Surpresa no dia dos finados
Hoje dois de novembro, o cemitério amanheceu em alvoroço. A maioria dos finados aguardava ansiosa a visita de seus entes queridos. Sabem que não serão vistos, mas se alegram ante a expectativa de voltarem a sentirem-se queridos pelo menos nesse dia. Sou uma jovem que passou parte da vida sozinha, e agora depois de morta não tenho ninguém para se lembrar de mim. São quatorze horas, uma procissão de gente se espalhou pelo cemitério. Os túmulos estão sendo enfeitadas com flores, e aqui e ali pessoas rezam baixinho. Passeio por entre as tumbas e fantasio que alguém está ali para me visitar. O choro sentido de um rapaz desperta minha atenção e me aproximo. Olho atentamente a fotografia na lápide. Uma moça loura sorri timidamente. Estranho pois estou aqui há mais de cinco anos e não me lembro de já tê-la visto. O jovem balbucia frases carinhosas e declara entre soluços o seu amor. Fico incomodada. A sinceridade da declaração me atinge profundamente. Um misto de despeito e encantamento me domina .Quem terá sido essa garota que despertou sentimento tão profundo? Será digna de lembranças tão pungentes? Por um momento devaneio que sou eu a morta pranteada e passo delicadamente a mão pelos cabelos do rapaz. Sentindo o toque ele se arrepia e um sorriso ilumina lhe o rosto. Certamente está pensando que quem o tocou é a sua amada. Ousadamente beijo suavemente seu rosto. O aroma de sua colônia pós-barba é delicioso e de maneira incontrolável vou distribuindo beijinhos nos olhos, na testa e enfim em sua boca. Nunca pensei que os mortos pudessem sentir as mesmas sensações de quando estavam vivos. O toque frio de meus lábios não o incomodou, pelo contrário, o rapaz se entregou ao beijo completamente. Estávamos os dois nesse idílio quando uma senhora gorda se aproximou e o tocou no ombro desfazendo o encantamento. Fiquei por ali esperando que a tal mulher fosse embora, para me aproximar novamente, mas a tarde caiu e logo era a hora de encerrarem as visitas. Acompanhei o moço até o portão e retornei ao meu túmulo. Agora só me resta esperar até o próximo dia dos finados, ou que ele tenha gostado tanto quanto eu dos beijos e retorne brevemente. 02/11/2012