O Guardião das Almas - parte III -final

Deitado de costas para a esposa e a filha, dr. Edgar, abriu os olhos, e mais uma vez, um susto. O velho estava na entrada da casa - caía um chuvisco fino. Este lhe acenou com a mão, chamando-o.

- Não, não, venha so você.

Disse, quando este tentou acordar a espos e a filha.

- Venha comigo. Tenho algo para lhe mostrar. Preciso que confie em mim. Não está aqui á toa, o destino nos prega peça que não sabemos entender.

Seguiram por trás, circundando ao alagadiço. Apoiavam-se nas pedras que conteram à enxurrada, com força providencial, protegendo de serem levados. Entraram pelo matagal com a água até á cintura, foram subindo cada vez mais, por entre vasta plantação de bananeiras. Apesar do tempo, percebeu o doutour, que não mais sentia o frio a açoitar-lhe na pele, como nos primeiros dias. Seguia o velho sem maiores temores. Então, um estalo de preocupação lhe sacudiu o ser:

" MInha nossa, e se me tirou de la para que um comparsa, aproveite-se de minha esposa e filha?"

Estancou, chamando a atenção do velho, este se virou e o olhou nos olhos.

- Não se preocupe, não tenho parceiros. Não farei nenhum mal.

" Ora, havia pensando tão alto a ponte dele ter ouvido, ou leu o meu pensamento?"

deduzindo, que esta seria uma dedução fácil para ter ocorrido, seguiu o velho, de forma relaxada. Sem maiores delongas. Subiram a ponte de alcançarem o terreno livre do alagadiço. Entraram por vasta vegetação - o velho parecia conhecer bem o local. Indagava-se a cada minuto, com estranheza: "quem poderá ser esse senhor, de comportamento estranho?"

- Ali, veja.

Apontou o velho.

- Mas, é um cemitério.

- Sim, um único da região, pensei que conhecesse o local. Não é o novo médico da cidade?

- Sim, mas um médico não conhece o local para onde vão os seus pacientes que perecem na morte.

- Entendo.

Com passos vacilantes, seguia o velho. Andavam pelas covas e corredores às escuras. Sentiu um ambiente amedrontador. Nunca havia estado num cemitério como àquele. As covas eram velhas e tomadas pelo mato. As tumbas de pedras rachadas, de limo. Dezenas de cruzes se desenhavam em filheiras, pareciam anunciar o macabro, o sinistro. O silêncio sepulcral entre os dois homens e o cemitério era de angústia dilacerante para o seu ser. As cruzes se destacavam diante da escuridão da noite, vez ou outra um relâmpago ás tornavam nítidas, imperiosas.

- Ali, é ali.

Disse o velho apontando um casebre. este se destacava diante do ambiente macabro. À sua volta tinha lindas flores, de variadas matizes. A casinha era cuidada com esmero, as paredes pintadas de branco. A porta era de madeira de lei, e tinha uma janela na lateral, com flores vermelhas e brancas no seu umbral.

- Estou preocupado com a minha família, não entendo por quê me trouxe até aqui, e tive que deixá-las la.

- Venha, venha , entre. Não se preoucupe elas estão bem, dormem.

Entraram num ambiente limpo, bem cuidado. Tinha uma pequena cozinha, uma cama e um criado-mudo, nada além. sentaram-se na cama, de lençol de linda alvura. O velho abriu a gaveta do criado-mudo, dali trouxe um livro. Abriu algumas páginas e leu um nome:

- Você se chama Edgar de Souza lemos?

- Sim, mas, como pode saber o meu nome completo?

O velho exibiu um largo sorriso silencioso na sua face enrugada.

- Eu sou o guardião dos mortos dr. edgar.

- Bem, sei disso, afinal de contas parece que aqui trabalha e mora.

- Sim. Tenho uma coisa para lhe falar. Tudo na vida é passageiro. Nascemos, vivemos e morremos. Ontem, fomos crianças, depois jovens cheios de vigor e de graça. Ah, a juventude, que saudades. Tudo passa, sabia? Não entendo o apego do homem ás coisas que enferrujam, ou as que os ladrões podem levar. E não entendo o ódio entre os homens. A maldade, o egoísmo. Estamos aqui so para amar, so para amar, nada além.

- Eu não estou entendendo, estamos numa dificuldade tal, e vim parar aqui, descubro que é o vigia do cemitério...

- A sua esposa é Angelina de Souza Aguiar?

- Sim, mas o que se passa, até entendo que saiba o nome completo, pois, sou um homem público, mas o da minha esposa...

O velho riu, um riso curto. manteve os olhos baixo, no livro grosso, de capa azul.

- A sua filha é a linda Helen Aguiar Lemos.

- Mas, por que tem os nossos nomes nesse livro?

O velho o olhou nos olhos, colocou uma de saus mãos em seu ombro e falou:

- Você foi o escolhido. Nada é por acaso.

- Não entendo nada do que disse, estou confuso, que brincadeira é essa?

O velho o chamou de volta para o campo do cemitério. Andaram mais uma vez pelo mundaréu de covas, tumbas e mausoléus. pediu para que sentasse numa tumba, e ele noutra. Frente a frente. O livro estava nas suas mãos. Disse o velho:

- O meu nome é Carlos Antenor Agepeto. Está aqui no livro.

Por intuíção, dr. Edgar olhou para o epitáfio da cova onde estava sentado. Ali estava escrito o nome do morto: Carlos Antenor Agepeto.

- Mas, o que é isso? O seu nome está nesta lápide, e e...a sua foto.

Dr. Edgar ficou gelado, sem voz. As pernas ficaram trêmulas. estava ali diante de um fantasma. Levantou-se e saiu correndo, gritando pelas ruas escuras do cemitério. O velho vinha atrás chamando-o pelo nome, e mandando que parasse.

- Veja dr. Edgar, veja, veja, homem...

Ao se virar, com espanto, nervoso, com o suor a lhe banhar o corpo, quase desmaia, pois, estava ali uma visão que confirmava que não estava diante de alguém de carne e osso.

O velho flutuava a mais de cinco metros do chão.

- Minha nossaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa...pelo amor de Deus,nãooooooooooooooooooooo...

Dizia o médico, enquanto corria, caia, levantava-se. Berrava, aterrorizado.

- Deixe-me em paz, demônio, deixe-me...

Berrava, gritando, quase sem fôlego. O suor lhe banhava o corpo. Enquanto corria, lembrava que recebera uma refeição. Um ensopado de frango, água fresca numa moringa. Não poderia estar diante de um fantasma-, "estava sonhando, tendo um pesadelo"- interrogava-se.

O velho o alcançou, sentiu os seus braços fortes a segurá-lo, não podia ser um fantasma - so não sabia explicar a cena de flutuação.

- Espere, homem, calma. Pare de correr. Você foi o escolhido.

- Solte-me, afaste-se de mim, como assim escolhido?

O velho o levou diante de um jazigo familiar.

- Entre, tenha coragem.

O portão foi aberto, o som lembrava o de um filme de terror. Apesar da escuridão reinante, la dentro estava tão claro, como se ali tivesse uma lãmpada de luminosidade intensa. Ao avistar o caixão, percebeu que estava intacto, de madeira nova, recente. Três caixões estavam ali. Não teve coragem para olhar na parte espelhada, ali onde o rosto podia ser visto. Foi encorajado pelo velho, então viu.

- MInha nossa, minha nossa, como pode ser, por Deus, por Deus...

Num dos caixões estava a sua esposa, no outro, bem menor, Helenzinha, sua filha. Os três caixões, num deles, estava ele.

- Você foi o escolhido, e no seu delírio, antes do despertar para tal realidade, acabou atraindo a sua esposa e a filha. Então, viveram os últimos momentos de suas vidas. Os três morreram afogados no carro, quando este foi arrastado pelas águas da chuva.

- Como assim escolhido?

- Nada é para sempre, como te disse. Foi chegado o momento, passo-lhe o Livro dos Mortos. Estou partindo para um novo estágio. Você agora é o Guardão dos Mortos deste cemitério, foi escolhido por ser o médico da região. Eu fui no passado um curandeiro, fazia curas dos doentes com chás, unguetos e rezas, eu via os espíritos e os ouvia - era engraçado, até que se tornou o meu ofício. Curava por bondade, mas recebia presentes, um porco, uma galinha. Eu aceitava, pois, cuidar dos doentes me tirava da labuta do dia a dia. Aquela casinha será a sua casa ,agora. Ela não é vista pelos "vivos", so pelos "mortos." Ficará nela até que se apresente para você um novo estágio no plano. Receberá orientações, em breve.

Ainda sem entender direito a sua situação, dr. Edgar sentou numa cova.

para sua surpresa chegaram a sua esposa e a filha, abraçaram-se. O Livro dos Mortos estava nas suas mãos. Choraram bastante. Era a hora do despertar. Um canal de luz surgiu do nada, o Preto Velho, curandeiro foi recepcionado por alguns Guardiões Elevados. Seguiram num facho de luz. Uma cena linda, emocionante que tirou os três daquela tristeza reinante, sem sentido, até. Os avós de Helenzinha se fizeram presente, abraçaram-na. Teria o seu destino certo. A sua mãe poderia ficar por breve tempo com o marido, agora o escolhido para ser o Guardião das Almas, o possuídor do Livro dos Mortos - o livro dos que ganham um destino de luz ou de sombras no Plano Espiritual.

Fim

Nota do Autor: Sugiro que conheçam os livros espíritas, começando pelo Pentateuco de Kardek, depois, busquem os livros psicografados pelo Mestre Chico Xavier e pelo Mestre Divaldo Franco.

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 09/11/2012
Reeditado em 10/04/2013
Código do texto: T3976270
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