Conto Pena de Morte - Capítulo IX - No estômago do Boi Bumbá ( Apenas em Português devido ao tamanho do episódio )
- Sentado em sua cadeira de balanço, estilo imperial, madeira imbuia, o homem alto e velho olhava para Caraguatá á sua frente. Aquela era uma das poucas espécimes que ainda restavam no mundo.
Respirando o ar frio daquela sala, desviou o olhar para fora das paredes transparentes que o protegiam. Seus olhos vislumbraram um redemoinho, num misto de poeira e vento, relembrando-o que aquele não era mais o antigo e belo jardim botânico de Curitiba. O ar já não era tão fresco como antes. Entre o policarbonato que revestia aquela enorme e bela estufa encontrava-se um dos poucos ambientes no mundo onde ainda havia certas espécimes. O Jardim Francisca Maria Garfunkel Rischbieter tornou-se o complexo de estufas climatizadas do governo. Á sua frente havia um viveiro que revelava um bando de canários presos, voando naquele ambiente refrigerado, e no alto, um lindo Pássaro – Preto - Soldado, num misto de penas amareladas em seu peito e negras no restante do corpo. O velho olhou para o pássaro e sorriu, um riso melancólico e aparentemente cheio de arrependimentos. Ergueu-se da cadeira, que continuou balançando no mesmo ritmo extenuante, porém sozinha, e caminhou lentamente na direção do monitor à sua frente. Uma mensagem apareceu em cor avermelhada, e o número cinco piscou após ela desaparecer subitamente.
- Vídeo conferencia em 5 minutos. – Dizia a mensagem. O velho voltou-se para a porta da estufa e dois soldados tais quais guarda-costas olharam para ele, fizeram sinal positivo e saíram da enorme estrutura que se assemelhava ao antigo Palácio de Cristal de Londres. A estrutura era de ferro enquanto os vãos agora eram preenchidos com policarbonato que substituiu o ultrapassado vidro, protegendo aquele lugar ainda mais dos Uva’s. Tinha três abobadas no estilo Art Nouveau, o que davam a estufa uma beleza incomum. Havia também um sistema de resfriamento, pois mesmo estando situada na mais fria capital do Brasil, isso era mais que necessário, visto que nem Curitiba havia escapado do efeito dos raios UVA.
- Cinco minutos. – O homem disse ajeitando a gravata e a gola de seu terno Branco feito especialmente para reuniões desse tipo, a vestimenta era confeccionada a partir de um novo tecido em gel, que resfriava o corpo, enquanto aquela cor dava-lhe a falsa impressão de um homem pacifico.
Em sua mão direita segurava uma bengala de cor prata, com uma arara de asas e bico abertos, na ponta do cabo. O barulho do canto dos pássaros era ouvido tal qual uma canção de Djavan já pôde ter embalado corações há tempos atrás. Todavia esses não eram tempos de arte, música, tampouco de alguma manifestação de carisma por algum artista. A vida se tornara algo bastante improvável.
O rosto do homem gordo de meia idade apareceu na tela, com um olhar carregado.
- Bom dia senhor! – Cumprimentou o secretário batendo continência ao velho que respondeu com um simples aceno.
- Não tão bom assim, Secretário Clóvis. Ainda me pergunto o porquê de fazer este gesto até hoje. Isso já foi abolido há tanto tempo. Mas vamos ao que importa. Daniel está solto por aí, ele é o único que sabe o que realmente está acontecendo e não queremos que nada dê errado, do contrário tudo estará acabado... para você... para o presidente e principalmente, para mim. – Ele disse com a voz fraca pela idade, mas ainda assim seria ouvida por milhões se necessário. – Não sei o porquê de vocês não darem conta de um condenado, um agente penitenciário e uma maldita cega. É realmente algo deplorável.
- Sim Senhor. Tem razão. – O secretário concordou aparentemente envergonhado pela falta de resultados. Sabia bem do poder que aquele homem tinha e do símbolo que era.
- Você é um bom homem, e isso o torna fraco. Se um elo arrebentar, a corrente inteira sentirá isso. Ajude-me a ser o elo que restabelecerá a ordem deste previsto apocalipse.
- Senhor, o presidente ainda está desaparecido. – O velho sorriu ao ouvir aquilo.
- O clone logo terminará sua missão e daí em diante nada mais será como antes. Não haverá oposição. Não haverá nada! – Disse o Velho.
...
Dentro do Mustang todos estavam concentrados, Felix havia entregue três comprimidos do Fator 3001 para cada um deles por precaução. Daniel permanecia calado, o vento soprando seus cabelos. Ele viajava dentro de sua própria mente, indo de encontro á lugares que há muito tempo não ia.
“- O que você está fazendo aqui? – Ele perguntou surpreso.
- Vim te ver. Preciso te dizer algo Dan. Algo que está me perturbando muito.
- Mas do que está falando Vitória, diga logo. – Ele pediu curioso.
- Tenho sonhado com você repetidas vezes. Sonhos estranhos, você não sai da minha mente há duas semanas e meia.
- Sonhos? Mas que espécie de sonhos? Já falei Vitória! Chega de erros!
- Você matando o presidente... Eu vi você matando o presidente Pedro Gomes. – Daniel, ao ouvir aquilo se assustou, mas sabia que se deixasse transparecer seu nervosismo não ajudaria em nada, e disfarçou.
- São apenas sonhos Vitória. Já te disse. Esqueça isso!
- Dan, tem algo mais... – ela hesitou segurando a mão dele, que pôde perceber o toque frio da pele dela, misturado ao suor.
- Diga meu amor. – Daniel a encarava, olhos fixos nos dela, aquele mesmo olhar doce de sempre.
- Estou grávida... Ela disse baixando os olhos.
...
Felix olhava confuso pelo retrovisor, enquanto o condenado permanecia calado, olhos parados, e uma expressão incomum até então. O agente Silva limpava seus dentes cuspindo pequenos pedaços da carne do pescoço de Camilo para fora do carro.
- Pelo amor de Deus, da pra parar com isso cara! – Felix pediu enquanto João em resposta deu de ombros parecendo não se importar com a opinião do soldado. Mat ainda lembrando-se de Fátima, o quanto ela significava para ele. Aquela mulher era o mais perto de uma mãe que ele pôde ter na vida.
...
O museu UFRJ, era detentor de um história magnífica, nada menos que a mais antiga instituição cientifica do Brasil e o maior Museu de história antropológica da América Latina. Criado por D. João VI, aos 06 de junho de 1818. Seu nome original foi Museu Real, por fim veio a ser integrado a universidade Federal do Rio de Janeiro.
O VCX-47 planou sobre o telhado do Museu Quinta da Boa Vista. Tão logo os olhos do clone vislumbraram a fachada Neoclássica do antigo Palácio Imperial, local esse, onde o próprio Dom Pedro II havia nascido.
- Aquele maldito gosta mesmo deste lugar. – Comentou o clone sentindo uma estranha sensação o tomar por completo, como se algumas de suas melhores lembranças estivessem ali. Os olhos dele lacrimejaram e estranhamente uma enorme ira o tomou.
- Maldito! Como eu posso ser como você? Como? Você não deveria ter existido Daniel! Saia de minha cabeça! – O clone chutava a lateral do ônibus em sua loucura. Verônica encolhia-se em sua poltrona ouvindo o som do metal sendo surrado.
- Ahhhh! Maldição, essa minha. Viver a sombra de um idiota sentimental. Quando matá-lo não haverá nada mais que me conecte a ele... mais nada! – Virou-se em direção as poltronas e viu-a assustada. – E aquele imbecil ainda diz que não é problema meu? – Indagou ainda lutando contra o turbilhão de sentimentos que o invadia. Deu ordem para que o ônibus pousasse e voltou a olhar friamente na direção da Amazonense.
...
- Quanto tempo falta? – Perguntou Daniel.
- Logo estaremos lá amigo... Logo estaremos lá. – Respondeu Felix. Mara demonstrava certa dose de nervosismo, suas mãos suando frio.
- Pare de olhar para mim. – Ela disse como se pudesse vê-lo. Daniel sorriu ao ver a perspicácia de Mara. – Afinal, por que fez aquilo tudo? – Ela perguntou. Aquilo chamou a atenção de Felix que pelo retrovisor pôde ver a cara de desconcerto de seu amigo ao ouvir aquela pergunta.
- Fiz tudo àquilo por uma mulher, Mara. – Ele disse com um tom de seriedade na voz, ao mesmo tempo em que esse mesmo tom revelava que havia algo mais que isso.
- As mulheres... Ah... As mulheres. Elas nos enfeitiçam não é amigo? – Disse Felix sorrindo e cortando o assunto. - Estamos próximos do local.
...
O clone andava olhando á sua volta. Na mão esquerda um galão de vinte litros. A primeira coisa que viu ao entrar no museu o causou uma sensação diferente. Ele olhou para Verônica que na visão de outro homem qualquer seria objeto de desejo. Era realmente uma mulher cheia de atributos, linda, olhos cor de mel, lábios carnudos, uma das mais jovens representantes do novo estado. Apenas 33 anos, e de uma inteligência fora do comum. Porém naquele momento, em meio ás manchas vermelhas de sua pele, que já começavam a tomar formato de bolhas, e a sua roupa encharcada de suor, ela não parecia ser a mesma pessoa.
- O que você vê ali? – Perguntou o assassino apontando para o enorme objeto em meio aos entulhos e cacos de vidro. – Ela não queria responder, parecia estar muito mais preocupada em enxergar uma maneira de fugir dali antes que descobrisse qual era o verdadeiro plano daquele maníaco.
- É uma pedra. Só isso! – Disse ela pouco se importando com o que seria aquilo.
- Não Verônica. Isso é algo raro minha cara. Seu nome é Bendegó, mede 2,15 X 1,5 X 0,65 m, e pesa nada mais que 5,36 toneladas. Essa “Pedra”, como você disse, é um dos maiores meteoritos do mundo. O maior do Brasil para sua informação. Uma raridade dessas veio a ser encontrada por um menino pastoreando o gado nos arredores da Bahia. – Disse rindo daquilo, como se algo do que disse realmente poderia salvá-la de seu destino – Domingos da Motta Botelho. Um baiano a encontrou. O danado do garoto escreveu seu nome na história. Assim como eu escreverei o meu. Escreverei meu nome! Não o dele! – O clone disse referindo-se a Daniel.
- Ele recebeu este nome ao cair no riacho Bendegó, quando uma carreta de madeira desgovernou-se ao tentar transportá-lo. Por que acham que temos que ganhar um nome só por que associam algo que refere-se ao nosso passado? – O clone parecia confuso e exaltado - Por fim, em 1888, Dom Pedro II providenciou sua remoção para cá e assim ele está no Rio desde então. – Completou passando a mão sobre a superfície rugosa do meteorito. – A maior parte do tesouro que havia neste Palácio foi roubada, mas como carregar um diamante desse tamanho? – Dizia ele enquanto seus olhos brilhavam. Em meio a sua insanidade voltou-se novamente para Verônica.
- Vê o que ele provoca em mim? – Maldito Daniel. - Vamos em frente! – Ele disse guiando-a pelos corredores.
- Quero mostrar - lhe um pouco de seu estado. – Verônica seguia andando, sua pele cheia de feridas, os UVA, a haviam castigado dentro daquele ônibus onde ficou exposta por tempo demasiado aos raios UVA, sem o fator 3001.
- Você é um louco! – Ela disse em meio á seu sofrimento e dor. Estava sentindo-se exausta, seus pés descalços ardendo sobre o granito. O lugar estava devastado, mesmo que ainda restassem algumas vitrines ilesas, o que realmente era algo estranho. O cheiro seco da poeira era algo tão predominante. As chuvas que no começo de toda aquela desordem mundial mostravam-se constantes, hoje caiam raramente, e mal refrescavam o ambiente. Não eram mais as águas refrescantes do verão. Próximo às vitrines arruinadas dava para ver as placas revelando os nomes das relíquias perdidas naquele lugar, artefatos estes que em tempos de lucidez valeriam uma fortuna.
Eles andaram e a representante de Amazonas ia lendo os nomes das placas que ainda continuavam legíveis... Mascara Tikuna, Escudo do Uaupés, Colar de Madrepérola... Foi quando ela viu a placa repleta de teias de aranha...
- Chegamos! – Ele disse olhando-a... Um olhar que cheirava à morte. Vendo aquilo Verônica tentou correr, mas os pés ainda estavam amarrados, assim como as mãos untadas, que permaneciam presas por uma corda que circundava seus punhos num maldito nó cego. Na tentativa em vão a amazonense caiu e bateu com o nariz sobre o entulho remexido daquele lugar. Foi neste momento que pôde ver um rastro de sangue, fino e úmido. Em uma rápida percepção ela descobriu que não estavam sozinhos ali.
“- Sangue humano?” – Ela se questionou em pensamentos, passou a mão esquerda disfarçadamente no local e sentiu neste mesmo momento o sangue escorrer pelo seu Nariz, e só aí a dor chegou ao seu cérebro. Soltou um gemido e levantou-se olhando atenta ao redor enquanto o clone ria desgraçadamente da fuga frustrada.
- Deixe de ser ridícula! Já te disse que hoje verá qual é o significado de queimação de estomago. Não fuja antes disso, pois a chapa vai esquentar moça! – Ele disse com o mesmo tom sarcástico de sempre, agarrou-a pelo braço, e seguiu empurrando-a pelo corredor.
- Solte-me! Pelo amor de Deus! – Ela gritava em desespero sentindo o aperto forte dado pela mão do clone sobre seu braço, o qual ardia por causa da insolação. O clone parou abruptamente, segurou Verônica pelos cabelos puxando-a para si, enquanto ela ainda permanecia de costas para ele. Aproximou sua boca do ouvido dela segurando-a firmemente e lambeu-a lenta e sadicamente. Em seguida sussurrou com uma voz demoníaca e rouca em seu ouvido:
- Vamos festejar á moda antiga minha linda! Vamos ver quanto tempo você consegue ficar no touro!
...
- Lá está o ônibus! – Mat apontou sua mão na direção do veículo, eufórico.
- Vamos descer! – Ordenou Felix ao computador.
- Os membros estão lá? – Perguntou Mara tentando entender a situação.
- Não, não estão. Ele parece estar vazio. – Respondeu Daniel olhando fixamente na direção do ônibus, e percebendo que surpreendentemente não havia ninguém lá.
- O que foi Daniel? Por que essa cara? – Indagou João percebendo que Daniel parecia não compreender algo. Aquilo até aquele momento era um fato raro.
- Tem alguma coisa errada. O que ele vai fazer aqui? E onde estão eles? O clone está armando algo.
- Você disse que ele estava seguindo seus passos. Qual seria o próximo? – Questionou o agente.
- Não. Realmente ele estava seguindo, mas o ultimo não seguiu a ordem correta de minhas execuções. – Daniel parecia não gostar de lembra do que fizera antigamente.
- E qual deveria ter sido? – Perguntou Mara.
- Nem queira saber! Mas não vejo como ele poderia executá-lo aqui. Não neste lugar. – Disse João lembrando-se do sofrimento de sua vitima.
“– Me solte por favor! Nós não faremos isso! Apenas não faremos! – Daniel pensou em desistir de tudo aquilo pela milésima vez, mas sabia que não havia escolha... não para ele... não mais. Fechou os olhos, deixando de ouvir o som abafado que escapava pelo buraco do tambor, seus dedos guiaram o palito, e ele ouviu o arranhar causado pelo atrito dos dois corpos. Caixa e fósforo pareceram ser um só por um determinado milésimo de segundos. Daniel lançou o pequeno objeto que quase queimava seus dedos debaixo do tambor e abriu os olhos vendo o fogo se espalhar sem medo, seguindo a trilha molhada que o tornava mais forte. O que se seguiu não foi rápido, pelo contrário, bastante angustiante e doloroso.”
- Daniel? – Chamou-o Felix. – Pronto para descer amigo. – Todos estavam fora do carro, inclusive Mara. Daniel despertou de seus pensamentos e se deparou com o antigo Museu Quinta da Boa Vista.
- Quanto tempo! – Ele disse em meio á um suspiro com tom de saudade, mesclado com certa nostalgia. – Felix olhou-o e pôde sentir parte daquela dor. Mara mesmo que cega podia enxergar muito mais do que a escuridão que assombrava sua vida. Mat correu, adentrou no ônibus empunhando a Winchester, na expectativa de encontrar alguém vivo dentro do ônibus, ou na pior das hipóteses uma armadilha. Suas duas mãos segurando a espingarda enquanto seus olhos faziam uma varredura do local, porém não havia nada, nem ninguém ali. Olhou pelas janelas e fez um sinal negativo com a cabeça na direção dos outros.
- Onde eles estão afinal? – Perguntou João olhando á sua volta e não vendo nada nem ninguém.
- Ele está tramando algo! Não creio que ele entrasse com todos eles no museu.
- Daniel, ele pode ter cometido um erro. – Felix queria acreditar naquilo, mesmo que aquela idéia fosse tão improvável e absurda.
- Não sei não! – Daniel tentava raciocinar, buscava entender o que o clone estava maquinando, no entanto não conseguia. Mara antecipou-se a ele e tapou seus olhos levando-o a um breve passeio. A sensação de estarem perdidos era algo estranho, Daniel e Mara viram apenas uma estatua á sua frente, abaixo dela havia algo estranho, uma pilha de quinquilharias. Ouviram um grito abafado e o barulho de batidas, era como se o som provocasse ecos. Gritos de socorro;
- Tire – me daqui! Não fiz nada á você! Me ajude! Socorroooo! – Era a voz de uma mulher. Mara logo a reconheceu, aquele tom na voz era algo único.
- “Verônica!” – Mara pensou.
Verônica Sampaio era uma líder, lutava pela volta das escolas. Queria voltar a priorizar o ingresso das crianças ás salas de aula, criar salas climatizadas, áreas frias em cada estado do país, reestruturar o ensino, tornando-o menos limitado, e restabelecendo o poder da democracia na sociedade. Ambos viam a mesma imagem, mas apenas um deles poderia entender o plano sórdido do assassino. Eles ouviram um riso ousado, e os olhos do clone fecharam-se os deixando em completa escuridão. Mara retirou as mãos dos olhos de Daniel enquanto os outros esperavam ansiosos por respostas.
- Mas o que era aquilo? – Perguntou Mara completamente confusa. Mat, Felix e João olharam curiosos na direção de Daniel que ergueu suas sobrancelhas, arregalou os olhos, e por fim soltou um suspiro enfadonho.
- Nós vamos entrar! Me respondam uma coisa antes, se souberem é claro. Quem foi o idiota que mandou fazer uma estatua ao Boi Bumba? – Daniel perguntou ainda digerindo a imagem que ele havia visto enquanto estava em transe.
- Boi o quê? – Perguntou João. Mat deu de ombros, e Mara continuou em silêncio aguardando respostas.
“- Então é essa a próxima execução? – Questionou Felix lembrando – se do corpo que encontrou há tanto tempo atrás, em condições bizarras. Ele estava chegando perto. As pistas o haviam levado para Minas Gerais, em uma cidade mineira chamada Betim que ficava ao lado da capital, o assassino estava muito próximo. Seu parceiro o havia ligado á menos de meia hora, pedindo socorro. Ele havia desaparecido á cerca de quinze dias. Uma busca insana pelo assassino capital, uma caçada que já durava um mês. Daniel havia descoberto algo, e impulsivo como sempre resolvel averiguar sozinho. Pedro pediu que ele esperasse, entretanto Daniel não o deu ouvidos. Desde então ele havia desaparecido. Pedro chegou aquele galpão abandonado, dentre tantos que se encontravam naquela antiga fábrica. Já eram duas da manhã. Viu o carro parado logo á frente. A BR 262 estava deserta. O galpão há muito tempo pertencia a Petrobrás, que havia falido á menos de um ano. Àquele era um negócio não muito lucrativo naquele momento. As atenções do mercado estavam voltadas para produtos que tentassem solucionar o problema do UVA, que se tornava cada vez mais intenso. Várias fábricas daquele grupo haviam explodido, os produtos inflamáveis já não eram seguros em tempos tão infernais. Esse galpão continha tambores de óleo diesel, estoques imensos, aguardando o fim da crise. Pedro tentou entrar em contato com Daniel tentando ficar á par da situação pelo rádio e celular, mas seu amigo estava inacessível.
“- Droga Daniel, onde está você parceiro?” – Ele raciocinava em meio ao caos que desordenava sua mente, sentimentos estranhos, anseios e temores. Em suas inseguranças, concluía que seu amigo poderia ter sido morto pelo cruel serial killer que espalhava o terror pelo país. Talvez aquilo tudo fosse uma maldita cilada. Empunhou sua arma e correu em direção ao galpão, sempre alerta. Vislumbrou os enormes tanques de petróleo e de repente chegou até o imenso portão de metalon. Viu as roldanas que o permitiam movimentar e notou também que o trinco estava sem cadeado. O portão estava apenas encostado na haste de ferro que o trancava. Ele o empurrou abrindo-o e apontou a arma para penumbra. Seu coração batendo célere. O policial esgueirou-se até uma coluna, não havia energia naquele lugar, a mesma havia sido cortada assim que a fábrica foi desativada. Havia centenas de galões de Diesel, empilhados em fileiras distintas formando corredores onde as empilhadeiras podiam removê-los.
Andava passo a passo, vão por vão sorrateiramente, na expectativa de encontrar Daniel ainda vivo e com sorte tendo sobre seu poder o idiota que estava zombando o tempo todo deles. Foi na quarta fileira que ele viu-o de costas para ele, aquela calça jeans era irreconhecível, tanto como a camiseta com o desenho de Che Guevara que ficava às duas costas. Pedro sentiu-se aliviado por encontrar seu amigo ali de pé e baixou a arma.
- Daniel! – Ele disse caminhando em direção ao colega. – Você o pegou parceiro? – Daniel olhava para as cinzas debaixo do tambor que estava deitado, suspenso no ar horizontalmente. Em sua mente ainda podia ouvir os gritos. Aquilo o estava matando, mas ele não podia esconder-se mais.
- Você o quer, não é? – Daniel perguntou sem ao menos virar-se para seu melhor amigo.
- Claro que sim! Ele está aí? Daniel, o que pretende afinal me trazendo até aqui? E que cheiro é esse? – Pedro começou a suspeitar daquela estranha situação.
- É o cheiro daquela maldita! – Daniel disse, enquanto Pedro percebeu que havia realmente algo de errado e apontou sua arma para Daniel pela primeira vez em longos anos.
- Daniel, vire-se para mim. – Ele pediu. Daniel virou-se. Seus olhos imersos num ódio profundo aliados á uma melancolia transparente.
- Não pode ser! – Pedro disse surpreso e decepcionado. – Você não pode trazê-la de volta! Por que isso tudo amigo?
- Talvez não, mas posso realizar o ultimo desejo dela. Ele disse saindo da frente do tambor.
- O que tem aí Daniel?
- Quero me entregar, amigo. – Disse erguendo sua arma, segurou-a livre, enquanto a mesma balançava como um pendulo, o dedo indicador dentro da argola do gatilho, enquanto a PT estava de cabeça para baixo. Pedro pegou a algema completamente descrente da situação e continuou a apontar a arma para ele.
- Não faça nenhuma besteira Daniel! – Ele disse temendo ter que puxar o gatilho. Daniel já estava á dois metros dele. – Pare aí e solte a arma. De preferência as duas. Onde está a outra?
- Sagaz amigo! – Daniel sorriu. E apontou a arma para Pedro. – Você precisava saber, e eu não podia continuar mentindo para você parceiro. Ao mesmo tempo em que não posso envolvê-lo nisso.
- Do que está falando Daniel? Largue a arma agora! – Pedro gritou confuso, enquanto via seu melhor amigo apontando uma arma para ele. Daniel correu na direção de Pedro que apertou o gatilho assustado. Daniel pôde ver a faísca surgir na escuridão, o cheiro da pólvora chegou as suas narinas e ele acertou uma coronhada da arma na cabeça de Pedro.
- Desculpe amigo. – Pedro ainda o via, seus olhos embaçados, sua cabeça latejando, Daniel agachou-se próximo ao amigo e sussurrou em seu ouvido.
- Troquei suas balas ontem, balas de festim. Te segui, te enganei, e agora quero que faça algo por mim... você pode? – Pedro estava quase inconsciente. – Me encontre e me mate depois que eu acabar com isso tudo! – Pedro acordou por volta das cinco da manhã. Estava deitado sobre o chão oleoso daquele galpão, sua roupa colada ao piso, repleta de óleo. Ainda aturdido recordava-se de tudo. Olhou á sua frente e viu o tambor, as cinzas sob ele, lembrou-se de Daniel ali inerte admirando-o. Levantou-se e caminhou até ele. Viu que o tambor havia sido partido ao meio na horizontal, e agora estava trancado por correntes. Um cadeado prendia os elos. Pegou a arma e bateu contra o cadeado quatro vezes com toda sua força, covarde pelo que temia encontrar. O cadeado abriu-se e ele desenrolou as correntes. Observou bem o tambor vendo que Daniel havia soldado dobradiças unindo as duas metades, fazendo com que a parte superior funcionasse como uma tampa. À medida que essa espécie de chapéu levantava-se Pedro via cada detalhe, queimaduras, olhos arregalados, a boca aberta, o tambor amassado onde ela havia dado pontapés e socado na tentativa de fuga, mas o que nunca seria esquecido era a face da vitima que jazia aprisionada em um agonizante grito de socorro. Os olhos de Pedro encheram-se de uma ira insana, aquilo era algo doentio e assustador. Uma imagem que para sempre guardaria em sua memória. E assim acordou de suas lembranças com um semblante completamente mudado.”
- Foi um ex-político, apaixonado pela festa, criou-o justamente como uma fantasia. A pessoa entrava nele, por uma portinhola. O animal tinha quatro rodas, uma sob cada pata. – Felix pausou num suspiro pesado – Havia também um berrante conectado a boca do boi onde a pessoa que estava dentro tocava-o fazendo com que a criatura parecesse estar viva – Ele disse isso olhando dentro dos olhos de Daniel que ouvia cada detalhe e associava aquelas informações àquele método que ele tanto havia estudado – o touro era guiado por outros dois que andavam ao lado dele empurrando-o. O povo amazonense amou o presente, mas não por muito tempo, o calor aumentando cada vez mais, os impediu de usar uma fantasia daquelas. Havia apenas dois buracos nos olhos do animal e este na boca,
- Deus do céu! – Vamos entrar logo! É o touro de latão! – Daniel disse revelando-se assustado.
- Mas ao menos sabemos onde esse touro está? – Perguntou João. Daniel sentiu-se impotente naquela hora.
- Não sabemos. O antigo museu é enorme, vamos ter que nos separar. – Disse Daniel.
- Talvez tenhamos sorte e achemos onde ele escondeu os outros membros. – Raciocinou Mara. Daniel viu aquilo com bons olhos.
- Bem, temos apenas quatros entradas, estamos em cinco, Cada um pega uma entrada, eu e Mara precisamos estar juntos se precisarmos nos conectar á ele. Quem encontrar esse idiota deve tomar muito cuidado.
- Por quê? Por que ele é um clone? – Disse João com um olhar desprovido de temor algum. - Eu sou um monstro, o Felix também é um clone, e o Mat, bem, ele sabe se virar muito melhor que qualquer um de nós.
- Não apenas por isso amigos, mas principalmente porque o filho da mãe não é um clone qualquer. É um clone meu! Não o subestimem. – Daniel disse seriamente. – Vamos logo! – Disse Daniel destravando suas pt’s e seguindo em direção a entrada.
...
- Senhor eles estão parados a cerca de dez minutos, no mesmo local que o clone.
- Não sei o que este idiota pretende desacatando uma ordem direta do mestre. Vamos até lá, o nosso foco ainda continua sendo deixar o caminho livre para o clone. O outro grupo deve pegar Daniel e os outros. Apenas interfiram ao meu comando! Estamos entendidos? – Nenhum dos outros quatro homens ousaria desobedecer uma ordem direta do comandante Paulo Dutra. Era um negro de 1,97 m de altura, pesava noventa e oito quilos. Paulo olhou na direção do radar e pôde ver o rastreador revelando o outro furgão com a equipe de Camilo agora liderada pelo sargento Diego Macedo, um jovem e promissor soldado. A morte de Camilo foi algo realmente inesperado, mas que devia ser contornado logo.
- Sargento Diego? Na escuta? – Ele perguntou pressionando um botão que ligava o radio.
- Sim Senhor. Estamos indo em sua direção a 900 km/h , logo estaremos aí.
- Muito bem sargento. O que tem em mente? – Ele perguntou com o intuito de dar autoridade ao novo soldado.
- Senhor não iremos agir enquanto o plano não for concluído. Precisamos continuar nossa missão, porém sem interferir no plano principal. A sua missão é prioridade. E o foco é a continuidade das execuções, conforme as ordem do secretário.
- Certo sargento. Que bom que pensamos da mesma forma. Seja bem vindo ao comando! Vamos arrumar logo uma forma de tirar esses enxeridos de circulação. Cambio, desligo!
...
A criatura estava à espreita, farejava o ar á busca de sangue. Sentiu aquele cheiro, o pouco que ela havia comido não a havia sustentado até então. Raciocinar não era preciso para saber que havia mais de um humano naquele museu e que os batimentos cardíacos de um deles estavam tão acelerados que dava para sentir o gosto quente dele em sua boca, tal quanto uma torrada que acabara de sair da torradeira. Aquilo á deixava ensandecida, sabia que logo as nuvens cobririam o sol. O metrô da antiga estação São Cristóvão era um abrigo de nanoinfectos. Logo viriam mais deles famintos pela carne humana. E assim formariam um grupo de caça.
...
- Odeio aranhas! – Praguejou João enquanto andava em meio ás ruínas do museu. – Que merda é essa? Antropologia Biológica? – Lia ele enquanto caminhava pelos escombros. - Por que é que isso acontece comigo? Eu tinha que matar esse idiota e agora quero salvar a vida dele. Maldição! Esse maldito clone tinha que aparecer logo agora? João caminhava em meio a desordem daquele lugar, sentia o cheiro impregnando o ar e percebeu que não estava sozinho ali.
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Mat e sua Winchester seguiam por um caminho não tão diferente, o mesmo cheiro de poeira adentrava suas narinas. As teias de aranha eram algo comum em ambientes daquele tipo. Mat levou o cantil a boca e bebeu um pouco da água que pegara no acampamento. Água dessalinizada. O gosto não era o mesmo, mas em tempos de crise essa era a solução, e ainda o sal de cozinha era um subproduto obtido da dessalinização. Mat enxugou a boca com o punho direito. Olhou na direção do corredor que se estendia á sua frente. Viu a estranha caveira que jazia dentro de uma vitrine quebrada, apenas um crânio na verdade. Olhou bem para inscrição abaixo dele e sorriu.
- Como podiam dar valor á isso? Um crânio de 11000 a 11500 anos. – Mat sorriu daquilo e pegou o crânio com a mão direita. – Oi Luzia, como vai? Por acaso não viu um clone moderno, modelo Daniel, vagando por aí, fantasiado de Boi Bumba, viu? – Ele disse sorrindo, por fim pegou o crânio e jogou contra parede com toda sua força. O crânio ruiu-se caindo em pedaços.
...
Felix preocupado com Mara levou a mão ao bolso encontrando o aparelho que ele devia tê-la entregue no acampamento. Ele queria que aquilo fôsse dela. Era o que ele havia dito. “Tenho algo para você Mara.” Mas por que não entregou afinal? Em sua mente tudo estava confuso. Sentimentos diversos o tomando. Felix queria ser mais do que ele era, mais do que um simples banco de dados, por que ele era tão real e tão imaginário ao mesmo tempo. Vivia uma vida que não era dele, mas todavia aquilo era tudo que conhecia. Daniel estava á protegendo naquele momento. Felix sabia que ele a protegeria, mas aquilo não era o suficiente. Ele não podia arriscar. Pegou sua arma e seguiu seus instintos, em meio ao silencio daquele museu.
...
- Onde estamos? – Mara estava confusa, por mais que enxergasse as paredes não podia conectar-se á tudo. Daniel segurou a mão dela e a colocou sobre algo.
- Pode ver? – Ele perguntou olhando para aquilo cheio de recordações.
- É um esqueleto de uma... – Ela disse extasiada.
- Sim... de uma baleia Mara. Uma baleia maravilhosa. Hoje em dia, algo raro de se ver. Também há uma cabeça enorme de um dinossauro caída á sua frente. Esse passeio me traz lembranças muito especiais. Foi aqui que tudo começou Mara.
- Tudo o que afinal? Sua idéia louca de matar 27 pessoas? E todas através de cruéis execuções que por acaso eram as mesmas que este seu clone tem feito, imagens que não sairão da minha cabeça nunca. Foi quando eles escutaram o grito abafado á metros de distância dali. Mara reconheceu a voz enquanto uma cantiga estranha chegava á seus ouvidos.
O meu boi morreu
O que será de mim?
Manda comprar outro, ó maninha
Lá no Piauí"
- Droga! – Disse Daniel saindo correndo em direção ao som, puxando Mara consigo.
...
- Maldição! Onde estou afinal? – João seguia adentro do estranho museu e se perdia cada vez mais. Ele ouvia passos. Passos pesados, firmes e pretensiosos. Entrou numa sala estranha, gavetas por toda parte. Em cada uma delas um nome diferente. Como uma biblioteca, mas não havia livros e sim armários com peles taxidermizadas e esqueletos de primatas da coleção de mamíferos, do departamento de vertebrados. Aquele nada mais era que o maior acervo de vertebrados neotropicais do continente. Mas ele não sabia que diabos era aquilo, tampouco conseguia ler o que estava escrito nas gavetas gravado em placas de metal enferrujadas pelo tempo. A curiosidade o visitou repentinamente. Á medida que penetrava naquele lugar estranho, sentia um cheiro diferente no ar. O agente levou a mão até uma gaveta e puxou-a.
- Que merda é essa? – Disse assustado. Olhou a próxima... e a próxima... as gavetas estavam cheias de animais, um acervo de primatas mortos. João olhava para aquela imensidão de gavetas, aturdido.
- Que merda de museu é esse? – Foi quando sentiu o local ficar mais escuro como se a luz de repente houvesse sido cortada no museu. Entretanto logo lembrou-se que a única luz que havia ali era a do sol.
- Puta merda! – Balbuciou ouvindo um grito sibilar cortar a tarde.
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Mat continuava andando quando ouviu o chamado, seus instintos aguçaram-se e ele percebeu que logo aquele lugar estaria repleto deles. ”Mas afinal onde estava o clone?” – Ele se perguntava constantemente.
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O clone olhava-a, podia ver os olhos de Verônica pelos buracos do olho do Bumba, o ar faltando em seus pulmões. O calor a matando enquanto o bronze esquentava cada vez mais. Chamas em volta do local enquanto a representante amazonense tentava respirar e manter-se viva ali dentro. Ela então levou a boca até o berrante e puxou o ar. O animal fez um barulho estranho como se estivesse vivo.
- Vai uma língua de boi aí tio Chico? – O clone ria desgraçadamente enquanto lá dentro do boi a amazonense debatia-se tentando sair dali de alguma forma. A fumaça cada vez mais tirava o ar de dentro do boi de bronze, a temperatura aumentando cada vez mais. Verônica livre de cordas e de suas roupas que estavam agora queimando sob o boi, procurava um meio de respirar no interior do animal, gritos exaustivos chegavam até o assassino que assistia a tudo pacientemente.
O clone ouviu passos em sua direção e logo percebeu que alguém estava vindo.
- Até que enfim! – Ele se vangloriou esgueirando-se para trás de uma coluna.
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Felix corria desesperado pelos túneis, mas parecia ter se perdido. Olhava ao redor, entrara pela porta que Mara e Daniel haviam entrado, mas não conseguia achá-los. Os corredores levavam á lugares diferentes. Depois das ultimas reformas, o Museu ficou parecendo um labirinto, principalmente agora que era um maldito palácio em ruínas.
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- O que vamos fazer Senhor? – Perguntou um dos soldados enquanto Paulo via a multidão de Nanoinfectos correr em direção ao Museu. Criaturas que se moviam com uma agilidade assustadora. Saltavam como animais. Ele os olhou, acompanhou-os por um breve momento e virou-se para o soldado.
- Não vamos interferir. Quem sabe eles façam parte de nosso trabalho. – Dutra disse sorrindo maliciosamente enquanto seus olhos estreitaram-se e sua Iris ficou avermelhada por um breve instante e tão logo voltou á sua cor normal. O soldado recuou um passo e voltou a olhar pela janela do furgão.
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- Que droga! – Esse lugar ta infestado destes monstros. Tenho que arrumar um jeito de sair daqui logo. – João olhou ao seu redor, mas a única coisa que podia ver era um bando de gavetas enormes cheias de carcaça de animais. As criaturas pareciam estar à procura dele. De alguma forma haviam sentido seu cheiro. João sabia que não seria capaz de enfrentar um bando de Nanoinfectos sozinhos. Nem mesmo com essa nova força que havia ganhado. Olhou para o chão, e viu pela fresta sob a porta a sombra das criaturas que decerto o haviam encontrado. Ouviu a primeira batida na madeira e sentiu-se acuado. Ele se afastou de costas encarando a porta. Os monstros a esmurrando, a madeira sentindo cada golpe, e de repente sendo atravessada por um braço em carne viva, queimado, desfigurado e negro. O agente viu o olho que o espiava pelo buraco formado pelo braço, um olhar canibalesco, as pupilas deformadas e os olhos amarelados exaltavam a fome da criatura que farejava o ar como se alimentasse de seu cheiro. Ele puxou uma gaveta contra si pensando em jogar contra a criatura assim que ela entrasse pela porta numa tentativa de fuga, e de repente sentiu-se sem equilíbrio, o chão moveu-se em sentido circular, João abriu os braços assustado, olhou ao seu redor e não viu mais as gavetas que o cercavam, tampouco os nanoinfectos que o perseguiam.
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Mara podia ver Daniel por completo. Um homem que havia parado de envelhecer, preso em uma cápsula, e agora solto depois de tanto tempo. Ela sentia sua respiração. Os batimentos cardíacos dele. Poderia talvez até ler seus pensamentos, isto se ele de alguma forma não a impedisse. – Mas como ele fazia isso afinal? Por que a conexão entre os dois era tão forte? – Mara queria respostas. Mas agora não era uma boa hora. Eles estavam de frente para a maldita máquina da morte. Um animal de bronze soltando gemidos pela boca. Daniel enxergou-a á sua frente. Ouviu o som das batidas agonizantes de Verônica que gritava com a pouca força que ainda sobrava, em meio a dor das queimaduras e o pouco ar que ainda lhe restara.
- Onde ele está? – Perguntou Daniel.
- Temos que salvá-la. – Mara disse aflita.
Daniel olhou ao seu redor percebendo que parecia não haver ninguém ali e correu na direção da máquina, quando sentiu-se empurrado ligeiramente por algo e caiu no chão. Ele se viu naquele momento. Era o maldito clone sobre ele com as mãos próximas agarradas á seu pescoço afim de esganá-lo.
- Daniel? – Mara procurava apalpando o ar enquanto verônica cada vez mais fraca pedia por socorro respirando exaustivamente pelo berrante.
O clone investia com toda sua força, Daniel se defendendo, olhava na direção de Mara, mas a voz dele não saiu. Mara estava caminhando em direção as chamas sendo guiada pelo calor e pelos murmúrios da vitima que estava á beira da morte.
- E agora Daniel? Logo seremos apenas um e você não existirá em minha cabeça, porque você não passará de passado seu imbecil! Acha mesmo que pode ser melhor que eu? Eu sou um Deus Daniel! Um Deus... – O clone apertava o pescoço de Daniel com toda sua força, enquanto ele tentava de alguma forma fugir das garras do demente. Suas mãos imobilizadas pelos joelhos do clone. As armas caídas ao seu lado.
- Maldito! Você tem que parar com isso! – Daniel dizia em vão, enquanto a sede pela sua morte era algo claro no sorriso sarcástico do clone.
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Mat seguia perdido quando viu o bando de nanoinfectos correndo em sua direção. Estava acuado em meio ás antiguidades dali. Como uma multidão de lobos famintos, eles vinham ao seu encalço. O primeiro tiro da Winchester acertou a cabeça de um dos nanoinfectos, mas isso não era o bastante, os outros vinham á seu encontro obstinados e famintos. Mat sabia que não adiantaria correr por muito tempo. Tinha que encontrar os outros antes que fosse tarde demais para todos eles.
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- Onde estou? – Perguntou-se João vendo uma espécie de sala. O agente logo percebeu que aquela gaveta era uma espécie de dispositivo que acionou uma passagem secreta para um cômodo escondido naquela estranha estante de corpos. Olhou ao seu redor e se deparou com uma sala enorme, e viu que ali não havia nada há não ser um acervo de potes cheios de estranhos fetos de primatas em meio á um liquido estranho de cor avermelhada. Ele estava em uma espécie de laboratório antigo.
- Mas que merda é essa? – O agente se perguntou, olhando para as dezenas de primatas. – Havia algo errado ali. Mas para que e porque eles estavam escondidos naquela sala?
A passagem secreta havia fechado-se deixando os nanoinfectos confusos.
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- Verônica? Você está aí? – Mara apalpava o ar sem sucesso, até que tropeçou em algo e sentiu o fogo arder sobre sua cabeça, o cheiro de queimado invadiu o ar e ela bateu as mãos sobre seus cabelos desesperada apagando as chamas. Pôde então ouvir a suplica da mulher, que implorava por sua própria vida.
- Me tire daqui! Está queimando... – A mulher tossia enquanto o ar esvaia-se cada vez mais. Verônica levou a boca até o berrante e puxou o ar tentando manter-se viva. O som chegou aos ouvidos de Mara como fosse uma martelada de agonia.
- Vou te tirar daí. – Ela disse levantando-se e tentando encontrar uma forma de tirá-la de lá. Mara não podia vê-la, mas conseguia absorver muito do que ela passava pelos gritos arrastados da amazonense. Mas como vencer aquele fogo e chegar até a portinhola?
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Mat estava encurralado, correu pelo corredor dando de cara com algo estranho e enxergou uma saída para aquela situação. Olhou para Winchester, aquela parecia uma boa hora para economizar balas. Abriu a porta e entrou em meio á escuridão ouvindo o quebrar e rolar de pedras entre os entulhos daquele corredor arruinado. sentiu algo bater forte sobre sua cabeça, a poeira caiu ligeira sobre seus rosto inebriando sua visão e aguçando um espirro delator. Mat abraçou-se a sua espingarda pronto para usá-la, seus dedos escorrendo pelo gatilho enquanto o maldito ser pisava sobre a madeira oca daquele velho sarcófago e ele prendia a respiração contendo o espirro.
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Daniel poucas vezes havia sido tão surrado em um combate corpo a corpo, mas á levar-se em conta que lutava contra um clone que conhecia todos os seus golpes ele até resistia bem á situação. Seus olhos chegavam a lacrimejar enquanto era sufocado pelas mãos impiedosas do frio assassino que espreitava sua morte. Daniel precisava de um maldito milagre.
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Mara levantou-se com uma pedra em mãos disposta a encontrar a portinhola e livrar a política da morte. Caminhou em meio ao calor escaldante do fogo que cercava o boi de bronze, mas não havia outra escolha. Levou as mãos até o metal em uma atitude insana e sentiu o fritar de sua pele chegar a seu cérebro em forma de uma dor tremenda, provocando uma contração muscular. Mara fechou os olhos como se aquilo a impedisse de enxergar, pelo contrário a detetive do gelo agora podia ver tudo, toda a máquina de execução, e então percebeu que a portinhola ficava na parte de trás do Boi Bumba. Tirou suas mãos enquanto as lágrimas escorriam de sua face, devido tamanha dor que sentia naquele momento. Lutou contra isso e correu na direção da portinhola batendo com a pedra no cadeado que a prendia ate que ele abriu-se e Verônica escapuliu pela abertura em meio a gritos de horror. Ela estava em estado de choque.
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Felix chegou e viu a cena assustado. Daniel e o clone eram idênticos, algo que ele e Pedro nunca seriam. Ele ergueu a arma e apontou para o assassino que olhou-o surpreso.
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- Quem é você? – Perguntou o clone, confuso por não reconhecer aquele homem que estava á sua frente. Felix puxou o gatilho e o projétil perfurou o chão fazendo com que a poeira espirrasse no rosto de Daniel, antes disso havia passado próxima a cabeça do clone.
- Na próxima, você será o alvo. Largue o Daniel, seu impostor.
- Vejo que já não são só os três patetas. Agora são um clube? – O clone afrouxou as mãos da garganta de Daniel com certo pesar. Daniel rolou para a direita em meio a uma crise de tosse buscando recuperar o ar que havia perdido, enquanto fazia caretas de dor.
- Você está bem Daniel? – perguntou Felix enquanto segurava a arma apontada para a cabeça do clone.
- Agora que estamos com esse idiota, estou melhor. – Ele disse levantando-se. - Onde estão os outros?
- Ta perguntando daquele bando de políticos idiotas. Eles merecem morrer Daniel, como cada um daqueles que você matou.
- Te perguntei onde eles estão. Daniel disse dando um murro na cara do clone. O rosto dele seguiu a direção do punho esquerdo do condenado. O sangue brotou entre seus dentes enquanto ele sorriu insanamente. Daniel pegou uma de suas pt’s e apontou para cabeça do clone.
- Ajude-as, enquanto eu vigio esse idiota. Logo ele vai nos dizer a verdade. Felix seguiu na direção de Verônica e Mara
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Mat quase não acreditou naquilo tudo, a criatura deu um salto e saiu de cima daquele estranho caixão. Ele rompeu a tampa que caiu de lado.
- Obrigado Harsiese! – Ele disse ao ler a inscrição na placa ao seu lado.
“Tampa do Caixão de Harsiese, XXVI dinastia , cerca de 650 a 600 a. C. Egito.”
- É, agora entendo o porquê que davam tanto valor a essas antiguidades. Até que podem ser úteis. Ele bateu a poeira e saiu carregando sua espingarda.
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João saiu da sala pelo mesmo lugar que entrou. Ele havia visto coisas demais ali dentro. Afinal o que seria tudo aquilo? Os nanoinfectos não estavam ali, mas para onde teriam ido? Ou melhor atrás de quem teriam ido?
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Daniel e o clone trocavam olhares enquanto Felix cedia sua camisa para Verônica, que estava repleta de queimaduras pelo corpo, murmurando palavras sem sentido, ainda pedia socorro. Seu rosto estava irreconhecível. Mara podia vê-la enquanto tocava em seus braços. Eles caminharam na direção de Daniel. O clone olhou-a e deu um sorriso de deboche.
- Acho que me venceram desta vez. Mas fala sério... essa aí não passa de um peso para vocês!
- Ela vai ficar bem. Pense de uma maneira positiva. Será culpado por um assassinato a menos. Agora nos diga onde estão os outros membros? – Mara estava estarrecida.
- Hum... Então ela puxou ao pai... O clone riu sinicamente.
- Cale sua boca maldito! Diga apenas o que queremos saber! – Disse Felix.
- Afinal... quem é você? – O clone perguntou enquanto estalava seu pescoço num gesto sarcástico.
- Ele é meu pai, idiota! – Disse Mara.
- Ups... Então é isso... Agora estamos todos aqui. A grande família reunida. Que falta de criatividade. Clonaram você também. È o que você sempre disse Daniel. Gosto é igual a bunda, cada um tem a sua! Idiotas clonando idiotas. Mas logo tudo isso vai acabar, como deveria ter acabado há tempos, não? Por que não falamos mais da nossa história juntos Pedro? Da nossa amizade? De tudo que compartilhamos? Estava com saudades de você amigo.
Os dedos de Daniel escorregavam pelo gatilho da PT, como se fosse uma criança em um tobogã, se divertindo, louca para que caísse logo na água e subisse outra vez para uma nova descida.
- Vocês nunca os encontrarão Daniel. Estão mortos! Ou quem sabe, estarão logo... – Foi quando Mara sentiu aquele mesmo cheiro, e seus olhos se abriram ainda mais. Verônica sorriu estranhamente em meio sua loucura e gritou enquanto gargalhava.
- Eu sabia que eles estavam aqui. Vão te matar seu maluco! – Uma sombra então saltou na escuridão, atingindo Daniel e logo chegaram mais deles. Os nanoinfectos haviam os encontrado. Mara Levou as mãos aos olhos de Verônica e atirou acertando o nanoinfecto que estava atacando Daniel.
- Droga! Temos que sair daqui! – Disse Felix olhando o bando de criaturas que os cercavam. Daniel levantou-se e olhou na direção do clone, e surpreendeu-se ao ver que ele não estava mais ali. Porém não havia tempo para lamentações, os nanoinfectos estavam os encurralando. Mara segurava Verônica pelo pescoço como se a fizesse de refém, Felix caminhava ao lado delas, Daniel ía na mesma direção. Todos encostando-se na parede enquanto os monstros caminhavam como gatos em busca da presa, aguardavam o golpe de misericórdia.
...
O clone corria covardemente de três outros nanoinfectos que o seguiam, estava desarmado e sozinho. As criaturas eram mais rápidas que ele, o arranhavam, mas ele era sagaz e carregava uma enorme bagagem de combates em sua memória. Um dos muitos presentes de sua vida passada. Mas até quando ele iria conseguir se livrar deles? O suor já escorria-lhe o rosto, e uma sensação de medo o tomou. Algo que ele desconhecia até então. Correndo contra o tempo o clone olhava para trás e as garras rasgavam o ar á sua procura. O temor trouxe o descuido e ele tropeçou em uma pedra de concreto, um mero entulho o derrubou. Os nanoinfectos avançaram feito cães.
...
João e Mat se encontraram correndo em direção aos gritos das criaturas, e os viram mais á frente prontos a dilacerar os corpos dos três.
...
- Graças a Deus! – Disse Mara ao ver os dois que chegavam atirando contra o bando de canibais surpreendendo-os. Daniel, Mara e Felix ganharam força naquele momento e atiraram junto a eles.Os monstros caíram um á um.
- E o clone? – Perguntou João.
- Fugiu, depois de estar em nossas mãos. Vamos atrás dele! – Disse Felix enquanto Daniel permanecia cabisbaixo. – Daniel, não foi sua culpa.
- Talvez não, vamos logo. – O agente pegou Verônica no colo deixando Mara novamente sem sua visão, entregando-a aos braços de Felix. Daniel e Mat seguiram na frente atentos. O lugar ainda estava cheio de nanoinfectos.
...
O Clone sentiu-se agarrado pelos pés e puxado para trás por duas garras, mas isso foi por pouco tempo. Os corpos dos nanoinfectos logo caíram mutilados, alvejados pelo potente calibre da 5,7 X 28 mm da FN P90, uma submetralhadora com carregador para 50 munições, e com configuração bullpup, onde o gatilho se encontra á frente do carregador de munição, fazendo com isso que a arma seja ideal para ambientes confinados como aquele. Diego olhou para os corpos caídos e sorriu para o clone.
- Então você não é tão durão assim? – O clone tirou as mãos dos ouvidos e o encarou sem esboçar expressão alguma. Levantou-se e trombou de ombros com Diego, seguindo na direção do ônibus. – E idiota, não desvie mais da rota, na próxima o endereço das minhas balas pode ser outro. – Diego disse de costas para ele que entrou no ônibus e decolou.
- Vamos entrar! – Diego Macedo deu ordem para os outros que entraram apontando suas armas, enquanto as lanternas iluminavam o local e o sol se desvencilhava das nuvens. – Vamos ter um dia daqueles!
...
- Parem! – Disse Mat.
- O que foi agora? – Perguntou Mara tentando escutar algo de diferente.
- Temos companhia! Eles então viram as luzes das lanternas em meio a escuridão.
- Merda! – Disse Daniel. - E agora?
- Felix! Presumo que esteja aí encolhido como um ratinho. Sugiro que entregue o prisioneiro e a detetive. E é claro nosso novo consangüíneo, o agente Silva. E quem sabe sua morte será menos dolorosa que a deles. Vocês estão encurralados aqui. As quatro saídas estão cobertas. Não dificultem meu trabalho. – Ele dizia enquanto sinalizava para os soldados avançarem.
...
- Venham comigo! – Sussurrou João esgueirando-se por um corredor lateral.
...
Continua...
Datas dos próximos episódios...
Episódio X - 29/11
Episódio XI - 03/12
Episódio XII - 07/12
Episódio XIII - 12/12
12/12/2011 - Aniversário da minha amada... data da postagem do final deste conto que está me ensinando tanto sobre a cidade maravilhosa onde meu melhor amigo do recanto se esconde... "Rio de Janeiro"...
Logo posto o titulo original...
Pena de Morte - "Capitulo IX - No estômago do Boi Bumbá"
Leiam também...
Pena de Morte - Capítulo I - O condenado
Pena de Morte - Capítulo II - O clone
Pena de Morte - Capítulo III - A Cilada
Pena de Morte - Capítulo IV - Afogados
Pena de Morte - Capítulo V - Monumento aos Mortos
Pena de Morte - Capítulo VI - Zumbi?
Pena de Morte - Capítulo VI - O Mutilado
Pena de Morte - Capítulo VIII - Vampiro, Monstro, ou amigo?
Pena de Morte - Capítulo IX - No estômago do Boi Bumbá
Espero que gostem...
A todos um forte abraço e que Deus lhes abençoe e ilumine sempre.