O Lago do Medo

O céu lindo, limpo e azul como sempre deveria ser. Gabriel, um garoto de dez anos, admirava a visão esplendorosa do firmamento, deitado na grama verde e ainda úmida pelo orvalho da manhã. A viagem foi longa até o sítio de um tio seu, muito trânsito na cidade, mas valeu a pena, respirar o ar puro do campo e sair daquele marasmo que era seu apartamento. Fazia tempo que ninguém ia lá, estava meio abandonado, o portão precisava de óleo e pequenos reparos, a grama e os arbustos estavam altos e dominavam a visão, o pomar ainda com alguns frutos, mas pouco se aproveitava. Apesar do estado precário do sítio, a casa ainda possuía uma aparência boa e uma meia hora de vassoura resolveria o problema da poeira.

Seus pais ainda carregavam as malas para dentro da casa que ficava bem no centro da propriedade, quando pediu permissão para ir até o lago que fica uns 50 metros ao fundo da pequena vivenda. Recebeu o aval da mãe sob a recomendação que não demorasse.

Águas negras, uma pequena passarela de madeira que servia de atracadouro para os barcos ao qual tinha pouco mais de 5 metros, o mato alto quase tapava a visão da passarela e de lá mal enxergava a casa. Gabriel caminhou pelas taboas velhas e chegou ao seu final que dava mais ou menos a um quarto do centro do lago. Ali só ouvia o som de grilos ao redor, abaixou-se, olhou seu reflexo no espelho d água, perfeito, sem uma onda ou imagem turvada. Alongou o braço direito e tocou a água com o dedo indicador e fez alguns círculos que proporcionaram pequenas ondas, distorcendo sua imagem reverbera. Olhou fixamente as ondas diminuírem gradativamente, quando finalmente seu reflexo estava límpido, uma outra imagem vinha do fundo e se fundia a sua, aos poucos tomando forma e ocupando o espaço da sua figura refletida. Um rosto de menina com os olhos fechados, pele branca e lívida, cabelos loiros. Ela abriu os olhos e Gabriel que estava quase numa espécie de transe, pulou para trás e gritou histericamente. Tentava levantar-se, mas escorregava nas taboas úmidas e com limbo, caiu duas vezes correndo atabalhoadamente, seus pais escutaram um grito e foram em direção aos fundos da propriedade e acudiram o filho que vinha correndo ofegante e atônito.

— O que foi Gabriel? Perguntou a mãe.

O menino com os olhos esbugalhados, arfante, padecia a falar.

— A menina... no lago!...

Seus pais olharam um para o outro sem entender nada. O pai foi fitar as proximidades do lago e da mata sem nada encontrar, resolveram não incomodar o garoto com mais perguntas e resolveram ir para dentro da casa, Gabriel amparado por sua mãe.

Como o menino estava muito impressionado, deram uma dose mínima de um calmante que a mãe sempre trazia na bolsa, ele adormeceu pouco tempo depois. Mais a tarde o homem foi capinar o mato alto, com a ajuda de um facão e uma roçadeira a gasolina, nos fundos do sítio a ao redor do lago.

Pálpebras com dificuldades para se firmar abertas, visão embaçada, respirou fundo e esfregou os olhos, tirou o cobertor de lado e sentou na cama. Noite, não era lua cheia, mas a presença de poucas nuvens no céu deixava a noite clara. Gabriel mirou a janela sem cortinas, uma grade de madeira repleta de vidros pequenos ornamentando uma grande ventana que dava visão aos fundos, o lago, que dessa vez estava bem nítido, com o mato baixo.

Arrepiou-se e deitou novamente, se cobrindo dos pés à cabeça. Por uma brecha do cobertor ele olhou em direção ao lago. Igual a um show de mágica, uma silhueta emergiu no centro das águas escuras, dessa vez de corpo inteiro, com vestido rosa claro longo até os pés, estava de perfil. Os olhos dele arregalaram-se, sua respiração ficou mais rápida e descompassada, calafrios o fizeram estremecer, cobriu o rosto com o fino cobertor.

Um instante de silêncio, com os dedos, fez uma nova fenda no cobertor, o suficiente para ver a menina, dessa vez olhando em direção à janela e numa fração de segundo, os olhos dela estavam quase tocando os seus, assustadores, grandes, castanhos avermelhados, ódio parecia emanar da retina dela, um olhar brutal, ela estava ali agora dentro do quarto. Gabriel num ato impulsivo se jogou para trás, caindo ao chão com força e começou a berrar e se debater:

— Mãe!!!... Pai!!!... Ela tá aqui!!!... Sai daqui!!!

A mãe e o pai chegaram ao quarto e ficaram desesperados e sem saber o que fazer mediante a histeria do filho. Pouco tempo após o ocorrido e sem muito sucesso em acalmar Gabriel, resolveram partir àquela hora mesmo.

Passados alguns dias, o pai curioso com a história sem nexo do filho resolveu ir até a propriedade averiguar se realmente poderia ter ocorrido algo estranho, não sabia de nenhum registro de tais acontecimentos por aquelas bandas.

Domingo, chegou por volta das 13:00 horas, tirou um lanche de uma bolsa térmica e sentou perto da pequena passarela. Mesmo deliciando o bom sanduíche que sua esposa havia preparado, não deixava de observar a tudo ao seu redor, uma quietude só, apenas quebrada pelos mosquitos que passavam perto dos ouvidos. As águas do lago imutáveis, nem vida existia nelas, ao que assemelhava. Deu uma volta pela casa, nada, resolveu descansar um pouco, decidindo repousar no quarto onde seu menino havia estado, já imaginava que Gabriel estava ficando esquizofrênico.

Deitou, a noite estava chuvosa, pingos d'água rolavam pelos vidros da janela, mirou em direção do lago e percebeu que alguém estava na passarela, não conseguia identificar, estava embaçado, abriu a janela e não viu nada, ao dar meia volta, seu coração quase parou, lá estava a menina que seu filho tinha dito, no canto do quarto ao lado da cama, seu filho não estava louco. A cabeça dela baixa, o cabelo molhado, isso o apavorava mais, não conseguia dizer uma palavra, nem movimento algum esboçou, nesse momento a menina alongou o braço em direção ao homem e levantou sua cabeça vagarosamente. Olhos estalados, cruéis, a boca semiaberta e torta deixava escorrer um liquido negro, grunhindo um som indecifrável, como um lamento. O Homem pulou pela janela e correu insano para o carro, sorte as chaves estarem no seu bolso da calça.

A Família nunca mais voltou e meses após, o sítio foi posto a venda.