A GROTA

As árvores contam histórias, me disseram... histórias antigas de tempos que não voltarão, tempos em que não estivemos, tempos que não conhecemos... narram no sussurrar de suas folhas coisas que nossos ouvidos não podem reconhecer, mas na minha inocência infantil, quando passava horas embaixo das árvores admirando os raios de sol que conseguiam adentrar por entre a folhagem densa, eu achava que sabia o que diziam; e suas vozes suáveis sempre me levavam até ela, a grota, e na beira do barranco eu me inclinava e podia ver a água seguindo seu curso e a pequena cachoeira, podia ver os musgos nas pedras e podia ver o pássaro preto que me contava histórias horríveis e podia ouvi-la... ninguém nunca acreditou, mas eu podia ouvi-la gritar, por de trás da cortina de água eu a ouvia pedindo ajuda.

Sempre senti a necessidade de voltar aqui, mas agora o vento chacoalha as árvores em uma melodia suave ao mesmo tempo em que espalhava os meus cabelos, e sinto que ainda sou pequena, pois as árvores de troncos largos e ásperos ainda parecem gigantes a dominar o mundo, e eu um pontinho insignificante... sempre gostei disso, desde criança gostava da liberdade, de fazer tudo o que minha mãe me proibia. Morávamos em uma casa simples sem água e energia elétrica ao lado da casa dos meus avós em um pequeno sítio, a uns três metros da minha casa havia uma grota... minha mãe morria de medo de que eu me aproximasse e caísse, mas eu adorava ir até lá e ficar observando o fio de água lá no fundo.

Meus avós, de criação humilde e interiorana eram muito supersticiosos e acreditavam em criaturas do folclore, como lobisomem, mula sem cabeça e o saci, minha vó dizia que o saci morava dentro da grota e eu na minha ingenuidade infantil, não sabia como era um saci, em uma das vezes que me debruçava no barranco para olhar o misterioso interior da grota eu vi um pequeno pássaro preto de pernas longas a assoviar, e eu tive certeza de que aquele era o saci do qual tanto ouvi falar, fiquei completamente extasiada e queria de toda forma ir até lá, mas a curiosidade foi quebrada pela cautela da mãe, sempre a observar meus passos.

Já faz tanto tempo, a água agora é escura, lodosa e exala um cheiro podre, não é mais bonito como minha memória o tinha, naquela tarde quente em que eu, encorajada por minha amiguinha, desci o barranco agarrando nas raízes espessas que brotavam das paredes úmidas. O nome dela era Zizi, pelo menos era assim que eu a chamava. Juntas éramos imbatíveis, não tínhamos medo de nada, adentramos a grota e nos maravilhamos com a paisagem, lá era fresco e brincamos no pequeno córrego com as pedrinhas arredondadas, tanto que nos esquecemos da hora e o sol já se preparava para deitar no horizonte quando o pássaro preto apareceu, ele era tão manso que nos deixou afagar lhe a cabeça e o inesperado aconteceu... ele contou-nos um segredo...

Eu duvidei na hora, mas a Zizi era curiosa e quis tirar a prova, seguiu a ave e eu fui ao seu encalço, chegamos a uma pequena cachoeira e o pássaro sumiu entre a cortina de água, então era verdade... havia uma caverna secreta bem ali. Zizi ameaçou entrar atrás do pássaro; eu definitivamente fui contra, mas ela nunca me ouvia, colocou lentamente o braço entre a água que caia e sorriu, a caverna era real... mas tão rápido quanto o pássaro sumiu detrás da cachoeira uma mão coberta de pelos e com unhas gigantes a agarrou e a puxou para dentro do buraco desconhecido. Eu corri o mais rápido que pude, subi o barranco cravando as unhas na terra e me enroscando nos espinhos; dentro da grota eu nunca mais voltei.

Até hoje, e agora estou aqui, preciso provar para mim mesma que a caverna existe, que não inventei essa história, que há algo morando naquele lugar. A vegetação espinhosa se tornou densa e o barranco de difícil acesso, pela borda lodosa do pequeno córrego caminho com dificuldade, o vento continua a arrancar das folhas histórias que não reconheço. Sinto um cheiro úmido, muito familiar, de musgos e terra molhada, um crepitar da vegetação dá início a chuva de granizo, as pedras caem sobre mim e ferem, penso em voltar, mas... um rosto surge entre a vegetação, só pode ser a Zizi, começo a adentrar pelo emaranhado de cipós até a cachoeira, a chuva cai sem piedade e tudo se torna meio embaçado e coberto de pedras de gelo arredondadas.

Atrás de uma pedra vejo algo se mover, é ela, pude ver o topo da cabeça se movendo devagar na tentativa de esconder-se, fui em sua direção; os granizos tinham cessado e pingos grossos de água caia sobre minha vida e eu não podia parar, contornei a pedra buscando pelo rosto da garotinha encurralada, senti um arrepio percorrer meu corpo e fiquei ali, imóvel, por um segundo tive medo de ver o que ela tanto escondia, então ela me olhou... seu rosto... não era a Zizi. A menina correu assustada e eu a persegui, em meio a chuva e com espinhos arranhando a pele, até me deparar com a criatura.

Ele era alto, dois metros mais ou menos, o corpo coberto de pelos ralos, olhos azul turquesa e dentes longos e pontiagudos... acenou para a garotinha entrar na caverna secreta e ela obedeceu, a chuva açoitava-nos e ele se aproximou, ergue o braço apontando para o meu rosto e marcou com um pequeno corte feito com a própria unha o centro da minha testa... novamente corri, mas sabia que ele não me perseguiria, afinal ele já tinha o que queria.

E o rosto daquela criança eu jamais esquecerei, vejo todos os dias quando olho para o espelho, mas ele nunca será o mesmo, carrega o peso da idade e profundas cicatrizes da vida.

Eliane Verica
Enviado por Eliane Verica em 29/10/2012
Reeditado em 06/11/2012
Código do texto: T3958152
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