Os Rostos dos Escravos do Além

Iorubás, haussás, bornos, baribas.

Estas palavras vão marcar a vida daquela família para sempre. Além de outro exemplo de fenômeno que a ciência ousou, mas não explicou.

A família estava reunida para a ansiosa viagem. Jamile mandou o carro parar. A freiada foi brusca, com reclames do pai.

- Pare, pare, pare, papai.

- O que foi, filha?

Indagou a sua mãe.

A menina nada respondeu, saltou do carro e, e voltou correndo para a casa, retornou a sua lateral,demorou alguns poucos segundos e retornou carregando nas mãos um gatinho, ainda filhote.

- O miau, mamãe, o miau...

Os pais se olharam e, as expressões faciais se comunicaram, em uníssono. Não deu certo a armação dos dois com a filha. Jamile havia encontrado o gatinho na rua, logo o adotou, levando-o para casa a contra-gosto dos pais. O irmão mais velho abriu a porta do carro para que pudesse entrar. Nervosa e desajeitada entrou. O irmão lhe fez uma provocação.

- La na nova casa vai ser diferente, vamos dar sumiço nele.

- Não vai nada, é o meu miau, eu gosto dele. Vai mamãe?

- Ja disse que não quero gatos em nossa casa.

- Ele é tão lindo. Eu gosto dele, quero ver ele crescer junto comigo.

Diante do silêncio dos pais, a menina sentiu que o capricho estava consentido. O gatinho seguia no seu colo sendo acariciado por uma das mãos na cabeça peluda.

Fugindo do caos instalado na cidade de Salvador : trânsito sempre engarrafado,assaltos,homicídios e o tráfico de drogas assolando dos bairros periféricos aos bairros nobres. As praças tomadas pelos consumidores de crack, os pontos turísticos abandonados à própria sorte, sem policiamento, sem segurança. Turistas sendo assaltados no Pelourinho, assassinados nas praias.

O casal usando das economias comprou uma chácara no interior da Bahia.

Era uma casa ampla, reformada no interior do Recôncavo Baiano na cidade de Cachoeira. Cercada por uma vasta área verde, com um pequeno riacho nos fundos. Árvores frutíferas de várias espécies, bananeiras, pássaros diversos, borboletas. O verde era abundante, um local bucólico. Adélia abriu um largo sorriso, após vê-la após a reforma, que o marido, arquiteto renomado na cidade havia realizado. Os filhos estudariam na cidade mais próxima, Feira de Santana, onde moravam os avós,a mãe os levaria de carro. Adélia, sua esposa era decoradora autônoma - com clientes em Salvador, iria para Salvador de duas a três vezes por semana.

- Não gostei daqui, não gostei da casa, não gosto de morar no mato.

Disse Julinho, com muxoxo.

Os pais nada disseram, o carro com a mudança não demoraria á chegar.

A família instalada, uma semana depois. A casa ficava distante do centro, ficava instalada após uma longa estrada de chão.

- Será que tem lobisomem aqui?

Brincou o irmão da menina, estavam dentro do carro, retornando para casa, após uma tarde de domingo numa sorveteria. Era quase dez horas da noite. O caminho era pouco iluminado e cercado pelo matagal. O vento açoitava o capinzal, num sibilar assustador. Sapos coachavam e havia um desfile incessante de vaga-lumes por todos os cantos. Estavam as crianças tensas, quando um vulto estranho, no escuro saltou na frente do carro, o freio brusco, providencial - o susto foi geral-, era um boi desgarrado.

- Não gosto do mato, não gosto de morar aqui.

Reclamava o menino.

A tv foi desligada às 23:00h. O casal inicou uma sequência de carícias e fizeram sexo, com cuidado, sem barulho. As crianças dormiam. A lua cheia imponente - no interior parece sempre mais brilhosa, mais bela. Era um céu digno da mais bela obra de arte do mais talentoso artista. As estrelas brilhavam. A casa cercada pelo breu da noite diante da sinfonia assustadora do coachar dos sapos e rãs.

Julinho havia tomado muito refrigerante, natural que acordasse na calada da noite para ir ao banheiro. O seu quarto estava apenas com a luz do abajur. Abriu os olhos, olhou para os quatro cantos do quarto. Viu a área externa pela vidraça da janela, então, o seu medo cresceu, dali podia ver o intenso matagal ás escuras, a vegetação bailando com o vento. Os sapos não cessavam o som angustiante. Um grilo havia invadido o seu quarto, o som que fazia era ensurdecedor, chato. A bexiga cheia.

- Não posso urinar na cama...

Falou, com preocupação. Estava debaixo das cobertas, fazia frio. O corpo deitado de lado, as pernas encolhidas, o olhar fixo na janela. Ergue-se da cama, amedrontado, com o andar vacilante. Precisa chegar ao interruptor e ligar à luz.

-Mãe...mãe...

Chamava baixinho, como se temesse que o que temia pudesse ouví-lo. Ficou aliviado ao alcançar o interruptor. Ligou à lâmpada, quando olhou para às suas costas, na direção da cama, soltou um grito de pavor que ecoou por toda a extensão da chácara.

( Continua)

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 29/10/2012
Reeditado em 15/08/2013
Código do texto: T3958918
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