Acampando com o Mal

— Nossa!!! Agora essa tralha toda tá pesando hein Cesar?!

— Para de reclamar, você sabia que era longo o caminho... quis levar a casa inteira, né Roni!

— He he he! Agora guenta Roni!!! He he!

— Até você Monica me zuando agora!

Os dois amigos de Roni o gozavam pelo caminho, assim a penosa caminhada se tornava mais amena. Aquele final de semana prometia, combinaram de acampar, voltariam na segunda de manhã para ainda dar tempo de ir para o colégio.

O local escolhido pelos aventureiros não ficava tão longe da cidade, uma chácara abandonada, a vegetação escassa com poucas árvores mudou para um matagal alto ao chegarem próximo ao seu destino. Uma pequena e longa trilha saindo da estrada de terra os levou à entrada da pequena propriedade campestre, onde pularam a cerca que se confundia com a mata nativa, caminharam até a porta do casarão abandonado, todo lacrado com grandes tábuas nas portas e janelas, madeiras que apresentavam sinais de velhice e cupins.

Árvores frutíferas com folhagens exuberantes e espessas deixavam a luz do sol passar com feixes em tons de ouro, irradiando a paisagem. Os cantos dos pássaros entoavam a sinfonia da liberdade enquanto os amigos se dirigiam para os fundos da propriedade. Roni e Cesar, vez ou outra se olhavam com piscadelas maliciosas e olhavam ao redor procurando um lugar mais limpo e plano para poderem armar as barracas.

Os olhares dos moços faziam referência à Monica, menina bonita, de boa companhia e conversa. Esta já havia “rodado a banca” na escola e não por acaso foi convidada pelos amigos, suas intenções não estavam apenas fincadas neste camping, visto que um “ménage à trois” cairia muito bem nas previsões dos safadinhos.

Enxergaram um grande celeiro, lacrado por correntes, vegetação, ao fundo, encostada, uma árvore de uns 20 metros de altura, 6 de circunferência com caule cheio de veias e galhos com folhas cor de ferrugem retorcidos para baixo. Aquela árvore estava sustentando o peso do celeiro velho.

Uma rajada de vento e o escurecer do sol rápido, indicavam que uma tempestade de verão vinha sem demora. Os pingos d’água, grossos e gelados, estouravam nos rostos dos amigos que desesperados por abrigo, arrancaram duas tábuas velhas da antiga construção e adentraram a ela. Respirações fortes por causa da correria, mas que valeram a pena por estar em lugar livre da chuva pesada ou pelo menos parte dela, já que pingava muito dentro daquele lugar. Local cheirando a mofo, muito pó, frestas deixavam a luz passar e ter um pouco de iluminação, a velha construção estava por um triz para cair de vez, definhando realmente.

— Cesar, dá uma olhada aqui! Disse Roni espantado.

Monica e Cesar dirigiram-se aos fundos onde estava Roni. Chegando lá curiosos e ofegantes, fitaram Roni ajoelhado ao que parecia ser um poço lacrado com madeira já velha. Ao fundo e de frente à recém-descoberta perfuração fechada, havia um tipo de capela, pequena, com muitas divisões, muito empoeirada e cheia de imagens e ídolos que se assemelhavam a diabretes. Horrendas eram tais imagens, sabe-se lá para qual finalidade estavam ali, será que houve cultos pagãos naquele lugar ou era apenas uma coleção de medonho gosto?

Com um pedaço de ferro achado no chão Roni conseguiu estourar duas tábuas que lacravam o poço. Com a pequena lanterna que trouxe mal clareava alguns metros de profundidade. Jogou uma pedra ao qual fez barulho igual ao que golpeando a água. Enfim teve, com as desaprovações de Monica e Cesar, a infortuna ideia de descer, com uma corda e a pequena lanterna, desceu rápido, não enxergou nada de mais fora aranhas e pequenos insetos, até que mirou no que seria o suposto fundo do poço, uns 10 metros abaixo de onde estavam seus amigos.

Não era o fundo propriamente dito visto que existia um túnel e uma bifurcação. A corda já tinha acabado mas ele estava a poucos centímetros do chão, pulou e gritou para seus camaradas:

— Cesar! Monica! Só vou ficar mais um pouco... tem uma passagem aqui... vou dar uma olhada.

Cesar deitado de cara para a entrada do poço, ainda viu alguma coisa com a pouca luminosidade que emanava da lanterna de Roni. Não tiveram tempo de retrucar o amigo...

— Aaaaaaiiiiiii!!! Me solta caralho!!! AHHHHHH!!!!

Monica e Cesar desesperados começaram a perguntar, chamar por Roni, sem saber oque realmente aconteceu.

Roniiii! Você tá bem? Gritou Monica muito nervosa.

Fala alguma coisa brother... Pra gente saber se você tá bem... Clamou Cesar com a voz embargada.

A inação do som, a demora na resposta de Roni, angustiava, amedrontava, gelava a alma dos amigos.

— Cesar... Cesar... me tira daqui irmão! Socorro! Me morderam, me... me unharam... AHHHHH! Sai daqui seus filhos da puta! Socorro Cesar! Moniquinhaaaa!!! Aaaaiiiii!!!

Os dois amigos que estavam na boca do poço se apavoraram de vez, oque fazer se estavam morrendo de medo, não sabiam oque estava lá fazendo mal ao seu amigo e por outro lado não abandonariam o companheiro aquela cruel sorte, ainda mais com ele esbravejando por seus nomes em tons de sofreguidão e martírio. Mais uma vez o silêncio, silêncio partido por uma voz rouca, fina e penetrante foi logo dizendo:

— Cesaaar! Monicaaa! O gosto do seu amigo é ótimo... he he he... Ele lutou, nós não queríamos isso... só queríamos as falanges... só os dedinhos... mas a fome é muita...

— Mãe... Eu te amo mãe... Coff coff ... Me tira daqui... Meu Deus que dor!!! Socorro Cesar!!! AHHHHH!!!

Cesar decidiu descer, mesmo com as súplicas de Monica pedindo pra ficar e ir buscar ajuda, desceu pela mesma corda que Roni. Também carregava uma pequena lanterna e com ela, trêmulo, iluminava as paredes daquele buraco da morte.

Viu algo se mexendo rápido, fitou para baixo com a lanterna e viu uma parte do corpo de Roni, o chão parecia ensopado de sangue, se assustou com um zumbido no seu ouvido esquerdo, e outros zunidos e vultos pequenos passavam rápido por ele. Num dado movimento veloz com a lanterna, enxergou um dos malfeitores, feições parecidas com a humana, dentes serrados, chifres protuberantes na testa, pele avermelhada, um diabrete, um não, muitos deles pularam e agarraram Cesar que veio ao chão quebrando uma perna.

—Monicaaa!!! Aaaaaiiii!!! Correeee!!! AHHHHH!!!

Os pequenos demônios agora saboreavam com fervor e gula Roni e Cesar. Dessa vez a garota ouviu os gritos dos amigos e com a ajuda dos ecos que ressoavam para fora do poço, escutou além dos gritos estridentes de seus camaradas, as vozes ferozes e até o barulho dos dentes cravados na carne se ouvia, um verdadeiro concerto do inferno pra os ouvidos da moça.

— Monicaaa! Só falta você! Já podemos sentir o teu cheiro de mulher!!! Ha ha ha!

Monica saiu em disparada, correndo como louca, largou tudo que trouxe no celeiro, corria desesperada, vez ou outra olhava para trás, quando num desses movimentos tropeçou numa vala oculta pelo mato, caiu com violência batendo e quebrando seu pescoço. Triste fim para a bela moça, mas não teve o horrível destino de seus amigos.

Dias depois uma busca achou Monica na vala, mas seus amigos nunca foram encontrados. Os demônios agora estão soltos, não andam de dia, são sensíveis à luz, mas agora a brecha deixada pelos amigos deu caminho livre para eles, estão fortes, mas ainda famintos, maus, ferozes e sedentos por sangue, sairão e farão mais vítimas do seu apetite brutal, foram criados para a noite e a noite é deles.