Férias de Verão - 5 de 5

Capítulo 8

Havia uma criatura no espelho no lugar de Júlia. Uma criatura com pele esverdeada, chifres longos e garras afiadas. Mas o assustador não era aquilo, por incrível que pudesse parecer. O assustador era o símbolo que essa criatura tinha no braço.

Era um U invertido. Um símbolo que eu e Enzo conhecíamos muito bem.

- Úxel... – Ouvi Enzo sussurrar com uma expressão feroz.

Existem as entidades, que podem ser uma coisa, uma vontade muito forte, uma moldagem, uma pessoa que morreu ou mesmo alguma coisa “do lado de lá”. Entidades normalmente são irritantes, mas no fundo são só entidades.

E haviam os demônios.

As coisas “do lado de lá” normalmente estavam preocupadas com assuntos próprios e vinham com uma centelha de sua energia, tornando-se entidades. Mas quando elas vem com mais força acabam recebendo outros nomes. Os demônios eram isso. Coisas “do lado de lá” que vieram para fazer bagunça “do lado de cá”.

Haviam muitas coisas chamadas demônios, que eram traiçoeiros e arteiros, e havia Úxel, segundo Enzo a pior criatura que já colocara os pés no nosso plano. Úxel tinha o seu próprio exército, marcado pelas chamas do inferno com aquele U invertido.

Júlia voltou a uma posição deitada e depois sentou-se. Nessa hora percebemos que ela não era mais Júlia, suas veias estavam negras e seus olhos brancos. A expressão de raiva em seu rosto era uma das mais intensas que eu já havia visto.

- Mas é claro que uma infeliz qualquer não conseguiria um ritual de imortalidade sem ajuda. – Giovana disse muito orgulhosa com aquilo.

Já Enzo tinha outra preocupação

- Talita, rápido! Segure ela! Nós precisamos tirar o demônio ou o ritual nunca vai funcionar!

Enzo sacava a Lâmina do Regresso, a faca que consegue devolver as coisas a seu estado original, bastava um corte com aquela lâmina e qualquer entidade ou mesmo demônio que estivesse possuindo uma pessoa desapareceria.

Por algum tempo.

Enzo partiu antes que eu estivesse pronta e esse foi seu erro. Pelo espelho era possível ver a cauda do demônio se mexer como um chicote, atingindo Enzo e o jogando para longe. A Lâmina do Regresso escapou de sua mão.

- Fique no seu lugar imundice! Api! – Giovana gritou e uma corrente de ar encheu o quarto.

Júlia foi coberta pelos lençóis, mas rasgou-os sem piedade e depois se ergueu. Rebeca levava uma mão à cabeça, não sabia se por preocupação com a irmã ou com os lençóis. Júlia então gritou, um som animalesco vindo do demônio em seu corpo. O ar se encheu com um cheiro de enxofre que me obrigou a abaná-lo.

Nisso o demônio que possuía Júlia atacou de novo.

Uma nova chicotada atingiu Giovana, arremessando-a para junto de Enzo. Naquela hora percebi que já havia perdido tempo demais.

Estiquei o braço para o lado e chamei ela. A que era forte. A que não tinha medo. A absoluta.

Eu chamei a mim mesma.

Quando a outra Talita atingiu a última camada de minha mente, ganhando todos os meus sentidos, nós expandimos, indo para um estado onde podíamos ver com clareza o demônio sem a necessidade do espelho.

A figura correu, saltaria sobre Enzo e Giovana que ainda atordoados não conseguiriam fazer muita coisa. Nós aproveitamos aquele descuido e seguramos a realidade que envolvia o demônio, dando um puxão para que ele voltasse para a cama.

Daniela saltou para perto dele, um sorriso engraçado marcando seus lábios.

- Saia daí! É perigoso! – Gritamos enquanto nos preparávamos para um novo ataque.

Daniela esticou a mão e como mágica nós vimos a Lâmina do Regresso pular como um peixe escapando de um lago em chamas. Ela voou para a mão de Daniela que a prendeu firme entre os dedos.

Ficamos algum tempo sem entender. Giovana havia dito em outra ocasião que Daniela possuía algumas habilidades, seria a telecinese uma delas?

De qualquer jeito ainda havia um demônio a ser contido. Num movimento de pula cela pressionamos uma realidade sobre ele, e Daniela ficou livre para fincar a Lâmina do Regresso no corpo de Júlia, retirando-a pouco depois.

O cheiro de enxofre e a presença maligna desapareceram do corpo de Júlia, mas isso não significava que o demônio tinha sido vencido.

Diferente de entidades convencionais, que expandem ao serem atingidas pela Lâmina do Regresso, demônios podiam continuar com seus corpos. O que era um senhor problema.

Com nossas mãos contemos a realidade do demônio, enquanto isso Giovana recuperava a compostura passando a recitar o encantamento de exorcismo. Enzo se ergueu também e sua expressão estava fechada, nos assustando mais do que o demônio.

Por falar em demônio estava bem difícil conter aquela coisa. Mesmo sendo um demônio soldado de alguma casta bem patética, ele era uma grande briga para nós humanos. Felizmente Enzo facilitou as coisas, embora eu nunca poderia ter imaginado que ele tivesse trazido tal artefato para aquela viagem.

Enzo colocou no dedo um grande anel, só que em vez de uma brilhante havia uma marcação. A letra U.

- Sossega! – Enzo gritou vendo pelo espelho onde o demônio estava, a ordem fez com que ele se calasse.

- Toda a mágica instaurada. Todo o feitiço instaurado. Todo o ritual produzido. Toda a vontade imposta. Toda a criatura possuída. Eu as expurgo! – Giovana gritou.

Houve um flash que todos a exceção de Enzo presenciaram. O demônio havia voltado para seu mundo.

Capítulo 9

Mais frustrante do que não recebermos era ver Giovana encher a mão com o dinheiro de Rebeca.

- Você podia dar um pouquinho para a gente. – Disse com um bico.

- É, eu podia, mas não vou. – Giovana respondeu com um sorriso.

Rebeca até mostrou interesse em nos pagar, mas como havia prometido todas as economias para Giovana ela estava tão dura quanto a gente.

- Caro Enzo, foi um prazer revê-lo.

- Digo o mesmo Giovana. – Enzo disse comendo um bombom e parecendo não se preocupar com o dinheiro que a mulher guardava. – Espero que possamos nos encontrar em outra ocasião.

- Claro, claro, até a vista Enzo Velasques.

Giovana se retirou e Daniela acenou se despedindo. As duas partiram.

- Lamento por qualquer coisa que tenha acontecido Enzo. Mas saiba que agradeço muito sua visita. – Rebeca disse estendendo a mão.

- Isso já é suficiente para mim. – Enzo respondeu. – Eu que, novamente, lamento sua perda.

Clarinha estava colada a perna de Rebeca e voltou a fungar. Passei a mão nos cabelos dela e a vi sorrir. De certa forma aquilo me acalmou.

Na ânsia de retirar o demônio de Júlia, Daniela havia fincado a Lâmina do Regresso nela, isso expulsou o demônio que bem ou mal era o responsável por Júlia ser imortal. O demônio foi exorcisado, o feitiço desapareceu, o ferimento infeccionou e Júlia faleceu.

Nos afastamos de Rebeca, Clarinha e do cemitério, indo para o nosso fiel Gurgel. Foi impossível para mim não pensar em como a vida às vezes era uma grande piada de mal gosto.

Júlia queria morrer e no fim havia conseguido.

Talvez o universo conspirasse mesmo em favor dos nossos desejos.

FIM

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Terminamos pessoal! Confesso que não foi o melhor final que eu já escrevi, mas espero que tenham gostado!

Até a próxima!

Gantz
Enviado por Gantz em 23/11/2012
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