Segredos do pântano II

Jamill burilava uma idéia em sua cabeça, motivada pela ambição e pelos goles fartos dos licores. Uma garrafava já estava pela metade, tinha de petiscos fatia de queijo.

Ressoavama na sua cabeça “ dinheiro”, “ pequena fortuna”, “ começar um pequeno negócio”...Ergue-se da cadeira, tomou o último gole e foi à escadaria que daria para o andar de cima. O segurança o barrou:

- Não pode subir, la em cima é reserva.

- Desculpe-me, mas preciso falar com alguns senhores que estão la em cima numa das mesas.

- Não podem ser perturbados. Sinto muito.

Pressentindo que não conseguiria sucesso naquela tentativa, Jamill retornou à sua mesa, e dali, depois de algumas tentativas, conseguiu vencer o barulho ambiente e chamou a atenção dos senhores com gestos bruscos feitos com um dos braços. Dois deles curvaram o tronco sobre a proteção da pequena varanda e o olharam. Jamill lhes falou algo, um deles, apesar de não ter entendido muito bem, pediu a uma das mulheres que o chamasse, descendo as escadas até ao meio dos degraus. O segurança não o importunou, e até lhe pediu desculpas. Jamill, irritado cuspiu num dos degraus, provocativo, e subiu ao lado da mulher.

- Senhores, não deixei de ouví-los,, apesar do barulho ambiente. Fiquei sabendo do assalto, e desejo desde já saúde para o barão.

- O que poderá fazer? O facínora fugiu para o pântano, e pelo que se sabe, provavelmente, dali não retornará, lhe será fatal, tal fuga. Uma pequena fortuna se perdeu.

- É isso... Eu tenho uma proposta. Eu vou caça´-lo, caso recupere o dinheiro, quero a metade, a outra metade podem fazer o que bem quiserem,, ou devolvem-no ao barão, ou dividem entre si.

- Mas, a metade, não está querendo demais?

Observou mister Phillips, enquanto acariciava a borda do seu copo de run.

- Oh, senhores,” o dinheiro está perdido”, presumo que diziam assim, farei uma aventura, poderei não voltar, também, mas poderei retornar. Não tenho muito a perder nesta vida, mas posso arriscar a minha vida por uma pequena fortuna. Sou trabalhador da estiva, pernoito num armazém de depósito sobre sacas de amidos, ou cereiais, milho, ou tabaco. Não tenho família, e sou de um país distante.

Dr. Herkull soltava baforadas fartas do seu charuto. Perguntou:

- Como poderemos confiar na sua pessoa?

- È questão de palavra, nada além.

Phillips, o olhou nos olhos, e redarguiu:

- Fechado, mas, caso retorne, e não seja fiel, te garanto que será um homem morto, onde encontrá-lo cobrarei pelo dinheiro.

- Irei buscar esta pequena fortuna, e se for possível, trarei o facínora vivo.-

- O ladrão seguiu até á ponte, dali pulou no rio, nadou e ganhou a outra margem que leva ao pântano. Muitos ladrões fazem assim, nenhum deles voltaram, felizmente.

- Te darei uma espingarda, farta munição, nada além.

Observou Phillips. Recomendando que o mesmo passasse na sua empresa para tal.

Uma velha garçonete Zazza, havia assistido a tudo, enquanto servia à mesa. E, pedindo licença, redarguiu:

- Senhores, o pântano guarda muitos segredos. O pântano é maldito. Tem vida própria. As bruxas que foram caçadas pela igreja, nem todas foram para á fogueira, fugiram e ali fizeram moradia, escondem-se para os esconjuros, para a realização dos rituais demoníacos e para os rituais de inicialização das jovens bruxas. Vendem segredos milenares para os que desejam ter á riqueza, poderes, mulheres , mesmo que o preço seja vender a alma para o capeta. Sabemos que muitos dos homens poderosos de Londres, ali vão buscar o que lhes interessa. Ricos homens do comércio, exportadores, políticos. Não va meu jovem, estará se condenando.

- Hum, é verdade que nas noite de lua cheia, quando há ocorre as convenções das bruxas, é comum vê-las aos montes voando em suas vassouras?

Indagou Phillips, com deboche.

- Não duvide, não duvide...

Todos saíram do bordel quando o dia já se anunciava por uma alvorada tangida pela sanguínea rubra, bela. Os senhores trocavam palavras curtas, inaudíveis para o jovem. Phillips foi abordado pela jovem prostitua, esta lhe falava que apesar da pouca idade, era formada na arte de dar prazer a um homem, e que fazia isso para contratar um advogado para defender ao pai que estava condenado á forca.

Phillips a abraçou e seguiram para um sobrado de sua propriedade, ali tinha uma suíte preparada para amores secretos de alcova. Algumas cédulas que lhe foram dadas ao longo da noite deixavam os seios miúdos com certo volume.

Jamill adentrou pelo armazém das docas. Ali deitou por cima das sacas, e dividindo o espaço com as ratazanas, apagou. Acordou ao meio-dia, com o som ensurdecedor do movimento do porto. Não foi perturbado, pois havia escolhido o local certo, bem nos fundos, num armazém de estocagem longa.

Acordou com preguiça, indisposto, a cabeça latejando. Lavou os dentes com folhas espumantes e com água de um barril de armazenagem da água da chuva. Banhou-se numa tina, relaxou a ponto de tirar breve cochilo.

Calçou as botinas de couro. Abotoou os botões, pegou do chapéu de camurça. Saiu, esgueirando-se pelas pilhas altas de sacas de amidos, cereias – escondia-se da chefia e dos demais colegas de trabalho.

De posse da winchester, munição. Despediu de mister Phillips. Os demais não estavam presentes. Mais tarde se encontrariam para um almoço, e com certeza, apostariam pequenas quantias – com apostas na volta dele, ou no seu fracasso.

-Mandarei o meu cocheiro leva-lo até à ponte.

Disse mister Phillips, e assim foi, desceu da charrete, ganhou a beira do rio, nadou até a outra margem, entrou pelo pântano.

Quanto mais se embrenhava, mais ficava tenso, cansado. Jacarés, répteis, árvores de raízes elevadas. A tensão aumentava quando tinha sobre os pés a lama escura, o terreno no lodaçal. Árvores sinistras num bailado de galhos retorcidos, posicionadas como se quisessem abraçá-lo. O canto agourento das gralhas saltando de galho em galho, soando o seu canto feio, agourento como se estivessem á espreita, como se aguardassem o fatídico, o corpo cair inerte ao solo para a carne em franca putrefação poder alimentar aos pequenos estômagos habituados a sorverem os vermes que desfilam pela massa de carne podre. Olhavam-no e se comunicavam, quanto mais gralhavam, mais delas surgiam.

Ele seguia incólume, determinado, a arma em punho engatilhada. Não tinha por onde seguir, não havia caminho ou trilha – era guiado pela intuição.

Até que uma grande surpresa aconteceu. Um som de voz humana, posicionou-se por entre as árvores e protegido pela farta vegetação. Então viu o barulho na mata. O ladrão surgiu do nada. Tinha as roupas em frangalhos, estava sujo, os cabelos em desalinho, os olhos saltados fora das órbitas, babava, louco varrido , dizia:

- Eternamente, não, por favor, não, deixem-me ir...socorro eu quero sair daqui, eternamente, não, deixe-me ir, quero a minha liberdade...

Passou por ele correndo, se chocando contra as árvores, caindo e logo em seguida, erguendo-se. Os corvos se agitavam e o seguiam à espreita, gralhando. Uma cena dantesca, macabra. Jamill sabia o que lhe sucederia. Seguiu-o com atenção. O alforge estava traçado no seu ombro. O alforge com bordados dourados e brancos, uma peça so utilizada pelos homens de grande negócios. Ali, estava a sua pequena fortuna. Antes que o mesmo se embrenhasse pelo matagal, mirou a winchester e deu um tiro no meio das costas. Aproximou-se e deu um tiro na cabeça. O lodo se banhou de vermelho. Os corvos se agitavam – estava ali o repasto dos próximos dias.

Pegou do alforge com sofreguidão, mãos nervosas, quando o abriu, um grande susto:

- Vazio?

Deduzira que o mesmo havia sido roubado, ou algo o deixou louco a ponto de ter perdido todo o dinheiro. Procurou pelas cédulas na folhagem e na lama, nada. Seguiu de arma em punho na direção de onde ele tinha vindo, feto um louco. A sua coragem era superior ao medo do inesperado.

O sol distribuía a sua luz vermelho- ocre, com pinceladas de luz branca no horizonte, por entre as folhagens. A tarde estava findando, seria questão de vida ou morte encontrar um abrigo para a noite. Estava perdido. Não sabia por onde seguir. Após longa caminhada, enfim havia encontrado uma trilha. Seguiu por ela.

Encontrou um casebre de madeira, teto de palha seca. Aproximou-se com cuidado, uma velha cortava lenha num tronco preparado para tal. Ele lhe apontou a arma, mostrando-lhe o alforge. A velha o olhou, sem surpresas, ou alarde. Deu alguns passos para trás e entrou na casa. Jamill permaneceu estático, a arma apontada para a porta por onde a velha havia entrado.

Dali, saiu uma mulher linda. Cabelos loiros, ondulados, de olhar lânguido, convidativo. As suas formas eram perfeitas, uma deusa de beleza. Os seios, um par maravilhoso apontando para frente, tentando romper o fino tecido. A cintura de violão, coxas grossas, roliças. A pele de brancura diáfina. Tinha os lábios carnudos, rosto de princesa.

- A minha avó se assustou com o senhor, ela é meio cega e é surda.

- Senhorita, não sei quem são vocês e como podem morar aqui, caçava um homem, e já o encontrei, eu o matei. Era um ladrão, roubou uma pequena fortuna que estava neste alforge. Onde está o dinheiro?

- Ora, moço, não precisamos de dinheiro, o pântano nos dá tudo o que precisamos. Vamos entrar, a noite está fria e a lenha já tosta na lareira.

E, assim foi. Sentados numa mesa de madeira rústica, com quatro cadeiras dispostas, ali à beira da lareira lhe foi servido um ensopado de bípede desconhecido, com pão caseiro. Depois de satisfeito, relaxado, pôde observar a sua beleza estonteante. E, ali á beira do fogo trocaram ousadas carícias. Beijos molhados, afagos, mordidinhas e mãos bobas que apalpavam lugares indevidos por sobre o tecido.

- A sua avó...

Ele observou, com preocupação.

-Ela é bicho do mato, quando um estranho aqui invade, tranca-se no seu quarto, so sai de la de pois que o estranho se vai.

E, ela o levou para o seu quarto. Despiu-se e na cama experimentaram os sabores de alcova. La fora o coaxar dos anfíbios, no quarto o som virulento dos corpos se chocando, gemidos, sussurros- o desmanchar-se em prazeres desmedidos.

Ele caiu exausto e satisfeito ao seu lado na cama de palha seca. Dormiu. A noite seguiu. Ela prometeu que o ajudaria a procurar o dinheiro na manhã seguinte. Mas, lhe confessou que poderia ser uma busca em vão. Louco, o ladrão, por estar perdido, pode ter perdido o dinheiro na lama, ao longo do pântano – e, caso chovesse as águas sempre em ebulição, consumiriam todo o dinheiro. Ele pensava apenas nos contornos belos do seu corpo. Nada lhe disse, mas restava um não sei o que de esperança.

Quando o sol raiou, uma grande surpresa, que o tirou da cama sobressaltado.

- A velha, nua na cama, ao meu lado.

A velha abriu os olhos, exibiu um sorriso de Monalisa na sua face enrugada e disse:

- Querido, dormiu bem?

- Mas, que brincadeira é essa? Onde está a sua neta, como veio parar na cama comigo?

- Não tenho nata, meu querido, tenho muitas formas, a natureza me permite ter formas belas para a satisfação dos meus amantes. Mas, ao raiar do dia...

- Mas, isso é uma piada, é uma loucura?

- Não, acredite em mim, agora você será meu para sempre, para todo o sempre será meu. Eternamente, nunca poderá mais sair daqui.

Caso, mais alguém, por ali se perca, poderá, quem sabe encontrar-se com jamill, louco correndo pelo pântano, com as roupas em farrapos, sujos, os cabelos em desalinho e gritando, feito louco varrido assim:

- Eternamente, não, por favor, não, deixem-me ir...socorro eu quero sair daqui, eternamente, não, deixe-me ir, quero a minha liberdade...

FIM

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Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 28/10/2012
Reeditado em 07/11/2012
Código do texto: T3955952
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