Massacre em Haloween Vilage (Parte Primeira)
O inferno nem é tão longe... – Raffael Petter—
29 de outubro de 1995. Local: Hospício Doutor Arnaldo, Haloween Vilage.
-- Como ela está doutor? – pergunto. A chuva caía impetuosamente lá fora. Vez em quando um raio coriscava o céu como se fosse um pequeno dragão luminoso. Dr. Hector olhava pra janela como se nela visualizasse minha resposta.
-- Bom... —inicia a frase com hesitação. — Carolline não vem apresentando melhora em seu quadro psicológico... Infelizmente, ela vem sofrendo um espécime de retrocesso...
Aquelas palavras haviam-me esbofeteado a cara. Apesar de tudo eu ainda tinha esperanças... Hector puxa de uma das gavetas de sua escrivaninha e me entrega várias sulfites com ilustrações. Vou vendo uma a uma. Era como se eu visse uma seqüência de slides absurdos de filmes de terror.
-- O que é isso?—exclamo, já antevendo a resposta.
-- Esses são desenhos feitos por Carolline... Como a senhora pode observar...
Ele não quis terminar a frase. Contudo, já sabia o que aqueles desenhos maléficos significavam. Minha filha havia ilustrado cenas macabras. Cenas verdadeiramente horrendas. Havia uma em que ilustrara o esquartejamento de um cão. Outra em que havia posto uma pessoa ensangüentada num emaranhado de arame farpado.
De repente, lágrimas brotam de meus olhos. Rolavam quentes sobre as maçãs de meu rosto. O médico psiquiatra retira de dentro duma pequenina caixa de madeira envernizada, que estava ali em cima da escrivaninha, um lenço. O pego. Tentava enxugar minhas lágrimas, porém, elas não estacavam. Era como se tivessem destruído a barragem duma represa que há muito continha uma água poderosa.
Depois, de mais de meia hora, consigo me conter e fazer uma pergunta:
-- O senhor tem a absoluta certeza, de que minha filha não tem chances de melhorar? Ou até mesmo de ser curada?
Balança a cabeça negativamente e me diz:
-- Infelizmente, a medicina psiquiátrica, ainda não encontrara a cura para a psicopatia.
Nesse momento não vejo mais nada. Minhas lágrimas embaciavam minha visão. E lá fora um trovão ribombava no céu cinzento.
***
-- Olha que a mamãe trouxe Carolline... —digo estendendo à minha filha, uma gata branca de olhos verdes como jade. A felina tinha seis meses.
Carolline naquela época tinha apenas oito anos. Pega da gata e fica encarando-a. Encarava-a com um olhar gélido, insensível. No primeiro momento não havia dado importância a tal reação. Achara aquilo completamente normal.
***
Fazia mais de uma semana que Carolline ganhara Mabel – assim a batizara – e logo se percebia que minha filha e a gata não tinham quaisquer laços de afinidade. Bastasse que Ravina adentrasse a algum cômodo da casa para Mabel retirar-se. Realmente, era algo muito estranho. O animal parecia evitá-la de qualquer maneira.
Era noite. E fazia muito calor naquele dia. A jarra de água que ficava ao lado da cabeceira de minha cama estava seca. Minha garganta parecia que ia rachar de tanta sede.
Levanto, pego da jarra e saio porta a fora. Desço, vou à cozinha e encho-a. Subo as escadas e passo pelo quarto de Ravina para ver se ela estava descoberta.
No entanto, o que vi, fizera com que eu soltasse a jarra fazendo-a se espatifar no chão. Era uma cena muito chocante. Minha filha Carolline, de apenas oito primaveras, estava banhada em sangue... E ao seu lado inerte, jazia Mabel, plenamente destripada. Observando melhor, pude ver que na mão esquerda da minha única e primeira filha, havia uma faca sanguinolentíssima, enquanto, na outra ela segurava duas pequenas bolinhas... Não. Aquilo só podia ser um terrível pesadelo... Em breve, despertaria e tudo voltaria ao normal... Aquilo não era creditável.
--Olhe mamãe... Arranquei os olhos de Mabel! —diz-me estendendo-me os olhos, que momentos antes pertenceram à pobre felina. Sorria como se nada lhe houvesse ocorrido. Dado aquele momento, ponho minhas mãos na boca. Tentava impedir a saída dum grito de dor e medo. Tentava impedir a saída de meu asco...
***
-- Aonde vamos, mamãe?—pergunta-me ela com aqueles seus grandes olhos azuis inocentes, puros. Viro e fico analisando-a no banco traseiro do carro. Era tão frágil...
--Vamos visitar o Dr. Hector...
-- Detesto-o... Ele é muito chato... —contrapõe irritada.
Freqüentávamos o consultório do Hector desde aquele incidente com Mabel. Íamos todos os dias.
***
Carolline completa dez anos hoje. Fazia dois anos que ela não manifestava nenhum ato agressivo. Desde aquele esquartejamento da pobre gata...
Nesse ínterim conheci uma pessoa. O Paulo. Um cara muito legal que tem a minha idade. Trinta e sete anos. Ele era como um pai que Carolline nunca tivera. Sempre muito atencioso. Havíamos nos conhecido um ano atrás. Íamos nos casar.
Tinha que sair para comprar as coisas pra fazer o bolo de Carolline. Ia ser uma surpresa. Olho pro relógio grudado na parede da cozinha: 6:40.Paulo só chegaria às nove.
***
-- Marguerite?Você está em casa?—pergunto. As luzes estavam todas apagadas. Tento acionar o interruptor, no entanto, este não corresponde. Deveriam ter cortado a luz. Ponho minha mochila sobre a mesa da cozinha e olho o relógio afixado na parede a minha frente. Sete em ponto. Felizmente chegara mais cedo.
-- Carolline? Você está aí?—interpelo e não recebo nenhuma resposta. Onde será que elas estariam?Chamo novamente desta vez pelas duas: -- Carolline, Marguerite...?Onde estão vocês?
Nada. A casa parecia estar abandonada. Atravesso a sala e vou à cata delas noutros cômodos. Na sala de estar, também não, na de jantar. Só poderiam estar dormindo em seus respectivos quartos.
Subo os degraus de madeira que conduziam ao segundo patamar. A única coisa que se podia ouvir era o som de minha respiração. Minha barba estava ensopada de suor. Merda! Só podia ser brincadeira de mau gosto delas. Se fosse elas iriam se ver comigo...
Após subir aquele caracol de degraus, para um pouco para recuperar um pouco o fôlego.
Vou direto ao quarto que eu e Marguerite ocupávamos. Vasculho o cômodo inteiro e não encontro sinal algum delas. Aquele jogo já estava me preocupando... Se aquilo fosse uma brincadeira... Pensava nisso quando ouço um barulho, no quarto ao lado, o quarto de Carolline.
Chamo por ela:
-- Carolline? Você está aí...?—ela não me responde. Saio correndo daquele quarto pra ir pro outro. Estava fechado. Bato na porta:
-- Carolline abra esta porta!—ordeno com a voz um tanto nervosa. O que aquela garota pretendia?O que estava acontecendo na realidade?
-- Carolline abr... —antes mesmo de que eu terminasse a frase um clique faz com que a porta abrisse. O quarto estava sendo iluminado por chamas de velas bruxuleantes. Que diabos era aquilo?Sempre desconfiei que aquela menina tivesse um parafuso solto...
-- Você está bem Carolline? – pergunto adentrando no quarto. A porta fecha-se atrás de mim e não vejo mais nada.
***
Onde estava?Minha cabeça doía e regirava ao mesmo tempo. Era como se alguém tivesse dado uma martelada em meu crânio.
Olho pros lados. Epa... Aquele quarto era o de Carolline... Tento com meus olhos buscar pela menina. Não demoro a encontrá-la, pois essa estava a minha frente, sentada numa poltrona. Observava-me com aqueles olhos azuis cujos pareciam um pedaço do céu. Mas ela me olhava duma forma esquisita... De um modo frio... Sem sequer piscar, assemelhava-se com uma aranha esperando um inseto a cair em sua rede para poder matá-lo.
Tento inutilmente falar. Não consigo. Minha boca estava vedada. Algo impedia que os sons de minhas palavras saíssem. Parecia que estava colada com alguma fita... Tento me levantar. Porém, não consigo. Meu corpo também estava atado. Sentia-me uma autentica mosca, pressa e embalsamada na teia de uma aranha pronta para ser devorada.
O que era aquilo o que estava acontecendo?Fico murmurando, para que Carolline me ajudasse só que ela parecia não me ouvir... Parecia estar em outro mundo...
--Olá, Paul como vai indo?—me pergunta ela num tom de desdém. Aquilo só podia ser algum tipo de brincadeira... Murmuro nervoso.
-- O que? Não consigo ouvi-lo... Deixe-me tirar a fita....—ela aproxima-se de mim e retira com veemência a fita que lacrava minha boca.Sinto como se minha boca estivesse sendo arrancada...
-- Vamos me desamarre... Isso não tem graça Carolline... —dizia eu a ela.
-- NÃO!—responde-me berrando. E foi nesse momento que ela pega algo em cima de sua cama. Algo pontiagudo e reluzente... Era uma faca. Aproximava-se de mim com um sorrisinho maquiavélico...