A velha da barraca

1981, sexta feira, 03 de janeiro.

Marcos e sua namorada Gabriela estavam viajando pelas montanhas de Minas Gerais até o Rio de Janeiro para passarem as férias no litoral. O céu estava chuvoso, uma forte tempestade caíra sobre o antigo volvo 80 branco do casal. A chuva estava em demasia, isso preocupara Gabriela.

_ Amor, já estamos perto? - indagou a moça.

_ Calma querida, não se preocupe, falta algumas horas. Agora durma, o sono é o melhor remédio para a inquietude. Confie em mim, daqui a pouco estaremos contemplando às belezas da cidade maravilhosa, agora tente dormir, meu amor!

E com dificuldades, Gabriela adormeceu. Marcos ficara feliz por ter consigo uma mulher tão compreensível e amável, se sentira o homem mais feliz do mundo.

A estrada estava calma, pouco transito e isso estava tranquilizando Marcos, até que um súbito calafrio percorreu toda à sua espinha, de modo inexplicável o carro tornou-se demasiadamente frio. O volante clássico agora queimara sua mão devido à baixa temperatura. Marcos colocou sua luva rapidamente e observou sair de sua boca fumaça branca. Por fim, Marcos sussurrou para si mesmo.

_ Que merda é essa? - Disse baixinho, esticando-se os dedos.

A estrada montanhosa pela qual viajara era deserta, havia poucas arvores e muita vastidão. Nenhum sinal de vida, a chuva não parava, trovões constantemente rugiam no céu nublado por nuvens carregadas e negras.

Ao longe, Marcos avistou uma barraca caindo aos pedaços na beira da estrada, suas taboas eram negras e algumas tortas, havia apenas uma porta e duas janelas, a barraca formava uma retângulo médio perfeito. A cada segundo que se aproximava da mesma Marcos sentira que o ar estava acabando, era uma sensação de desconformo iminente. Já se passara das seis e meia e estava ficando escuro, Marcos resolveu parar para se recompor. Só que ele parara bem em frente da antiga e macabra barrada.

Ele pensara que ninguém morava ali, era impossível, mais algo chamou sua atenção.

Ao lado direito superior da porta da barraca, havia uma lamparina preta antiga que se debatia com a madeira por causa do vento. Sua chama era pequena e amarela, havia um prego enferrujado para segurá-la. Marcos franziu a testa ao ver junto com a lamparina um corvo negro pousando na mesma para se aquecer dos ventos frios daquele temporal.

Marcos decidiu cutucar sua namorada para acordá-la.

_ Amor, acorde, tenho problemas.

_ Han? O quê? Onde estamos? - Gabriela se sentia perdida

_ Acalma-se amor, acorde primeiro! Só estou com falta de ar. Do nada este carro ficou frio, não esta sentindo?

Gabriela se enrijeceu e disse.

_ Claro amor, aqui está congelando... P-p-p-o-o-r-r-q-u-e i-s-s-s-o?

Marcos viu o bater de dentes de sua namorada e resolveu ajudá-la, retirou seu casaco e colocando o mesmo nela disse.

_ Está vendo esta barraca estranha ao lado?

Gabriela assentiu.

_ Pois bem, acho que vou pedir ajuda! Talvez há lá dentro um lugar mais quente, um café talvez se levarmos sorte, não podemos ficar aqui. Se ficarmos, congelaremos! Gabriela hesitou e disse por fim.

_ Não acho uma boa opção meu amor. Não há possibilidades de alguém viver aí. E além do mais, estou com medo. Concluiu cruzando os braços.

_ Gabriela, confie em mim meu amor, eu voltarei logo, está bem? - Disse se curvando e beijando a testa da amada. Gabriela não disse nada, apenas pegou o seu crucifixo no colar e o beijou.

Sem hesitar, Marcos abriu a porta do antigo volvo e a fechou sem olhar para trás. Sentindo o vento gelado e a forte chuva em seu rosto, correu em direção da porta. Quando por fim bateu na porta o corvo grunhiu e levantou voo para o norte. Marcos batia e gritava.

_ Alguém aí? Por favor, há alguém aí? Estou precisando de ajudar, minha mulher está com problemas, tem alguém morando aí?

Marcos bateu insistentemente por uns longos cinco minutos, até que desistiu.

Virou-se e deu uns dois passos até o carro e então ouviu o rugir da velha porta de abrindo atrás de si.

Marcos então ouviu uma estranha e aterrorizante voz dizer.

_ Bateu nesta porta? - a voz era grave e dava arrepios.

Marcos trêmulo devido a chuva e a voz macabra que ouviu virou

-se lentamente para responder a pergunta quando se deparou com a coisa mais aterrorizante que já vira.

A pergunta havia sido realizada por uma senhora de idade, Marcos conjecturou ter uns 85 anos. Seu cabelo era inteiramente branco, como a neve. O seu olho esquerdo havia sido retirado, no lugar do original estava um olho de vidro, branco também. Era de meia altura, sua coluna era curvada para a frente e seu olhar era penetrante. Vestia um vestido velho preto, seus cabelos ondulavam-se com o vento. Gotas de água escorria por seu rosto. Relâmpagos cortava os céus, Marcos estava perdido em seus pensamentos até a velha pigarrear.

_ Er, er, bati sim senhora, eu sou o Marcos...

A velha não deixou Marcos terminar de falar e se adiantou.

_ O que quer? Não percebe que a hora é impropria? Seu encosto!

A última palavra foi dita com rispidez, isso lhe rendeu calafrios.

_ Me desculpe a impertinencia, mas talvez a senhora teria um pouco de fogo para que eu e minha mulher possamos nos aquecer?

A velha pigarreou e fechou a porta dizendo.

_ Espere aí, fedelho!

Marcos esperou, esperou e esperou. Sua temperatura já havia caído consideravelmente e ele precisava de ajuda. Quando já estava para correr para o carro, a porta se abriu novamente.

A velha disse, rude.

_ Chame sua mulher, talvez possa ajudá-lo! Mas lembre-se, quando entrar por está porta jamais sairá pela mesma. Ao menos indiretamente, rá, rá!

Rindo maliciosamente a velha entrou na escuridão de seu lar, deixando a porta semi aberta para Marcos.

Ele foi até o carro pensando no que a velha acabara de dizer, no caminho deduziu que era loucura, coisa de idade. Sempre fora uma pessoa cética, ateísta e egocêntrica. Pensava ter certeza de tudo, esqueceu seus devaneios rapidamente.

Chegando no carro abriu a porta para a sua namorada que já estava congelando e a conduziu até a porta da antiga barraca. Chegando na porta ela perguntou.

_ Que lugar é esse Marcos? Não quero entrar aí!

_ Não há problemas amor, é só a casa de uma velha rabugenta e louca. Existe uma fogueira, entre, confie em mim!

Gabriela hesitou por um minuto e por fim entrou. Marcos passou pela porta com cuidado e segurou na mão da namorada, ela tremia.

O lugar era escuro e com mal cheiro, havia muitas goteiras. Água escorria pelas paredes e pelo teto, um lugar desprezível.

Ouviu-se um chamar.

_ Aproximem-se, crianças!

A última palavra foi dita seguida de gargalhadas altas e aterrorizantes, sua risada era semelhante a trovoadas.

Marcos seguido de Gabriela foi se aproximando da voz, lentamente chegando perto dos murmúrios inebriantes.

O casal de namorados entraram em uma sala escura, na sala havia um sofá pequeno azul para dois lugares e uma cadeira velha de madeira. A velha estava sobre a cadeira, balançando-se.

A velha os olhou e disse.

_ Sentem-se, não irão crescer mais do que isso, eu acredito!

_ C-c-c-l-a-a-r-r-o Gabriela disse, desta vez não gaguejou de frio.

Os dois se sentaram e a Marcos perguntou.

_ Bom senhora, onde está a fogueira?

A velha franziu a velha testa e cuspindo no chão disse.

_ Não há fogueira! Nunca houve!

Marcos apertou a mão de sua namorada. Gabriela estava com o rosto pálido como a neve, seu rosto havia perdido a vida.

_ Não há problemas senhora, já estamos de partida. Marcos adiantou-se dizendo e foi levantando-se com sua namorada, quando a velha o segurou com o braço e disse com uma voz cruel.

_ Não tão cedo, fedelho!

A mão da velha era gélida como gelo, dura como granito. Marcos tirou seu braço das mãos da velha rapidamente e disse.

_ Solte-me, o quê você está fazendo?

_ Solte-o agora, velha louca e asquerosa - Gabriela intercedera pelo namorado, gritando de desespero.

_ Tem certeza que sou louca? Gabriela? - A velha fitava Gabriela com os olhos cheios de ódio e terror. Gabriela sentiu o sangue fugir de seu rosto, havia pavor naquele olhar branco e aterrorizante. Por fim, rebateu.

_ Como sabe meu nome? - Não havia vida em suas palavras, toda a paz do mundo se fora com o que a velha acabara de dizer. Marcos queria correr e gritar. Aquilo não estava certo.

_ Não é você quem faz as perguntas aqui, piranha!

Não se importando, continuou dizendo.

_ Suas vidas jamais serão as mesmas, vocês passarão por torturas e sofrimentos! Suas vidas serão regidas por aquele que pode mais! Aquele que me criou, vocês pagarão, seus pecadores! - A velha gritava e se aproximava do casal que agora corria para a porta.

Quando estavam prestes a chegar à porta, algo a puxou violentamente para dentro, fechando a porta sozinha.

Gabriela gritou de pavor, seu mundo rodava, ela virou-se para encarar a escuridão junto ao seu amado que agora estava trêmulo. Ele disse.

_ Acalma-se amor, você vai ficar bem!

Eles ficaram tensos, encostados com às costas na porta. Gabriela apertava a mão do namorado bruscamente quando a velha novamente apareceu na escuridão dizendo palavras indecifráveis e aterrorizantes.

_ Candlemas Beltane Equinócio! CANDLEMAS BELTANE EQUINÓCIO!

O casal ouviu às palavras três vezes, e presumiram que não eram palavras benéficas. Quando por fim, tudo se aquetou. A chuva, o vento, os sons, tudo estava em silêncio. Até que então, ouviu-se a voz apavorante da velha dizer.

_ Está feito, fedelhos! Vocês agora estarão sobre a proteção do meu deus, Lúcifer! A última palavra foi dita com a companhia de um trovão rugindo aos céus. A porta abriu-se sozinha atrás do casal, que sem hesitar passaram pela a mesma correndo.

Marcos abriu a porta do Volvo e a sua namorada pulou no banco do carona e ele deu a partida e saiu queimando pneus. Gabriela não pode deixar de olhar para trás. Quando olhou percebeu que a velha ainda olhava para o carro, rindo aterrorizadamente, ela percebeu agora que havia vários corvos em cima da antiga barraca, milhares deles. O lugar estava horrível, um pedaço do inferno na terra. Gabriela se encolheu no carro e começou a chorar, a chorar muito.

_ O que foi isso Marcos? Como ela sabia meu nome? O que ela quis dizer com aquilo?

_ Não foi nada, não sei. Isso não existe amor...

_ Claro que existe! - Gabriela rebateu nervosa.

_ Isso existe sim, você não viu? Aquela mulher é do mal Marcos, ela não é boa, estou com medo - Concluiu chorando mais ainda, Gabriela puxou seus joelhos para mais perto e afundou sua cabeça nos mesmos.

Marcos não sabia o que dizer para reconfortá-la, seu mundo girava enquanto ele se afastava daquele lugar horrível. O céu estava nublado, somente raios cruzavam os céus. Nenhum carro à frente. O tempo foi passando e Marcos novamente foi ficando inquieto. Gabriela agora estava acordada e não iria dormir por nada, estava atenta morrendo de medo. Quando por fim, Marcos avistou uma coisa que o fez ter o mais sublime e aterrorizante medo, um calafrio horrível percorreu todo o seu corpo, da espinha aos pés, ele avistou novamente a velha barraca. Sem hesitar, afundou o pé no acelerador e se distraiu dos gritos apavorantes da sua amada ao seu lado, ela implorava para que ele parasse, mas ele queria acabar com aquilo, descobrir o que realmente aquilo representava. Ele era um cético e colocaria isso em prova. A medida que foi se aproximando da velha barraca seu coração palpitava, seu sangue fugia do rosto. Ao mesmo tempo que ele passou na frente da velha barraca, ele conseguiu ler uma coisa escrita com sangue nas taboas de madeira " Descanse em paz, cético! "

E foi quando viu a velha com agora os dois olhos brancos ao lado da porta sorrindo friamente para ele. Como em um milésimo de segundo ao passar pela barraca, sentiu algo levantar seu carro pelas duas rodas traseiras. Com apenas um solavanco de ar nas rodas traseiras, Marcos olhou pelo retrovisor e viu o rosto inebriante da velha no banco de trás. Não houve nem tempo para um grito. O carro rodou no ar e capotou diversas vezes, até parar.

Quando o carro finalmente parou, Marcos olhou em volta, sua namorada estava sem cinto e sua cabeça estava sangrando. Ele colocou a mão em seu pescoço para ver sua pulsação e percebeu que ela estava demasiadamente fria, um pedaço de vidro havia perfurado o lado esquerdo de sua cabeça, a deixando completamente sem chances de vida.

Marcos se aterrorizou, não havia mais esperanças, não sabia o que fazer, decidiu por fim, sair do carro. Quebrou o seu vidro esquerdo e saiu pela janela amassada.

Com dificuldades se pôs de pé.

Ainda não havia avistado a velha, somente a barraca.

Isso o deixou com medo, estava com um pressentimento ruim.

Marcos mancando foi se distanciando do carro e da barraca, quando uma voz falou em sua nuca.

_ Onde pensa que vai tão cedo, cético?

Marcos virou-se e percebeu que estava com o braço esquerdo sangrando, disse gritando:

_ Eu acredito no diabo, então eu acredito em Deus!!

_ DEUS ESTÁ MORTO, FEDELHO!

Foi a última coisa que Marcos ouviu, sua cabeça girou, girou e por fim, Marcos desmaiou.

_ Amor? Amor? Acorde, já está na hora, vamos nos atrasar para a viagem!

Marcos pulou da cama, gritando.

_ Não, não está, ele existe!!

Gabriela se assustou e logo percebeu que o namorado acabara de ter um pesadelo e foi reconfortá-lo.

_ Calma amor, só foi um pesadelo, acalma-se, logo passará. Vamos dar baixa no hotel agora, por que daqui à pouco contará mais uma diária!

Marcos foi se acalmando e por fim, tranquilizou-se pensando que só fora um pesadelo. Logo arrumou suas coisas, tomou um banho, deu baixa no hotel, colocou tudo no carro e partiu de viagem com sua amada.

Quando já havia andado uns 150 quilômetros rumo ao Rio, avistou ao lado esquerdo da estrada à antiga e pavorosa barraca negra, a reconheceu no mesmo instante.

_ AAAAAAAAAAAHHHHHH NÃOOO, NÃAO!! - foi o que conseguiu gritar, até sua mulher ser jogada violentamente do carro e ser substituída pela a velha, a velha da barraca!

Amauri Rodrigues
Enviado por Amauri Rodrigues em 16/11/2012
Reeditado em 20/08/2013
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