O Livro da Capa Preta

A paisagem mudava, passava por entre o vidro do carro e Lino, com seu olhar distante, não mostrava nenhuma reação. Estava triste, ele agora era apenas um rascunho do rapaz alegre que sempre foi. O carro parou, desceu e foi até seu quarto, sem dizer uma palavra, não digerira ainda o fato de que sua avó agora estava morta e enterrada.

A doença sem explicação foi corroendo e matando sua avó aos poucos. Várias idas e vindas a diversos médicos e centros de diagnose, nada, nunca acharam qualquer coisa de anormal.

Alguns dias passaram e os mesmos sintomas ocorriam em sua mãe. O desespero, a angustia e o medo tomaram conta da sua alma. Tinha pesadelos constantemente e assistia os mesmos eventos que sua avó passou, agora em sua mãe.

Um dia, foi até o quarto de sua falecida vovó e achou uma caixa aveludada púrpura, em cima do guarda-roupa. Dentro dela havia um livro de capa preta onde estava escrito: São Cipriano.

Começou a folheá-lo e admirou-se com os rituais e magias contidas no alfarrábio. Devorava as páginas do antigo livro, com fervor e sede por saber se encontraria algum encantamento que lhe serviria. Um em especial chamou sua atenção: "Reza Brava".

A descrição em português coloquial, dizia que, ao pronunciar as palavras em latim contidas naquela reza, obter-se-ia a natureza da enfermidade, se de ordem natural ou espiritual (sobrenatural).

Dirigiu-se ao quarto onde sua mãe estava em repouso, com o livro aberto nas mãos. Ela estava dormindo, sua tia fazia companhia sentada ao lado em uma cadeira velha de madeira. Começou a pronunciar, tropeçando nas palavras desconhecidas de uma língua quase extinta, mesmo assim prosseguiu aos olhares desconfiados e curiosos de sua tia.

Em dado momento, no meio do texto que orava, sua dicção melhorou subitamente e o tom de voz aumentou.

— Oque você está fazendo rapaz?! Disse sua tia com tom áspero na voz

Lino não deu a menor bola e sem interrupção continuou a recitar as palavras:

— "Quando subito patenti lumen aufertur, et subito restitutur ; quando diurno tempora nihil vidit, et nocturno bene vidit et sine fuce lugit epistolam: si subito siat surdus, te postae bene audiat, non solun materialia, sed spiritualia. Si per septem, vel novem dies mihil, vel parum comelens fortis est, et pinguis, sicut antea. Si loquitur de Mysteris ultra suas capacitatem, quando nun custat de illius sanctitite..."

— Já levei sua avó!... Agora levarei esta cadela que é sua mãe!!!

Lino parou a leitura e fitou para a sua tia, que o mirava fixamente. Não era mais seu ente que estava ali... Era um demônio bufando e rosnando, possuindo o corpo de sua tia.

— HA HA HA! Pensa que isso o ajudará!!! Agora que sabe que sou eu... Não vou parar seu filho da puta!!! HA HA HA!!!!

Desorientado, Lino ainda tentou continuar a reza, mas sem sucesso, a cada vez que olhava para sua tia transfigurada com os olhos em brasa, perdia completamente o fio da meada. Assombrado com a situação ele deixou cair o livro, que ficou aberto no chão em uma pagina que dizia: "Reza Brava para Repreender um Espírito Imundo".

Lino olhou e fez gesto com a mão direita para pegar o livro...

— AH NÂO!!! Nem pense nisso seu fedelho de bosta!!! Que seja assim... Uma "ALMA PELA SUA VIDA"! AHHHHHHHHHH!!!!!

As imagens turvas, olhos quase não se abriam, havia amanhecido, porem a janela com cortinas retinha a luz do Sol. Conseguiu sentar na cama, a cabeça doía, o corpo tremia pelo efeito dos remédios fortes e pelo longo período na cama, respiração pausada, difícil e profunda.

— Lino?! Lino... Onde você tá?...

Levantou-se com esforço e foi até porta, chamou mais uma vez por seu filho sem obter resposta, voltou para o quarto, viu um pé no chão aos pés da cama, bem devagar se aproximou.

AHHHHHHHHHH!!! MEU FILHOOOOOO!!!

Lino estava retorcido, pés e braços revirados como pano, com o pescoço quebrado, seu rosto volvido para as costas, lançando sua língua roxa para fora.

Sua tia jamais foi vista novamente.