A Ceifa de uma Vida

Leonardo agora entendia a perda que sofrera.

A bebedeira havia finalmente passado quando ele voltou à fria realidade que o cercava.

Jamais se deu ao luxo de acreditar que sua amada havia partido. Não deste mundo, mas sim nos braços de outro homem.

Ele estava em casa quando tudo aconteceu. Não pegara Fernanda na cama com ninguém. Ela simplesmente apareceu dizendo que iria se mudar, que sentia muito, mas que amava outra pessoa.

Como era possível? Como aquilo tinha de acontecer justamente com ele?

Leonardo se lembrou das juras que fizeram uns aos outros quando eram crianças. A promessa de ficarem juntos para sempre agora ia embora pela boca da mesma mulher que jurava não o fazer anos atrás.

Ele pensava em vingar-se. Dar o troco. Mas como?

Confiava cegamente em Fernanda, e sabia que ela dizia a verdade quando dissera não o ter traído, que resolvera terminar e seguir adiante, sem o fazer sofrer com a dor da traição.

Abrindo a porta da geladeira, Leonardo pegou a garrafa de vodca. Preferia ser traído e continuar com ela, a saber que seu coração não pertencia mais ele.

Os amigos bem que tentaram ajudar, mas não conseguiram.

Leonardo afundava-se cada vez mais em seus vícios na tentativa de se livrar da realidade que esquecera-se completamente de quem era, e porque o fazia.

Ao menos, com o tempo passando, era isso que as pessoas pensavam.

Ele havia mudado. Tinha perdido o brilho em seus olhos e a alegria que outrora o acompanhava agora já não existia.

Sua barba estava grande. Ele abandonou o emprego e foi despejado por não pagar o aluguel. Aos poucos, perdeu seus bens e caiu no consumo de drogas.

Finalmente ele encontrara algo melhor. Algo mais forte. O álcool já não o confortava. Nem mesmo as fortes doses de pinga surtiam efeito sobre ele. Mas agora era diferente... A heroína que corria em suas veias por meio de uma agulha o levava a lugares incríveis. Depois, vinha aquela depressão... E para a dor passar, ele injetava mais e mais. Só que o dinheiro acabou.

Leonardo precisava se alimentar, e precisava de dinheiro para financiar seu vício. Passou a roubar. Eram pequenos furtos, mas sempre suficientes.

De uma hora para outra, começou a apagar. Não se lembrava de como havia chegado a uma rua, ou como havia passado a noite em um lugar e acordado no outro.

Nesses lapsos de memória, ele acordou em um cemitério. Seu corpo fedia mais que o normal. Um cheiro de carniça, como se estivesse podre, o que de fato estava. Ele coçou sua enorme barba e passou a mão no ralo cabelo. Levantou-se para ir embora quando a viu.

Fernanda chorava aos pés de uma sepultura cercada por duas crianças e outras pessoas. Uma sensação de alegria e tristeza invadiu o peito de Leonardo por um momento. Ele teve vontade de se aproximar. Ela o reconheceria? Saberia que era ele? Leonardo estava envergonhado. Anos de sua vida perdidos por causa daquela mulher, e ele ainda insistia em ama-la.

Ignorando o fato de seu lamentável estado, Leonardo se aproximou. As pessoas olhavam diretamente para o interior da cova, e quando este chegou a terra já havia cobrido o caixão.

-Fernanda? - disse ele.

Ela estava diferente. Havia mudado. Seu rosto trazia uma expressão carregada de sofrimento e alivio. Como se por anos tivesse sofrido e agora estivesse livre de um pesado fardo.

-Leonardo? Você está vivo?

O padre Martins a olhou com um ar de tristeza.

-Minha filha, vamos embora. Já passou.

Leonardo se irritou:

-Mas que é isso? Não vê que ela está falando comigo?

O padre parecia não tê-lo notado.

-Leonardo, meu amor!! Você não podia ter feito isso comigo... Como sofri por você!

-Fernanda, pare!! - disse o padre -. Não há ninguém aqui! Vamos embora!!!

-O que está acontecendo aqui? –berrou Leonardo- Fernanda, quero explicações...

Leonardo não terminou a frase. Ele apagou novamente. Quando acordou, estava deitado no leito de um hospital. As paredes brancas e a forte luz faziam sua cabeça doer. Ele não devia estar ali. Tinha de ir embora. Agora ele se lembrou.

A maldita esquizofrenia e paranoia que vieram sem avisar acabaram com sua vida. As noites dormidas ao relento, a ilusão de que sua esposa o abandonara, os vícios... tudo aquilo não passava de coisas em sua cabeça.

Envergonhado, levantou-se de sua cama e caminhou até a porta. Sua esposa conversa lá fora e chorava. Chorava por causa dele, por toda a dor que ele havia inocentemente causado. A doença, a causa de sua destruição era também a dela. O doutor falava algo sobre lobotomia.

Não, ele não queria aquilo. Virar um zumbi a ser cuidado por sua esposa até os dias de sua morte? Não era aquilo que ele sonhara no dia de seu casamento.

A janela estava trancada. Só havia uma opção e ele correu. O som do vidro estraçalhado assustou Fernanda e o doutor Barcelos. A queda tinha sido pequena, mas na noite chuvosa a luz do caminhão iluminou um vulto que corria pela avenida. Os pneus cantaram, mas era tarde demais.

Tudo ficou escuro, mas não foi como deveria ser. Enquanto sua mulher e os enfermeiros procuravam pela cidade, Leonardo acordou em um cemitério. Fernanda chorava aos pés de uma sepultura...

Bonilha
Enviado por Bonilha em 22/10/2012
Reeditado em 22/10/2012
Código do texto: T3945769
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