O Segredo

Após exaustivos anos de espera, enfim, havia desistido de encontrar o seu pai. Uma busca insana, incansável. Viajou o Brasil - enquanto muitos pensavam que se tratava de uma viagem de férias, era a continuídade de sua procura: Jornais,revistas,programas de tv e o rádio AM. A busca não mais continuava- dizia ela, decidida para a tia. Sentiu na expressão facial da outra , um alívio que a angustiava, ao longo dos anos, quando partia para mais uma procura.

A sua tia, fazia de tudo para que desistisse dessa procura insana.

- Pare com isso, por favor, desista disso. Ele te abandonou, não representa nada para você. Deveria se preocupar em arrumar um namorado, um futuro marido, minha querida.A vida é curta,a juventude passa,logo...Precisa aproveitar,enquanto tem os dotes atraentes do corpo,a bunda de pé,coxas grossas,torneadas,peitinhos durinhos...-Dizia assim,sem pudores(rindo).

- Ah, minha tia, eu quero encontrar o meu pai. Por quê ele me abandonou depois da fuga de minha mãe? Por quê minha mãe fugiu? Ela fugiu com outro? Tinha um amante? Não o amava mais?

-Crescera órfã - criada por uma tia, cujo marido havia morrido de forma misteriosa -, assassinado dentro de sua própria casa, de forma cruel.

Numa manhã, fora procurar o investigador Diogo. Além do desaparecimento do seu pai, cerca de seis anos depois, uma coisa a intrigava: a morte do seu tio mais querido, e irmão do seu pai - foi um choque insuportável para ele, segundo os parentes, vizinhos e amigos. Eram alma gêmeas, um amor de Cosme e Damião.

- Cuide de sua faculdade. Esta busca sua pode ser bem decepcionante, querida. Caso te amasse não teria te abandonado. deve ser um homem insensível, frio. Dizem que era muito amigo do seu pai, mas, era de temperamento instável.

- Ah, tia, tenha medo, não vou te trocar por ele.

A sua tia- de consideração-, após um novo casamento não a abandonou. Tratava-a como se fosse parente consanguíneo. O amor era tamanho, extrapolando as raias da normalidade numa sociedade embasada na indiferência,e no egoísmo. As pessoas perguntavam: " Por quê ela assumiu a criança, quando podia tê-la colocado num orfanato"?

Ela dizia para todos: - amo esta criança como se fosse minha filha, além do mais, é a sobrinha do meu marido falecido.

- A minha mãe me abandonou, e o meu pai, logo em seguida. A senhora acha que não quero encontrá-los?

- Vejo que só procura o seu pai, não se importa com a sua mãe? Não quer encontrá-la?

Tenho uma surpresa para senhora. Terminou a reforma da casa que ficou, de herança, após longos anos.

- O Piso da sala, não me diga que mexeu naquele piso que sua mãe tanto gostava? - Te pedi tanto para não tocar naquele piso.

- Fique tranquila, o piso da sala não foi tocado. Apesar de uma voz interior me dizer sempre:" comece a reforma da casa pelo piso da sala."

Cuidou tão bem, que muitos foram os sacrifícios para lhe dar uma educação decente. Lembrou-se por agora, de certa noite de frio. A sua tia tinha 29, ela 8 aninhos. Estava a sua tia numa fila para a matrícula numa escola que tinha fama de ser excelência em educação, apesar de ser escola pública. Era inverno, fazia frio. A sua tia pretendia repousar numa cadeira espreguiçadeira para garantir a vaga da sobrinha querida. A televisão registrou o fato e os jornais da cidade. Deosdete ligava diariamente para a escola buscando informações a respeito da data do início das matrículas, e apesar, de ter tido esse detalhe - era a centésima segunda da fila -, os funcionários vazam informações para vizinhos, parentes e conhecidos. Alguns vendiam as vagas. Deosdete pagou cerca de um salário mínimo, as últimas economias que lhe restavam para garantir o lugar na fila.

A casa tão simples, humilde recebeu uma reforma digna. Não combinava manter o piso encardido, envelhecido pelo tempo. Analice havia descoberto o Museu dos Pisos - uma loja que fabrica pisos sob encomenda, e mantinha nos seus estoques, pisos comprados de obras de velhos sobrados, casarios e prédios em demolição. Em segredo, conseguira trocar o piso da sala - agora, estava satisfeita - uma reforma perfeita. Um piso similar, novo.

retornando á sua infância:

- Minha tia, trouxe a garrafa de café que me pediu, biscoitos, oh...

Aquele " oh" foi dito com o bracinho curtinho, gordinho exibindo um pequeno cobertor.

- Vou ficar aqui com a senhora, faz frio, mas vou ficar coberta, bem quietinha.

- Oh, meu amor, não vai, não. Vai fazer muito frio na madrugada e pode cair a chuva. Não quero que fique doente.

Deu um abraço forte na criança e um beijo no rosto.

-Minha tia não vou te deixar aqui sozinha, tem ladrão e eu não quero dormir sozinha. É perigoso minha tia.

- Vem cá, vem.

Ficou alguns segundos abraçada com a menina - daqueles abraços calorosos, onde ambos ficam em êxtase sentindo o amor transpirando na pele.

- Agora vá com a "tia" pra casa dela. Não vai dormir sozinha, vai ficar com a Lulu.

- Ah, eu queria ficar...

Disse com os olhos cheios de lágrimas, com ares de reclames.

Seguiu com a vizinha que a abrigaria para o ponto de ônibus. Dava tchau com uma das mãozinhas, a todo momento virava o rosto tentando olhar para a tia que estava sentada na cadeira; chegava a tropeçar na calçada. A "tia", mãe da Lulu a consolava.

Foi uma madrugada fria, suportou o fino chuvisco sem sair da fila. Uma noite difícil, inesquecível. " O que se faz por amor, não tem limites, nem dor." - Pensava. para enganar o frio, o tédio das horas que se negavam a pensar, cantava baixinho, ou orava com fervor. O café morno amenizava o corte frio na pele, feito navalha. A chuva parecia cair de forma programada, com sadismo.

-Meu Deus, Analice, você, você trocou o piso que sua mãe tanto amava, a única lembrança viva dela. Ela viveu tantos anos nesta casa com o chão de barro. Economizou tanto, até deixou de comer para poder botar o piso e você o tirou?

- Ah, tia, olha o piso, não troquei não, contratei uma empresa que renova o piso. Não quero tocar nesta lembrança viva de minha querida mãe. Não a conheci, mas sei que me amaria como as mães amam os seus filhos.

Analice sentiu o alívio nos olhos de sua tia, um sossego que fez o seu coração, que parecia querer sair pela boca, encontrar a tranquilidade.

Após, a madrugada ao relento:

Ganhara a tia um dia de falta no trabalho. A vaga para a filha, de empréstimo não estava garantida. Apenas preenchera uma ficha. Precisava aguardar que tivesse uma vaga para a série que pretendia.

Analice era inteligente, absorvia bem a boa educação que a tia lhe dava, preparando-a para ser um indivíduo bem integrado na sociedade. Era meiga, suave feito um ganso nadando nas águas cristalinas de um riacho. Estudiosa, tirava excelentes notas. O amor entre as duas era admirável. Muitos foram os casamentos fracassados da tia. Não se adaptava a um novo amor - Herculano Cosme, o falecido lhe parecia ser o homem perfeito. Dava flores, café-da-manhã na cama, presentes, jamais esquecera a sua data de aniversário. Nunca levantara a voz para ela. Beijinhos e abraços, quando estavam juntos.

As visitas ao cemitério eram constantes - não era só no dia de finados-, bastava estar triste, que se dirigia para o cemitério, e ali, com flores para serem depositadas no túmulo, ficava alguns minutos - como se ouvisse o falecido, ou falava, como se o mesmo a ouvisse - era um diálogo solitário. Aguardava que as pessoas , que por ventura, ali estivessem para começar a falar de sua vida, da sobrinha querida, da sua saudade. Quando a visita se encerrava, saía leve, descontraída.

Quando Analice visitou o investigador Diogo, ouviu a seguinte análise da investigação:

" Quem o matou, o conhecia. Não havia sinais de arrombamento. O primeiro golpe foi no pescoço, talvez, para que o mesmo não gritasse e pudesse chamar a atenção dos que estavam na casa."

- Ele morreu logo, ou sofreu?

- Mesmo ferido na garganta, parece-me que tentou esboçar uma reação, mas novos golpes aconteceram: nas mãos, braços, tórax e rosto.

- E, o culpado?

- O que consta nos autos: a vítima foi vista com o irmão num bar, retornaram para casa, cada qual foi para a sua residência. A sua namorada atual não estava em casa. Era dia do seu plantão no hospital - sua tia é enfermeira, não é isso? Coincidência encontrada, a namorada, segundo ele era enfermeira - disse no interrogatório.

- É...mas, como o criminoso entrou na sua casa?

- Segundo informações, o casal tinha o hábito de fazer churrascos em casa - e, naquele dia aconteceu o churrasco com vários amigos e convidados, a namorada foi trabalhar. Deduzimos de que o criminosos já havia arquitetado o crime, aproveitando-se do movimento intenso de pessoas na casa, e se escondeu em alguma parte da casa, talvez, debaixo de uma das camas, e em seguida cometeu o homicídio. O que é estranho, é que a vítima não tem indícios de que era ameaçado, ou de envolvimentos extra-conjugais, ou algum problema com a justiça.

- O crime não tem solução?

Indagou, com preocupação.

-Não.

Disse-lhe, secamente.

- E, o meu pai?

- Nada que o comprometa - eram muito amigos. E, tinha álibe perfeito.

- E a sua namorada ,a enfermeira?

- Estava no plantão no hospital. O caso foi arquivado como arquivo morto.

Ela saiu dali, mas tinha brilho nos olhos - tinha obstinação- o mesmo brilho nos olhos e a mesma obstinação quando resolveu fazer a reforma na antiga casa, onde morou com os pais.

Analice, voltando de viagem, invetou de fazer uma surpresa com a tia-mãe.

- Tia, o meu pai, encontrei-o.

Quando o pai adentrou pela sala, Deosdete desmaiou. Não foi porque viu o Herculano Damião, mas, sim, a polícia, que vinha logo atrás.

A confissão:

- Eu, por uma paixão descabida, matei o meu querido irmão para ficar com a sua esposa, mas a dor foi tamanha, o arrependimento foi tão grande, que havia desistido de ficar com ela e a abandonei.

- E, a minha mãe não foi embora, quando eu era recém-nascida. O piso da sala tinha um segredo.

- A sua mãe está morta. matei-a e a enterrei no piso da sala.

A revelação foi chocante. O piso que tivera sido comprado e colocado com mil sacrifícios, até de alimentos.

Mais uma revelação:

- Eu não sou o seu pai.

- Não?

- O seu pai está morto. Ele se aproveitava da minha ausência e era amante de sua mãe. O meu irmão morto é que é o seu pai verdadeiro. E a sua esposa foi minha amante, também, por longos anos, desde mesmo antes de se casarem. Aturei isso, por que amava o meu irmão, mas fazer um filho nela, isso eu não suportei. Prazer é prazer, filho é coisa de família, de amor desmedido. Eu sou estéril.

Analice foi obstinada em procurar por um pai que estava há menos de cem metros de sua casa. Nunca havia ido ao cemitério com a sua tia, sempre dizia:

" Não, eu vou sozinha, la não é lugar de criança."

Quando estava crescendo, a falta do hábito fê-la desistir de se oferecer para ir junto ao cemitério.

- Minha tia, sabia que ele tinha feito isso com o meu pai verdadeiro?

- Sabia, mas, assumi tratar de você, criança, afinal de contas, é quase minha filha. E foi uma forma de apaziguar a minha consciência. Chorei por várias noites, enquanto te observava dormindo - uma criança tão linda e de destino tão trágico. Não imagina como é difícil guardar um segredo.

Daquele dia em diante, Analice teve uma certeza: o ser humano tem várias facetas,algumas de bondade, outras de maldade inquestionável, quando defende valores centralizados no egoísmo, no desamor. Perdera uma pequena fortuna procurando o que não estava distante, o que nunca havia perdido. Encontrara sob o piso da casa, o esqueleto da mãe. Nunca a havia procurado, ou esboçava esse desejo- parecia saber que a mesma estava perto. Diariamente andava sobre a mesma quando estava na sua antiga casa, para algum momento de solidão - ali, parecia ser orientada por forças sobrenaturais para esclarecer o grande segredo de sua vida. Algo lhe dizia: " a reforma da casa deverá começar pelo piso da sala." E, assim, foi, quando, certo dia, munida de uma marreta quebrou o piso, partindo o seu passado e descobrindo um grande SEGREDO.

Fim

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 17/10/2012
Reeditado em 06/04/2018
Código do texto: T3937886
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