A Casa dos Vitrais

**Olá pessoal! Confesso que está dificil escrever... o tempo não ajuda... Mas espero que gostem deste texto! Boa leitura...

Abraços

Deivid

Havia aquela velha casa e empoeirada. Anos atrás enquanto passava pela frente dela, Alberto comentava com o amigo.

Localizada no alto de uma subida cercada pela mata, a casa emprestava uma imagem pouco amigável aos que a viam da rua. Era um sobrado grande, e em vez de uma sacada, a parede frontal era cortada por enormes vitrais.

Aqueles vidros sempre o incomodaram. Basta passar na frente da casa para imaginar uma sombra de pé, observando por detrás deles.

Até o dia em que se mudou pra lá. Procurando nos classificados, viu o anuncio de uma casa muito barata, abaixo do mercado, e mal pode acreditar que era aquela casa que tanto vira passando pela rua, no bairro onde morou.

Alberto voltaria para lá. Suas fantasias de infância a respeito daquele lugar já eram passado, e a oferta era boa demais para se recusar.

Ligou na imobiliária e combinou uma visita para o final de semana. O número da lista era o antigo: 717-8714. Estranhamente o novo, com mais dígitos não funcionava. Quase por desistir, Alberto optou pela sorte, discando o número tal como o anúncio pedia. Um som agudo se fez ouvir do outro lado, e por fim uma voz grave atendeu. Alberto perguntou se a casa estava avariada, com algum problema e a voz disse que não. Estavam vendendo ela para pagar pelo tratamento da esposa do proprietário. Ela sofria de câncer, e os remédios eram caros.

Três dias depois Alberto e o corretor foram até o endereço que tanto conhecia.

-A família ainda mora aqui. – disse o funcionário -. Irão embora na segunda-feira. Eles resolveram ficar até encontrar um comprador.

Os dois subiram por uma pequena rua que dava acesso ao topo do morro onde ficava a casa. O espaço era amplo, e a falta da varanda no piso superior era compensada por uma grande área útil. Maria teria muito espaço para brincar.

Após leve devaneio com os encantos do local, Alberto teve a atenção desviada para uma Comodoro negra que trazia o símbolo de uma cruz estampada no vidro traseiro.

Notou ao lado do veículo uma coroa de flores, e atônito, olhou para o promotor.

-Melhor voltarmos outro dia - disse.

Já sabendo que a velha senhora tinha falecido, Alberto acompanhou Pedro em direção à saída. Enquanto abriam o portão, um jovem correu até eles pedindo para esperar.

Ofegante, finalmente falou:

-Meu pai disse para vocês conhecerem a casa. Sintam-se a vontade... Apenas não entrem na sala. Minha mãe está sendo velada lá.

Pedro perguntou ao garoto:

-Seu pai ainda vai vender a casa?

-Não temos mais nada que fazer aqui meu senhor. Iremos embora pro interior, minha mãe era... - sua voz ficou embargada.

-Tudo bem – Alberto interrompeu -, sentimos muito por ela. Não incomodaríamos se olhássemos a casa?

Mais calmo, o rapaz respondeu:

-Irei mostrar os cômodos para vocês. Acompanhem-me, por favor.

Antes que pudessem dizer qualquer coisa, o rapaz votou a caminhar em direção a casa. Ele caminhava a passos rápidos, certamente estava impaciente. Mostraria logo e depois voltaria para o velório de sua mãe. Chegou à porta da sala antes deles, e os aguardava com braços cruzados.

-Desculpe-me, meu nome é Alisson.

-Prazer, sou Alberto. Podemos ver a casa sem você, caso não se importe.

O garoto nada respondeu. Fez sinal para os dois entrarem e os acompanhou durante a visita. Os cômodos eram tal quais as fotos mostravam, só que muito maiores. Alberto pensou em seu íntimo ser um desperdício vender uma casa daquelas assim, no entanto, ele era o felizardo comprador.

No térreo ficava a cozinha, uma sala de jantar, uma sala de estar adornada com uma grande lareira, a lavanderia, um banheiro e por fim a saída para a varanda. Alberto tomou um susto ao abrir a porta e se deparar com um grande pit-bull preso por uma corrente.

-Desculpe senhor. Esqueci de dizer: temos um cachorro. Ele não vai com a gente, mas não se preocupe. O Tupan é novo. Tem 09 meses apenas. Prendemos ele hoje para que não atrapalhasse o velório de minha mãe.

-Tudo bem - disse ele, já pensando no que fazer com aquele animal depois.

Havia uma grande escada ao lado da sala de estar. Subiram por ela até o segundo andar e chegaram a um corredor amplo, ladeado de duas ou três portas de cada lado e uma outra bem grande, localizada a frente. Do outro lado dela vinham sons abafados de choro. Era ali que estava ocorrendo o velório.

Os três estavam no último andar da casa, mas a escada continuava até uma portinhola que terminava com o forro. A porta do sótão estava fechada por um cadeado velho e enferrujado que espalhava o vermelho do ferro corroído pela madeira.

O garoto mostrou todos os cômodos do segundo andar, menos claro a sala onde estava ocorrendo o velório. Alberto pensou em pedir para dar uma olhada no sótão, mas foi interrompido pelo pai do garoto. Eles se despediram, e enquanto desciam as escadas, Alberto reparou o garoto abrindo a porta e contemplou o rosto pálido se sua mãe dentro do caixão. Devia ter sido uma morte dolorosa. O câncer é uma doença que não deixa dúvidas dado seu estado de agressão. Sua boca estava aberta, seu nariz tampado por um algodão, e havia um livro entre suas mãos. O entorno de seus olhos estava de um negro que nem a maquiagem conseguia disfarçar. Atrás do caixão estava o dito vitral. Antes da porta se fechar, Alberto viu nele o reflexo de uma mulher alta e esbelta, próxima ao caixão. Provavelmente a imagem de alguém presente dentro da sala.

Chegou em casa e contou a notícia para sua mulher. Não tenho segredos com Amanda.

-A casa é exatamente igual ao anuncio. A Maria vai ter muito espaço para brincar lá dentro.

-Você não acha estranho eles venderem a casa por um preço tão baixo? Tem certeza de que ela não está avariada?

-O estado da casa está bom, pelo menos é o que diz no certificado. Acho uma pena que eles tenham que sair de lá, e realmente uma casa destas por R$80 mil é de se estranhar, mas querida, é um achado. E melhor que isso: um achado no bairro onde morei quando era criança...

Os dois conversaram durante algumas horas e foram dormir satisfeitos. No dia seguinte entraram com a papelada e assinatura no cartório, aonde o antigo proprietário e o vendedor da imobiliária os aguardavam.

O Sr. Clemente era pouco amigável. Estava de preto, e exalava um forte cheiro de flores. Não fosse a imagem da mulher morta na cabeça de Alberto, seria ele a ocupar aquele caixão. Aliás, parecia ter saído de um. Enquanto se despediam, uma mulher alta surgiu e colocou a mão sobre o ombro de Clemente. A julgar pela estatura, só podia ser a sombra que Alberto vira refletida no vidro na sala do velório.

-Seu Clemente, temos que ir – disse ela docilmente.

O promotor não pareceu notar a presença da mulher, e enquanto o velho ia embora, este apertou calorosamente as mãos do casal.

Depois de saírem do cartório, Alberto pegou as chaves com Pedro e no dia seguinte foi até a nova casa.

Finalmente, após anos de casados, Amanda e ele saíram do aluguel.

Assim que entrou na propriedade e trancou o portão, viu o cachorro sentado na soleira da porta o observando atentamente.

-Droga - pensou-. O que faço agora pra tirar esse cachorro de lá?

Lembrou-se das palavras de Alisson dizendo que o cão era inofensivo e resolveu dar este voto de confiança. Caminhou a passos calmos em direção à entrada da porta, com a chave em mãos e buscando com o olhar alguma árvore ou lugar que pudesse se esconder caso aquele cachorro atacasse.

Quando estava na metade do caminho, o cão se levantou e correu em sua direção. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, o animal pulou sobre ele e lambeu a palma de suas mãos.

Aliviado, pegou as chaves e entrou na casa. A mobília estava quase que toda embalada em sacos plásticos e o chão estava coberto de poeira. Meu Deus! Aquela casa parecia abandonada há anos! Lembrou-se da velha lembrança de infância. O velho medo que aquela casa inspirava. Eram 08h da manhã, e estava tudo no mais completo silêncio.

O dia parecia ter parado lá fora. Não era possível escutar cantos de pássaros, ou até mesmo os movimentos do enorme cachorro. Tudo estava estranhamente quieto. Para quebrar o silêncio, resolveu ligar para sua mulher. Esta atendeu sonolenta:

-Alô? - veio o resmungo do outro lado.

-Oi amor, a casa é linda!

-Alberto são 08 horas... Deixa eu dormir!

Alberto ainda tentou falar, mas Linda desligou o telefone primeiro. A velha TPM atacava de novo. Melhor não retornar.

-Bom, é isso ai... Somos só você e eu - disse olhando para o teto da sala de entrada.

Ele olhou com calma cada cômodo, e por último a grande sala com vitrais onde fora realizado o velório. Era uma vista e tanto: aquele cômodo permitia uma visão incrível da rua, e parcialmente do restante do bairro. Ao fundo, era possível ver o grande lago Miami, e alguns carros já estacionando em sua orla. Pais de família levando filhos para brincar, aproveitando o sol quente do final de semana.

Alberto respirou fundo e deixou o ar puro entrar em seus pulmões. Colocaria ali uma cadeira e leria livros durante as noites frias, acompanhado de um bom tereré ou um simples chocolate quente. Respirou novamente. Lá em cima o ar era doce, como se perfumado e vagamente familiar. Ele segurava o molho de chaves em sua mão, e tal foi seu devaneio que o deixou cair. O barulho das chaves colidindo com a dura madeira de carvalho o trouxeram de volta a realidade. Ele abriu os olhos, e por um instante teve a impressão de ver uma sombra através da janela. Isso não o incomodou, pois o que ele via ali nada mais era que seu reflexo se curvando para pegar as chaves no chão.

Enquanto abaixava, descobriu desagradavelmente a origem do doce cheiro do ar naquela parte da casa.

Algumas flores bem pequenas estavam no chão, e pelo tamanho delas, era de se julgar que vieram do caixão da velha falecida. Eram muitas. Algumas ainda apresentavam pontas amarelas, outras no entanto, estavam completamente enegrecidas pela podridão, corroídas pelos dias que se passaram, no entanto, todas exalavam aquele inconfundível odor. Guardavam nelas o cheiro da morte.

Com um pouco de medo, Alberto achou melhor deixar a casa. Limparia aquela bagunça no dia seguinte, quando se mudasse com a esposa. Enquanto descia as escadas, um barulho no sotão o fez subir. A portinhola estava aberta, e quando ele estava prestes a entrar, o pit bull, muito diferente daquele manso cachorro que o acolhera surgiu com algo entre os dentes.

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-Papai, papai!! Que casa incrível!!!

Maria estava de boca aberta. Explorava os cantos, corria pelo jardim e ainda aproveitava o balanço.

-Amor, onde está o cachorro de que você me falou?

-Não sei - respondeu Alberto -,deve ter fugido.

O caminhão ainda estava parado sobre a rampa de acesso a casa. Os homens da transportadora descarregavam móveis com esforço a ponto de quase cair.

-Alberto, porque não vai lá ajudar?

-Vou ler um livro.

Amanda observava atônita o marido se afastar com um livro nas mãos. Era de uma capa grossa, porém pequeno, e aparentava ser pesado.

-Que estranho - disse ela - Alberto nunca se recusou a ajudar e agora me faz isso? No mínimo está chateado pela minha atitude ontem.

Os dias foram passando e o comportamento de seu marido não mudava. Alberto não era mais aquele homem sociável de antes. Passava horas trancado dentro daquela sala com o livro nas mãos. Ele era agressivo, não conversava mais, sempre demonstrava impaciência com tudo, e tinha pressa em terminar as coisas. Até a pequena Maria sofria com isso.

Papai não lhe levava mais ao parquinho da escola ou ao lago... Ela não tinha mais sua atenção e vivia entediada pela casa. Foi brincando com a terra no quintal que a menina deu um grito de pavor.

Amanda correu em direção à filha, e constatou um pedaço de carne envolta nas mãos de Maria. O corpo enterrado exalava um forte odor. Havia partes dele a mostra, então ela viu em meio a terra o rosto desfigurado de seu marido. Horrorizada, ela olhou para a janela e viu um vulto se levantar da cadeira. Não pensando duas vezes, pegou sua filha nos braços e fugiu deixando todas suas coisas na velha casa.

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Régis estava eufórico. Ele e a mulher vibraram com o anuncio. Precisavam correr logo antes que outro comprador aparecesse. Agendou para dali uma semana e ficou receoso quando soube que ocorria um velório. Estava quase saindo da propriedade, quando um garoto apareceu.

-Meu pai disse para vocês conhecerem a casa. Sintam-se a vontade... Apenas não entrem na sala. Minha mãe está sendo velada lá.

Régis entrou e explorou. Viu a casa inteira, inclusive o enorme cachorro. Estava prestes a perguntar sobre o sótão trancado quando o garoto se despediu. Antes de descer as escadas, viu o rosto pálido da pobre mulher no caixão e um livro em suas mãos.

No dia seguinte, com a família já fora da casa, Régis voltou para ver melhor o bem que acabara de adquirir. Lá estava ela: a porta do sótão aberta e convidativa. Dentro, o cão o observava. Entre seus dentes havia um livro...

Receoso, Régis entrou no sótão e a porta se fechou por detrás dele. Ele não percebeu. Apenas tomou o livro em suas mãos e assim que o fez sentiu-se desfalecer. O cão não estava mais lá. Havia apenas o escuro, ele, e o livro.

-Régis!!! Venha jantar!!

-Estou lendo! Não me incomode!!!

Desesperado, Régis ouviu sua voz vindo do lado de fora. Quanto tempo se passara?? Quem era aquele que falava como ele? Régis gritava e esmurrava a porta, mas ninguém parecia escutar. Cansado, sentou-se no chão com a cabeça entre as mãos quando ela apareceu.

Elegante, alta, ela era muito diferente de qualquer coisa que ele imaginara. Ela o tocou. Ele sentiu a mão fria envolta a seus braços, mas não tremeu. Apenas a fitou curioso.

-Gostou do meu livro?

Paralisado, ele nada falou.

-Vamos, hora de levar você. Há outros que precisam ler e entrar para minha história.

Régis nada mais viu. A escuridão o engoliu por completo enquanto a porta do sótão se abria e exibia largado no chão o Livro da Morte.

Bonilha
Enviado por Bonilha em 18/10/2012
Código do texto: T3939339
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