Bullying- a obra de arte macabra

Zeguifredo, este era o seu nome. Tivera que suportar o bullying, desde o ensino básico. Quando a professora fazia a chamada do dia e pronunciava esse nome: "Zeguifredo" - todos riam à vontade, até a professora. Então, vivia isolado no fundo da sala. Calado, com uma timidez insuportável. A sua predileção pela morte era o êxtase que denunciava uma tendência suicida que o atormentava por toda a vida.Era alto, magro, de rosto esquelético. Usava os cabelos crespos, feito um capacete. O nariz era afilado e comprido.Morava com a mãe- uma senhora gorda e branca, numa casa de humildade sofrível. Era filho de mãe solteira, não conhecera o pai-e, parecia não fazer questão para tal. Usava um óculos fundo de garrafa - os olhos ficavam miudinhos. Na escola, tremia quando era a sua vez de ir ao quadro-negro fazer a sua demonstração de aprendizado. O coração acelerava, suava frio-tremia nas bases. Sabia que todos estavam olhando-o com censura. Criticando silenciosamente a sua postura - a coluna meio encurvada. A calça jeans desbotada, a camisa encardida, surrada, de vários anos de uso. O tênnis barato e velho. Falava gaguejando, era o aluno que mais demorava no quadro-negro, apesar de temer estar ali. A tensão lhe dava branco, falhava no raciocínio. Muitas vezes estancava, nada dizia.A demonstração não mais funcionava. Suava frio, a ponto de sentir as gotas descendo pelas pernas. A testa ficava molhada.

- Burro, idiota. Pensei que a sua feiúra pudesse ter uma compensação tendo uma boa inteligência. Todas as vezes que vem ao quadro é isso...

Dizia a professora. Ele suava frio - todos riam de sua cara. Risos silenciosos, de hienas.

- Vai, vai se sentar...

Ordenava a professora, com desdém, desprezo e agressividade.

" Vou me matar." - Pensava.

" Mas, antes disso, vou fazer uma grande obra de arte."

Vivia dizendo para si. Era o único momento de conforto, que existia em seu ser, quando assim pensava. Os olhos brilhavam.

Naquele dia, durante o intervalo, na escola, alguém lhe tirou do isolamento, da solidão programada. Gritaram assim:

- Babaca,ei. Ta faltando um, entra no baba pra preencher uma vaga.

Ele entrou. às vezes não sabia dizer não, era como se fosse de posse do mundo, de todos- podiam fazer com ele o que bem quisessem. Então, descobriram que tinha drible, bom passe, velocidade-tinha talento para jogar bola- ele foi feliz, por um breve momento. Acabou entrando para o time da escola, disputaria as Olímpiadas Escolares. Jogava como meia-esquerda. Era canhoto, batia forte na bola, ás vezes com charme, de trivela. Sabia fazer lançamentos de média e longa distância. Um craque, talvez, estivesse no futebol a sua felicidade, quem sabe, a futura profissão.

- Como é o seu nome?

Perguntou o professor de educação física e técnico do time da escola.

-Zeguifredo.

respondeu, com insegurança, a voz fraca, embolada.

Todos riram, até lacrimejarem.

Um dos colegas da escola, observou:

- Professor é a maior dificuldade pedir uma bola a ele: Ze-gui-fre-do.

Todos riram.

- Quando se termina o nome dele, ja estamos marcados.

- Vai ser Zé no nosso time. E so.

Todos riram, aplaudiram. Maior zuada. Ele permanecia calado, olhos no chão. Nos treinos, os mais fortes trombavam com força, jogando-o ao chão. Caiu feio, por ser muito leve, ficava todo arranhado e machucado.

Todos riam. desistiu de jogar bola. Desapareceu dos treinos, sem avisar.

" Vou me matar."

Pensava. Era uma idéia fixa. Uma auto-obsessão: Suicidal Tendencie.

" Antes do feito - farei uma grande obra-de-arte. Ficará para sempre."

Pensava, com obstinação.

Anos mais tarde, entrou para a Escola de Belas Artes. Era um aluno aplicado, de talento mediano. O futebol ficara para trás. Vivia entre pincéis, tubos de tintas, lápis, papel e telas. Terebentina, guaches, tintas à óleo. Aquarelas,vitrais,aguadas. Técnicas mistas. Marinhas, retratos, casarios,natureza-morta...lendo livros de artes, visitando museus e obras, de forma interminável pela net.

Experimentava. Fazia de tudo um pouco, até esculpia.

" Farei uma grande obra-de-arte - para marcar o mundo. Superarei os grandes mestres. Van Gogh, Renoir, Da Vinci, Braque,Degas,Gauguin,Gioto,Matisse,Michelâgelo,Monet,Renoir,Toulouse Lautrec,Van Gogh. Farei uma obra superiror á todo o acervo deixado pelo gênio da pintura Picasso. Deixarei uma obra, uma única obra que será marcante. Eu entrarei para a história das artes no mundo."

No concurso realizado, naquele ano, pela Escola de Artes, ele foi o escolhido, por ser o aluno mais aplicado, o mais interessado, sem faltas e com o maior número de obras experimentais. Naquele dia, quando apresentaria a sua idéía para a Curadoria da escola, apresar da idéia da obra ter que ser mantida em segredo, foi ele, o mais convincente. A sua verba seria a maior. Então, ganhou a maior parte do dinheiro disponível para os alunos. gastou-o em madeira. Fez um grande painel nos fundos da escola. Precisaria de tinta,rolos de pintura em parede, também. Diante da Curadoria, pediu:

- Vou precisar de pregos grandes, agulhões, serrotes, machadinhas e material de açougue.

Todos riram." Ele era um artista ou um açougueiro?" - Indagavam.

Passavam por ele, perguntavam:

-Zeguifredo ta fazendo o quê? vai montar um açougue na Escola de Belas Artes?

Diziam, apontando o imenso painel de madeira decorado com ganchos de pendurar carne de boi. Ele nada dizia.

Todos riam. O bullying havia retornado com força total.

" Vou me matar."

Ele pensava, com os olhos no chão. Nunca tinha o respeito de todos, nem na Escola de Belas Artes. Devido a ele ter sido o escolhido para ser o representante da escola, os demais alunos sumiram, por que o invejaram, aprenderam a odiá-lo mais ainda. Estavam,talvez, chocados por terem perdido para um tal Zeguifredo da vida - um motivo de vergonha inquestionável.

Gastou o restante do dinheiro disponibilizado para a sua obra de arte para metros e mais metros de plástico preto - não queria ser visto trabalhando. Pediu aos professores para que a área fosse isolada - para evitar o acesso dos alunos curiosos. Obedeceram, afinal de contas, ele estava sendo o primeiro, o número 1 da escola. Passava noites longas ali dentro. Ouviam as batidas do martelo na madeira, o serrote. O som ligado alto. Trabalhava ouvindo Trash Metal. Uma parte do dinheiro foi gasto com transporte - uma van foi alugada. Ele mesmo a dirigia. Ele trabalhava sozinho, como sempre, um solitário.

O dia da vernissagem. A grande surpresa. Esperavam os professores,que poucos alunos iriam prestigiar a sua exposição. Todos iriam ri dele, pensavam, não compareceriam, apenas quatro gatos pingados, os convidados da escola e a imprensa. Ele baixaria a cabeça. talvez pensasse: " vou me matar."

Ledo engano, para surpresa de todos, grande número de pessoas compareceu. Os alunos de outras turmas, o pessoal da Escola de Artes cênicas, da área musical, letras. Mais os familiares e amigos.

Zeguifredo resolveu fazer uma homenagem aos seus colegas do primário, e alguns da Escola de Belas Artes. Ao descobrir o grande painel para o grande público, ao cair da lona negra - o maior dos horrores, uma obra chocante, impactente, digna do mais cruel dos seres humanos, uma obra digna de um grande Mestre do Horror das artes plásticas - para marcar o mundo e as pessoas para todo o sempre

O painel imenso, pintado de roxo,vermelho e preto tinha os colegas pregados no painel com grandes pregos. As vísceras estendidas formavam uma imensa teia de aranha vermelha. O sangue escorria, de forma abundante. Os olhos arrancados estavam todos num único canto, presos com grandes agulhas. Filetes de sangue escorriam, dando um toque a mais. Alguns corações ainda batiam. Podia se ouvir gemidos baixinhos, de alguns e espasmos sem energia de outros. Os braços foram espalhados pelos cantos do grande painel. Algumas pernas, também. Outros ficaram inteiros. Os cabelos foram arrancados e espalhados. Alguns dedos foram distribuídos e colados - apontavam para frente, deixando o espectador horrorizado. As peles foram arrancadas e espalhadas pelo grande painel, formando longas tiras num ensaio de arte macabra. Partes frescas dos esqueletos decoravam setores do painel. Ocorreram desmaios entre as pessoas da platéia, os professores ficaram pasmos - os alunos das outras turmas engasgaram, de medo. Os convidados, chocados.

Ninguém riu dele naquela noite. Então, Ziguifredo não se matou. Foi preso e cumpre pena numa Colônia Penal.

" Fiz uma grande obra de arte. Picasso ficou para trás e os Grandes Mestres da Pintura."

pensou, diante do horror de todos da platéia. As professoras desmaiaram, quando avistaram uma senhora idosa pendurada pelo pescoço - não tinha os braços. Era a sua ex-professora do primário. Ainda estava viva. Tentava gritar, mas a sua língua estava do outro lado do quadro. Uma bola de futebol estava no lugar da cabeça do seu ex-professor de educação física. Bolsas com anestésicos, tinham mangueiras e agulhas atadas às peças humanas vivas do quadro, para que a dor fosse anestesiada, e pudesse a platéia vê-los na sua obra, nos últimos momentos, segundos, talvez de vida. Aconteceu na EBA,na Bahia.Numa grande escola de belas artes do Brasil.Havia bradado,aos berros para todos antes de exibir a sua grande obra:

"O que não provoca a minha morte faz com que eu fique mais forte." Dizia o grande filósofo alemão.Ele tinha razão.E disse muito mais ,foi o que me despertou:

"A vida é vontade,desejo,força cega que escapa à razão humana."

-Dizia o filosofo Nietsche: "NÓS TEMOS A ARTE A FIM DE NÃO MORRER DE VERDADE."

-Ele era um homem sábio,ainda falou assim:" " o que se faz por amor está acima do bem e do mal."

Um silêncio sepulcral reinou no ambiente, à exceção dos esguichos de sangue que vertiam da grande tela bizarra.O professor Mike não esboçava uma reação,jamais pensou que as suas aulas criariam tal fera insana -que voltaria sua fúria e criatividade para criar uma arte de pinceladas,composição e texturas psicóticas. Nadson pensou,até que toda aquela rebeldia pode ter se originado após as aulas de perspectivas-uma bobagem sem tamanho,como é uma grande tolice acreditar que Hitler criou o genocídio nazista contra os judeus por ter sido recusado por uma importante e tradicional escola de belas artes.

O nome da obra era BULLYING.

LG

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 24/11/2012
Reeditado em 08/12/2016
Código do texto: T4001962
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