DE VOLTA DOS MORTOS

Setembrino levou os cornos, a mulher o chifrou com um vizinho e fugiu com ele. Desse dia em diante nunca mais ele ficou sóbrio. Depois do ocorrido Setembrino voltou a morar com sua mãe, na comunidade aonde foi criado. Passou a beber e não saia dos botecos. Todos o conhecia, pois foi um moleque arteiro na comunidade.

Os colegas de infância sempre diziam a ele que se continuasse bebendo assim ele iria morrer cedo. Mas se tinha uma coisa que Setembrino se orgulhava era de driblar a morte. Vivia dizendo a todos que não morreria.

Setembrino teve uma infância pobre e como todo moleque de comunidade, sempre aprontava alguma, as vezes roubava biscoitos na venda do seu Manuel. Ou então vendia uma rifa e enganava as pessoas, pois se apossava do dinheiro e não havia o premio. Assim passou sua infância, dando um golpe aqui, outro ali.

Certo dia Setembrino estava no boteco enchendo a cara como de costume, então se aproximou um moleque e disse que naquela noite a morte viria buscar três bêbados da comunidade. Ele ouvindo isto, deu logo um cascudo no moleque, que saiu chorando.

Ele voltou para casa mais cedo, tomou um banho frio e passou a noite bebendo café amargo. Fez vigília a noite toda, com medo da morte.

De manhã os raios de sol entravam pelas frestas das janelas, anunciando que a noite já se foi. Quando Setembrino viu que a noite passou, respirou aliviado. E naquele dia foi mais cedo para o boteco, para compensar a noite de vigília.

E disse ele todo orgulhoso:

_ Eu não falei que a morte não ia me levar. Quando ela está vindo eu estou voltando - e assim se gabou o dia todo. Encheu a cara para compensar a noite anterior tomando café amargo. E lá vem outro moleque dizendo:

- Pessoal esta noite a morte vai levar dois barbudos. E tomou logo um cascudo de Setembrino. A molecada sabia do medo que Setembrino tinha da morte e aproveitava para tirar sarro dele.

Pelo sim, pelo não, Setembrino preferia não arriscar e correu para casa e tirou a barba.

No dia seguinte correu a notícia da morte de um barbudo. E lá estava Setembrino se gabando novamente. E naquele dia ele bebeu tanto que foi levado carregado para casa. Foi colocado em sua cama e dormiu dois dias e duas noites direto. Sua mãe preocupada ia sempre ao quarto certificar-se de que ele estava respirando.

Setembrino sonhou com a morte, ela vinha se chegando e dizendo a ele que era chegada a hora dele partir. Ele muito esperto tentou enganar a morte mais uma vez e falou:

_ Dona morte você há de convir que eu sou mais esperto do que você. Se eu conseguir te driblar mais uma vez você promete que me esquece para sempre?

A morte pensou, pensou e resolveu aceitar o desafio, pois ela nunca foi tão driblada. E pensou uma maneira de

enganar Setembrino. E falou:

_ Está certo, aceito o desafio. Hoje eu vou levar um cabeludo.

Setembrino achou fácil, era só raspar a cabeça e quando ela voltasse para buscá-lo não o encontraria. Então assim ele fez, raspou o cabelo e ficou careca.

Mais tarde chegou a Morte, toda sorridente, pois daquela vez levaria Setembrino. E procurou o cabeludo, e não o encontrando disse:

_ Eu vim buscar um cabeludo, mas já que não tem o cabeludo, vai o careca mesmo.

E assim terminou os dias de Setembrino na terra, que partiu muito triste, pois desta vez não conseguiu driblar a Morte.

A notícia da morte de Setembrino correu por toda a favela, e a mãe fez os preparativos para o enterro. O velório foi na Sede da Associação de Moradores da Comunidade. Todos estavam tristes com a partida dele, mas não se deixaram abater, pois Setembrino gostaria que todos se animassem para a despedida dele, e se reuniram para velar seu corpo naquela noite. Parecia uma festa, era bebida e comida a vontade, a vizinhança chegava com um pratinho e bebida, para passar a noite.

O velório estava tão animado que só faltava o Setembrino, para melhorar a festa.

Enquanto isso no mundo dos espíritos, Setembrino se deu conta que foi vencido pela morte. Estava ele diante de Tribunal, com advogado de defesa, de acusação e o Juiz. E Setembrino muito esperto pensava uma maneira de driblar o advogado de acusação.

O advogado de defesa era um Anjo de Deus, o de acusação era o Demo e o Juiz era Jesus Cristo.

O advogado de acusação o acusou de todos os golpes e roubos que praticou na vida, e mencionou também a vida que levava mergulhado na cachaça.

O advogado de defesa falou que Setembrino nasceu em uma comunidade carente, criado sem pai, passou fome, frio e se entregou a cachaça por conta dos cornos que levou da mulher.

Vez ou outra o demo arrastava Setembrino até a porta do inferno, de onde saia fogo de enxofre, mas o advogado de defesa o puxava de volta.

Jesus Cristo se compadeceu de Setembrino e estava preste a dar a sentença, quando Setembrino disse:

_ Senhor tenha piedade desse pobre errante, que pecou por não conhecer a verdade, me virei sozinho para viver, dei alguns golpes para matar a minha fome.

E o senhor perguntou:

_ Setembrino se você pudesse escolher um veredicto, qual escolheria?

E Setembrino esperto como ele só disse:

_ Senhor eu escolheria voltar a viver, pois tenho muito medo da morte, e ela só me venceu porque me pegou dormindo.

O senhor se compadeceu de Setembrino pela vida que levou na terra e deu-lhe uma chance de voltar e tentar consertar sua vida.

Neste momento no velório, todos bebendo, comendo e dançando. O caixão começou a tremer e a tampa voou longe, Setembrino levantou-se e quando pensou em pedir uma cachaça, não havia mais ninguém no velório, a maioria saiu correndo, inclusive sua mãe. Outros caíram duro no chão, e assim a morte devolveu Setembrino, em compensação levou uns dez. E tem gente que está correndo até agora.

Setembrino levantou-se e encheu a cara de cachaça, para esquecer que a morte o enganou. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk