A MORTE PEDIU CARONA
“Há um caminhão pequeno tombado e alguém preso nas ferragens. A coisa parece séria. Mande o socorro com urgência”. O agente rodoviário terminou a mensagem e, com certo espanto, notou o estranho que observava, do acostamento, ao acidente. Não se lembrava de tê-lo visto por ali antes, mas logo voltou sua atenção para o fluxo de automóveis.
Luís saiu de casa pela manhã rumo à transportadora. Conversou com o chefe quando lá chegou e ficou sabendo que deveria levar uma pequena carga até o litoral. Tarefa tranquila, pensou. Apanhou o caminhão, saiu do pátio e procurou dirigir por ruas secundárias para fugir do trânsito pesado da manhã.
Já próximo à rodovia entrou numa avenida movimentada. Notou alguém fazer o gesto característico com o polegar para pedir carona e resolveu apanhar o estranho, mesmo contrariando as normas expressas da empresa. O estranho sentou-se no banco ao lado dele e jogou uma mochila comum no chão da cabine. Havia um desenho de tabuleiro de xadrez nela.
Embora a viagem transcorresse normalmente, Luís mantinha sob a mira do olhar o estranho. O desenho na mochila o fez lembrar-se de quando jogava partidas de dama com o pai. Sentindo-se incomodado pelo mutismo do carona tentou entabular qualquer conversa. Ouviu de volta uma resposta estranha e que ele considerou desencontrada: “há uma cruz à direita da pista logo aí à frente”. Um arrepio incômodo percorreu seu corpo, mas respondeu: “muita gente morre atropelada por essas estradas, não?” O estranho concordou com um esgar que talvez lembrasse um sorriso e completou: “e poucos não esquecem a tragédia”.
Luís virou rápido para fitá-lo e à cruz que ele mencionara. Mal teve tempo de perceber o gesto brusco do estranho em direção ao volante de seu caminhão. Vários capotamentos após ele sentiu o baque surdo contra uma árvore, o mesmo que sentira quando atropelou alguém certa noite e não parou para prestar socorro. Não podia se mexer. As dores horríveis eram um sinal de estragos fortes. Sentiu tudo escurecer em volta...
Após a chegada dos paramédicos, o agente voltou a controlar o fluxo de automóveis. Intrigado, notou que o estranho permanecia do outro lado, junto ao acostamento. Por mera curiosidade atravessou para abordá-lo: “deseja algo?” “Sim, a alma do motorista acidentado”.