se realmente ele ouvia aquelas vozes. O que sei é que em alguns momentos aquela loucura havia nos salvado.

- Saia correndo e deixe ele matá-la! Não conseguirá salvá-la, estão vindo outros atrás de você! – Dizia a voz que ele logo reconheceu como a de Jandira e então ele viu o braço da mulher que há tanto tempo o conhecia. Ela se levantou e logo ele percebeu que ela havia se transformado numa morta viva. O pescoço dela estava repleto de sangue. Marcas de mordida por toda parte.

Pedro estava confuso, agora estava ficando encurralado. Não podia deixar a garota ali. Viu que o seu falecido e recém reavivado tio agora se dirigia na direção da presa mais fácil enquanto que Jandira vinha em sua direção.

Eles não se moviam rapidamente, os olhos eram brancos como o inverno, e as bocas pareciam sedentas por sangue. A expressão em seus rostos era algo incrivelmente desumano, animalesco e canibal.

Ele abaixou-se rapidamente e pegou Simone pelos braços arrastando com dificuldade enquanto que o seu tio agora se demonstrava enraivecido como um cão que se senti ameaçado ao ver que alguém se aproxima de seu alimento.

O tio mostrou os dentes e partiu quase engatinhando tentando pegar sua presa enquanto Jandira continuava em sua direção e se aproximando cada vez mais.

- Merda! – Ele disse enquanto atravessava a cortina e voltava para sala onde esteve prestes a enganar Simone. Mas assim que atravessou a cortina sentiu o corpo de Simone mais firme e puxou-a sem sucesso. Ele estava de um lado, do corpo de sua cliente via apenas a cabeça e os braços que segurava. Foi quando sentiu que não resistiria mais, e ela abriu os olhos, e gritou sentido imensa dor.

Os olhos dela se arregalaram e então ele não conseguiu mais segurá-la e a jovem foi arrastada por debaixo da cortina. Pedro me contou que sentiu uma culpa terrível.

Ele ficou realmente assustado com aquilo, mortos vivos? Zumbis? Vozes? Ele não era vidente, nunca tinha sido. Apenas um charlatão ganhando a vida da forma mais covarde que poderia imaginar. Brincando com os sonhos e esperanças das pessoas.

- Saia daqui, Pedro, estou presa nesse corpo, mas não quero fazer isso, porém tenho fome! – Disse a voz de Jandira – Mas como na outra vez ele sabia que não podia ser ela. Ele estava alucinando, ao menos era aquilo que ele pensava. E de repente a cortina se abriu.

Simone estava sendo devorada pelo tio Clementino, enquanto Jandira a havia abandonado e estava estranhamente sedenta por Pedro.

Acabara de atravessar a cortina com a boca cheia de cabelo, sangue e engolindo um pedaço do carne que parecia ser o couro cabeludo de Simone.

Ela estendeu os braços e partiu na direção de seu ex-patrão, que recuou de costas até trombar na mesa e se ver acuado.

- Calma, Jandira! Calma aí! – Ele dizia enquanto ela se aproximava cada vez mais – que droga! – ele continuou enquanto apalpava a mesa em busca de algo.

Jandira então abriu a boca e preparou para mordê-lo com um olhar que beirava o demoníaco. Segurou-o pelos braços, com o hálito já podre.

- Ahhh!!! – Ele gritou acertando-a com seu instrumento de trabalho. A bola de cristal pesava cerca de quinhentas gramas, mas da maneira que a usou e com a força que imprimiu contra Jandira ela deve ter triplicado seu peso pois fez um enorme estrago na cabeça da morta viva que estranhamente caiu aos seus joelhos com parte de seu crânio esmagado.

Pedro me disse que ouviu a voz de Jandira mais uma vez, um pouco antes dela partir. Ela disse para ele fugir pela rua 13. Lá ainda não haviam tantos mortos. Ele pegou a bola de cristal enojado pelos resquícios que lambrecaram a bola de sangue e atirou-a contra a janela, que se quebrou revelando uma saída dali.

Fugiu enquanto os corpos pareciam ser atraídos por ele. Um bando de zumbis virou-se para o vidente e o som de todas aquelas vozes chegou amaldiçoando-o.

Querem saber o que aconteceu daí em diante, como nos encontramos? Bem, entre dois homens sempre deve haver uma bela mulher.

Continua em...

Quando os mortos caminham – Capítulo III - A Frentista sexy

Desculpem por não escrever dessa vez algo tão arquitetado, mas essa é uma estória mais leve, um terror mais suave, algo que confesso é novo para mim.

Espero que ainda assim os satisfaça.

Leiam meus contos:

Pena de Morte

O Jogo da Forca

Um Assassinato no Recanto das Letras

Diana Caolha

A Ardente Janaína

No mais...

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Enviado por Sidney Muniz em 30/11/2012
Reeditado em 01/12/2012
Código do texto: T4012917
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