Cada Alma Tem Seu Preço...
 

¨O mal que voluntariamente fizeste te cobrará os juros necessários
pelo tempo que for preciso...¨  (Do autor)

 
            Quando aquele paciente entrou, tendo olheiras profundas e negras, com uma expressão de cansaço atordoante, sabia que não seria algo fácil de lidar. O quadro piorou quando o homem abriu a boca:
            - Doutor, faz 3 anos que não consigo dormir direito por causa das entidades que me assombram todas as noites...
            O médico queria interná-lo em uma clínica, pensou que o caso era de psiquiatria, tentou livrar-se do infortúnio o mais rapidamente possível, mas assombrou-se com o que veio a seguir. O homem, cadavérico, descreveu em detalhes a sua mãe falecida há muito tempo...
            - Ela está aí, Doutor, ao seu lado o tempo todo...
            Como se fosse pouco, ainda contou sobre detalhes da sua vida que somente sua mãe poderia saber e terminou caindo em choro. Constrangido, após recuperar-se emocionalmente, o médico inquiriu:
            - Mas o que o Senhor deseja que eu faça? Não sou entendido dessas coisas de alma penada, mortos ou espíritos? O que deseja de mim?
            Quero apenas um medicamento para dormir...
            Chegando em casa, o homem, exausto, fez uso dos comprimidos. Habitava luxuosa mansão. Vivia solitário e o ar de abandono respirava em cada cômodo. Nenhuma criadagem suportava muito tempo ali. Havia no ar um sopro gélido, algo como uma ofegante expiração, uma sensação de sofrer angustiante e um sentimento de perda insaciável. Certa vez uma criada, ao limpar um dos quartos, diante do acúmulo de horror, teve que ser internada em um hospício dizendo que Deus nunca poderia ter permitido aquilo em sua vida. A família, indignada, ainda hoje move um processo contra nosso infeliz proprietário.
            Seu infortúnio ganhou notoriedade e a limpeza era, quando feita, realizada ás pressas por uma firma contratada e sempre durante o dia.
            Não era só isso. Os vizinhos, corriqueiramente, queixavam-se dos ruídos noite adentro. Sons inquietantes de choros, gritos histéricos, risadas insaciáveis e macabras cortando a madrugada. Uma reunião no condomínio de Alta Classe procurou impor fim àquilo através de multas, no meio da mesma, um fortíssimo vento afugentou a todos enquanto as luzes piscavam tendo duas janelas sido trincadas na sala de reunião. Não tocaram mais no assunto e muitos moradores passaram a temer, inclusive, passar na porta daquela vivenda sinistra.
Como se uma grave tristeza contaminasse até o solo, o jardim morreu e nenhuma planta vingava. Havia, portanto, o aspecto fúnebre daquelas árvores mortas, galhos retorcidos sobre um piso negro que se tornou pedregoso, arrastando sobre o mesmo, vez ou outra, algumas formas de vida plúmbeas e pegajosas...
Ávido por recuperar-se de anos inglórios a fio, antes de se deitar, o desafortunado exagerou na dose. Viu-se, em pouco, tendo seu pé roçado, enquanto dormia, por uma entidade.
            - Não. De novo, não! – Foi o que disse antes de virar-se e deparar-se com o vulto de uma mulher branca, cabelos negros, olhos profundos habitados por dois grandes sulcos de órbitas vazias.
            - O que quer de mim? – Disse o homem em pânico.
            - Quero tua alma...
            - Sai daqui! – Gritou apavorado enquanto a entidade, usando de uma força descomunal, puxava-o para fora da cama arrastando seu corpo pela casa. Ao invés do piso de porcelanato coberto por caros tapetes, era friccionado contra um áspero e terrível assentamento espinhoso que lhe rasgava as peles e as carnes. A dor lancinante devorava-lhe a alma.
            Urrando e berrando, implorava por paz até que, em um átimo, sentido-se corroído, viu-se de novo junto à sua cama. Querendo o sono, o repouso, o refazer da energias corroídas, cerrou os olhos, mas, assim que acreditou dormir, percebeu o vulto de uma outra mulher, também branca, com as faces carcomidas por vermes visíveis, que se movimentavam pelo rosto e saíam e entravam das órbitas ocas, da boca e do nariz.
            - Não! O que você quer? Sai daqui! Sai daqui!...
            - Quero tua alma...
            Usando de outro artifício, a mulher estendeu suas mãos sobre a cama e dela brotaram pequenas criaturas, insetos vorazes, que picavam-lhe a pele gerando dor maciça, inchaço, coceiras febris e toda sorte de lesões imagináveis. A tortura durou horas até que vencido pela dor, desmaiou...
            Durante aquele descanso possível, viu-se nos braços de sua mãe, ainda menino...
            - Mãe, por que aquelas mulheres me maltratam? O que querem de mim?
            - Querem sua alma, meu filho. Querem roubar-lhe, aos poucos e para sempre, a vida que delas roubaste ao matá-las a sangue frio para usufruir da herança que lhes fora deixada. Bem sabe que são sua esposa e sua filha a te perseguir...
            - E quando me verei livre delas, mamãe?
            Olhando-o com calma nos olhos, a belíssima anciã transmudou-se para uma das mulheres:
            - Não te deixaremos nunca! – Nisso, cravou-lhe os dentes no pescoço arrancando-lhe, pouco a pouco, nacos de tecido enquanto ele gritava por uma paz que nunca teria...