O Vulto de Moscas Assassinas

Fez questão de ir no seu enterro. Sentia uma satisfação especial, fruto da maldade que possuía no seu coração. De fórum íntimo,divertia-se com os rostos tristes dos seus simpatizantes e dos serviçais do terreiro. Percebeu que um mosqueiro incômodo acompanhava o enterrro. Dezenas de moscas estavam pousadas no caixão. Foram chegando em nuvens cada vez maiores sobrevoavam as pessoas e o caixão, como se o acompanhassem para um último adeus.

- Que nojo, um homem das moscas. Feiticeiro do podre e do mal cheiro. Fiz um favor ao mundo tirando esse lixo de pessoa.

falou com os seus botões.

Enquanto seguia o ferétro, exibia um sorriso cínico no rosto. As mães de santos estavam tristes com o acontecido. O terreiro de candomblé em peso no enterro do Pai Manuel, Babalorixá respeitado e muito querido. Evitava ir no seu terreiro, pois, o Pai-de- Santo tinha um criatório de moscas, com os seus rituais macabros, até que ouviu falar dos homens prósperos que o procuravam para obterem riquezas. O seu ritual de iniciação, como Filho-de santo feito dentro de um quarto escuro. Ali, havia coisas mal cheirosas, podres, onde viu centenas de moscas pousarem. Sentiu imenso nojo quando o seu corpo foi untado com o sangue do bode. O animal foi sangrado com vida, na jugular. O sangue era espirrado em seu corpo desnudo em meio a um mosqueiro, que numa nuvem nervosa sentava em seu corpo, dando-lhe ascos. Em seguida, foi a vez do galo, que teve o seu pescoço sangrado por uma serviçal da casa de candomblé. Em seguida, foi untado com uma substãncia pegajosa, mal cheirosa. Falou assim a auxiliar da casa:

- Os escolhidos suportam o mal cheiro, os fracos abandonam o ritual e permanecem pobres.

Sentiu nojo, mas diziam para ele que o doce do sangue para as moscas, seria para ele como o doce do dinheiro para sua vida. Foi trancado num segundo quarto escuro. Pernoitou ouvindo o movimento ensurdecedor das asas agitando-se,pousavam no seu corpo e numa mistura podre que tomava todo o chão do local. Enojado, vomitou, quando percebeu sete crânios humano em decomposição, postos em círculos, com ele ao centro. Vísceras roubadas do cemitério formavam uma linha macabra. Suportou tudo aquilo, pois tinha um objetivo na vida: ser um homem rico, custasse o que custasse. Velas negras e vermelhas pendiam chamas preguiçosas, era a única iluminação que tinha ali. O som dos atabaques soaram por toda à noite, com cânticos em lingua africâner, desconhecida para ele. Uma das serviçais, trouxe um quadro com uma foto de Jesus.

- Você o renuncia em nome do dinheiro?

- Eu o renuncio.

Obedeceu a ordem e cuspiu no quadro. A serviçal o colocou de cabeça para baixo, em seguida o cobriu com um pano preto. A mulher iniciou um cântico numa linguagem que parecia ser oriunda do Inferno, dançava freneticamente, a sua aparência modificou-se de forma excepcional. Transfigurou-se, ficando com uma aparência assutadora, os olhos perderam as pupilas, ficando exposta apenas a parte clara. Desnudou-se e com ele copulou. Ele mesmo não soube explicar como conseguira ter uma ereção diante daquele festim diabólico, assustador-talvez, envolto por forças sobrenaturais tinha sido dominado para tal.

O silêncio se tornou absoluto, parecia que a noite não passava. O mal cheiro era insuportável. As moscas bailavam no ambiente em semi-penumbra e disputavam espaço no corpo dele. Sentir as suas patas leves e o toque do picador sugando o sangue untado ao seu corpo lhe dava asco indescritível, por várias vezes vomitou, agitou-se, espantando as moscas que resistiam aos movimentos bruscos e não abandonavam o seu corpo. Não era permitido fazer uma oração - para suportar tal tortura pensava apenas na possibilidade de mudar de vida, ficar rico. O ambiente do quarto era mais do que sinistro, uma cabeça de bode com chifres longos, encurvados estava acima de uma poltrona de Rei, como se ali estivesse uma entidade invisível, o guardião do ritual. Ele estremeceu de medo, sentiu um arrepio a lhe dominar à espinha. Os olhos do bode pareciam vivos a lhe fitar. Adereços da cultura africana se dispunham por todos os cantos. Alguns pés de cabra, de cascos grandes estavam pelos cantos das paredes. Jarras de barro espalhavam-se pelo recinto, tinham sangue e outras substâncias mal-cheirosas.

"Não é protegido pelos santos, por que não o protegeram dos caroços de ponto quarenta?"- Perguntava-se.

Há um mês o procurava para o sucesso nos negócios. O Pai -de- Santo pedira cerca de R$5.000,00 iniciais, com a garantia do sucesso. Recusou pagar, de imediato, fez o seguinte acerto - " caso os negócios dêem certo, volto e pago." Deu certo, voltou e pagou. Os valores pedidos pelo Pai -de- Santo foram aumentando e os seus negócios, também. Quando ja estava com uma rede se supermercados em pleno funcionamento, o Pai- de- Santo o procurou para se criar uma obra de caridade, onde ele seria o provedor inicial. Compraria um terreno, construiria o prédio, o resto seria com o Pai -de -Santo.

- É um valor absurdo, Pai Manuel. Não posso dispor desse valor, agora.

- Filho, a caridade é um bem que deverá ser exercitado dia a dia. Sei que pode pagar o terreno e fazer o prédio. As crianças do bairro necessitam, as famílias pobres. Todo o mal que faço, toda à comunhão com os Espíritos das Sombras, preciso compensar fazendo obras de caridade, ou não poderei ser resgatado, quando estiver no Reino das Sombras, e não é ajuda so para mim, é para você, também. Precisamos compensar o mal, de certa forma.

Saiu dali irritado, volta e meia o Pai- de- Santo estava lhe pedindo favores. Pedia dinheiro, doações, sextas-básicas.

- Você é Filho- de- Santo, fez a cabeça. Precisa cumprir com as suas obrigações com o terreiro. Os despachos foram bem aceitos, os Orixás te querem bem, querem o seu sucesso na vida financeira e familiar, te protegem. Os guardiões estão na porta dos seus negócios e na porta de sua casa. Os exús te aceitaram. Muitos espíritos de mortos foram recrutados no cemitério e te acompanham. Pode ir ao banco pedir dinheiro emprestado, pois, o gerente está dominado, está amarrado. está um mosqueiro de sucesso o seu negócios, não tem do que reclamar.

Aproveitou-se de um dia de solidão do terreiro, entrou sem ser visto. Fez três disparos na cabeça. Após, ter mais de três Milhões de Reais nas mãos para investir no seu negócio, fruto de mais um despacho, um empréstimo cedido por um dos bancos indicado pelo Pai-de -Santo. Tinha um patrimônio de mais de quinze Milhões - era um zé ninguém, antes dos trabalhos do terreiro. sabia que em pouco tempo, estaria com um patrimônio de mais de Cem Milhões.

- Toma filho da puta. Vou trabalhar pra te sustentar? Eu ganho dinheiro é porque sei trabalhar, tenho talento, velho das moscas.

Saiu pelo matagal dos fundos, andou mais de um quilômetro, ninguém o viu. Quando ouviram os disparos e chegaram, o Pai Manuel tinha três buracos na cabeça. Uma nuvem de moscas velava o seu cadáver. O seu algoz ja estava distante. Precisava de um álibi perfeito. Ja o tinha, saíra da empresa sem ser visto, agora, entraria sem ser visto. Estava na empresa no plantão. No exame de pólvora combusta, sairia ileso, pois, é membro do Clube do Tiro. dera uma última olhada para o terreiro, viu o quartinho onde ficara - as paredes cobertas com moscas.

Iniciada as investigações.

Nada provaram contra ele, apesar de ser um dos suspeitos levantados pela polícia. Deu o depoimento e foi liberado. Foi abraçado pelo pessoal do terreiro - era irmão, filho de santo, nunca faria isso com o Pai.

Meses depois as coisas começaram a acontecer.

(Continua)

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 03/11/2012
Reeditado em 07/11/2012
Código do texto: T3966722
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