O Guardião das Almas
A chuva era torrencial. Noite escura e relampejava. O calhambeque seguia na direção da antiga ponte de madeira. No seu interior, o seu motorista, esposa e uma filha de oito anos de idade. A tensão era evidente, o perigo eminente. Fazia frio. Dr. Edgar, recém formado, casado e com uma filha. Seguiam na direção de sua residência que que ficava no outro lado da cidade, num sítio comparado por uma bagatela. Médico de formação recente, de presente recebera um calhambeque, de presente do pai fazendeiro de cacau.
- Vou cortar o caminho pela estrada de barro, a chuva está torrencial, com a pista molhada, escorregadia. Talvez, possamos cortar caminho e chegar mais cedo.
Os moradores falavam a respeito desta estrada, da possibilidade de se economizar tempo. O que não se dizia era do perigo que a mesma oferecia, quando o tempo era chuvoso. A estrada de barro, ficava lamacenta, alagada - poderia se seguir de cavalo, de carroça, impossível, de carro - so o dr. Edgar experimentou.
- Estamos atolados.
A sua mulher nada lhe disse. Tinha a filha em sono solto,com a cabeça repousada no seu ombro. Relampejava. Muita tensão. O som da chuva era intenso, assustador. Ficaram no interior do carro, em silêncio, aguardando, por tempo indeterminado.
- A chuva não pára, e a água aumenta de volume no terreno, estou com maus presságios.
O espetáculo era dantesco. Onde a vista podia ver, o maior aguaceiro, por todos os lados. Encobrindo o terreno, a vegetação. Um rio improvisado feito pelas águas da chuva. A vegetação era farta,a escuridão imperava. Relâmpegos desenhavam pontos luminosos no céu.
- Minha nossa, Edga, estou ficando com medo...
O som das águas das chuvas correndo, se chocando contra uma das laterais do carro. Formara-se um rio, em volta. Era preciso pensar numa solução, numa alternativa, de imediato. Havia uma sequêncai rochosa ao lado esquerdo do carro, há poucos metros. A água invadia o calhambeque. Molhava os pés do motorista e de sua esposa. A menina acordara assustada. Os olhar perdido na escuridão logo à frente.
A água subia, as rochas, por enquanto continham maiores consequências desastrosas. Então, decidiu o médico:
- Vamos sair do carro, a enxurrada ja o tira do lugar, não será seguro ficar por aqui...
-Mas, será perigoso, a água está acima da cintura e com corrente, indo para o charco.
- Vamos ter que sair do carro, procurar um local no alto.
Apesar da resistência da esposa, o médico decide sair. Apoia-se no carro, pega da filha no colo e se dirige para se apoiar na lateral rochosa do caminho, por ali a água ainda podia ser contida, por pouco tempo. Com muita dificuldade se deslocam, com a água subindo a cada segundo. Os relâmpagos desenhavam linhas luminosas no céu. Os riscos da chuva no céu formavam um espetáculo sinistro, molhado. Trovões ensurdecedores pipocavam por todos os cantos. Fazia frio. O casal se segurava, com dificuldade, apoiando-se nas rochas. Ao olhar para trás,dr. Edgar viu o carro ser levado pelas águas na direção do charco.
Após alguns minutos andando, debaixo da chuva, completamente molhados e sofrendo com o frio, chegaram até às ruínas de um casarão do tempo dos senhores de engenho, em ruínas.
As paredes estavam ao chão, sobrando partes destas, de pé. O telhado estava pela metade. Entraram, e se abrigaram nos fundos, onde parecia ter sido á cozinha. Algumas paredes os protegiam do açoite do vento frio. Ficaram nos fundos, onde havia, de pé parte do telhado centenário.
O local era escuro, cercado pelo matagal. O som da chuva, ensurdecedor impelindo tensão e medo no casal. A filha em estado de desespero derramava lágrimas na sua face angelical.
Sentaram num dos cantos da cozinha, ali a chuva não molhava. O som das águas correndo na direção do charco era amedrontador. Apesar de estarem num local alto, temiam pelas suas vidas. Eram muitas as histórias de pessoas que ali pereceram, diante de chuvas torrenciais. O charco alagava, a água subia alagando á região, e com fortes correntes arrastavam os incautos, matando-os afogados.
- Minha nossa, homem, por que decidiu vir por aqui? Antes tivéssemos ido pela ponte de madeira, pelo amor de Deus.
Reclamou a esposa, abraçando a menina.
- Mãe, estou com medo.
Dr. Edgar nada disse, tinha os olhos vítreo no aguaceiro que se desenhava á sua frente, diante do matagal. A chuva era torrencial, incessante.Não pensou no prejuízo do carro que havia sido levado pela enxurrada. Os bancos de couro, piso de carpete importado da França.
Tremiam de frio. O desconforto do frio e da escuridão absoluta, sentados no chão úmido. As roupas molhadas, sapatos, meias, se quer poderia fazer uma fogueira para se aquecerem.
Ficaram em silêncio, aguardando a noite passar, quando um ruído estranho lhe chamou a atenção, logo à frente da entrada do casarão em ruínas.Ele viu a sua esposa e a filha deitadas ao seu lado, dormiam, encolhidas, abraçadas.
Uma figura, um espectro, desprovido de quaisquer luminosidade se dirigia na direção do casal, passos lentos, um andar vagaroso.
( continua)