Despertar de um Vampiro

"Flutuando eu estou... voando literalmente!... rasgando as nuvens do céu. Avistei um monte, desci tocando suavemente meus pés no solo, está nevando... lindo, sempre quis ver a neve!... que lugar é esse? Uma fonte de águas congeladas no meio de um jardim de pedra. A neve tocava minha pele, mas não estava fria... meu Deus! Minha pele está gélida e pálida... estou sonhando?! Mais a frente vejo uma coluna, ao qual tem um espelho da minha altura, me aproximo. — NÂO!!! minha imagem refletida é um monstro pútrido!!!"

Acordei... Com os olhos arregalados e respirando freneticamente. Escuro, tentei me levantar e bati com a cabeça no que parecia ser um forro de madeira. Percebi que estava dentro de uma caixa, um caixão melhor dizendo, me apavorei, comecei a debater-me e arranhar o teto com minhas unhas. Confuso, atemorizado, com muitas dores, senti meus olhos queimarem e com isso enxerguei meu corpo e as paredes do meu esquife. Um golpe potente para cima e abri um buraco na madeira nobre, mais um e estilhacei o teto, vindo uma quantidade grande de terra escura e molhada no meu rosto, me sufocando.

Consegui me levantar, a cova era rasa, de pé em cima do caixão ouvi um estalo e sem tempo de reação meu pé afundou quebrando o fundo do caixão e o teto de um que estava abaixo do meu, enterraram-me numa sepultura que outro foi depositado recentemente, meu pé fincou o abdome do defunto fresco, rompendo sua barriga e envolvendo meus calçantes com suas tripas regadas a sangue podre.

Saí dali, tirei o excesso de terra do terno, que por sinal era o meu melhor, azul marinho brilhante, era uma noite clara, sem saber que lugar era aquele, sem noção do tempo, uma dor aguda vinda do meu pulso esquerdo, erguei a manga e notei uma ferida mal cicatrizada, orifícios, como feitos por uma mordida, queimava, ardia, um veneno maldito.

Caminhei pela escuridão que não me incomodava mais, parei e ajoelhei-me sentindo uma mistura heterogênea de sentimentos, lembranças esparsas, dores e convulsões que estavam transformando meu corpo, consumindo minha sanidade e o restante de minha humanidade. Um momento de pausa e minhas recordações agora eram nítidas como outrora fora meu reflexo no espelho. Sabia quem me fez aquilo, sabia o que havia me tornado e com minha alma e meus olhos em brasa por nunca mais poder ver aqueles a quem amo, porque não seria mais eu mesmo. Duas lágrimas brotaram, uma em cada canto dos meus olhos rubros, reluzentes como um cristal de rocha, refletindo o brilho difuso das luzes artificiais.

Meu despertar para a vida escura esvaziou meu coração das minhas emoções mais nobres, sendo preenchido pelo ódio e anseio de vingança. Fome... Como nunca senti em toda minha vida... Respirei fundo, e cheirei a presença de um homem que saciaria momentaneamente meu desejo por sangue. O mendigo que sempre dormia no portão do cemitério seria premiado, fedia a merda, bafo de cachaça, mas não importa, sentia suas artérias me chamarem como música convida um dançarino.

Com uma só mão o peguei, ergui e o trouxe até mim, com uma mordedura voraz, arranquei a tampa de sua cabeça e saboreei o liquido grosso que escorria, respingando por toda minha roupa. Assim que acabei e vi seu corpo moribundo no chão, o remorso tomou conta de mim, tão intenso como minha cólera por quem me imputou tal condição.

— MALDITO SEJA QUEM ME INFLIGIU TAL CASTIGOOO!!!!! AHHHHHHHHHHHHH!!!!

Meu grito com minha voz bravia ecoou por todas as direções...

— Não descansarei, não haverá perdão, serei o mal ressurreto nesta terra!!! Caçaram-me, temerão, odiarão, mas terei minha desforra e com méritos!!!

— Meu nome é Arcádio, e serei lembrado pelos séculos!!!

O novo vampiro moveu-se rápido, perdendo-se pelas sombras, que seriam de agora em diante suas mais fiéis companheiras.