A intensidade de não ser
Por Ramon Bacelar
Ele chega, larga a pasta e chama os filhos. Consulta o relógio sem se lembrar do horário de verão; caminha para sala e em frente ao espelho, de sorriso ridículo, estoura os miolos com balas dum-dum.
Cai, estremece, convulsiona, mas antes do suspiro final, às suas costas, gritos e lágrimas inundam seus agonizantes e débeis sentidos: transmutam estupidez em arrependimento tardio.
Sua esposa grita... e não ouve, chora, mas não sente, finge, mas enxerga: ao seus pés, profusões de carmim avermelham a visão e mancham o tapete branco recém comprado com os juros do cartão: ela tenta, ouve, ofega, persiste, suspira, transpira e por fim, agindo como nunca agiu, sentindo como nunca sentiu, berra lacrimosamente para a cadavérica e sorridente arcada dentária:
“Grandíssimo filho da puta!!!”
FIM