O pacto
Garoava no cemitério Waverley em Sydney. John Moore sentia a brisa gelada tocando-lhe o rosto quando percebeu o rugir do velho portão negro ao seu redor. O corvo grunhia sobre o velho portão em busca de alimento e companhia, todavia nada encontrou e levantou voo. Subitamente voltou seus pensamentos a sua única e pequena filha. Annie Moore, que aos seus pés descansa em um túmulo de mármore negro cujas letras douradas homenageiam-na dizendo: "Aqui descansa aquela que um dia retornará. 1995 - 2001"
_ Desculpe-me minha filha por não tê-la aqui comigo. Fiz o que pôde, aguardo aflitamente uma resposta do submundo - Disse chorando.
Em uma de suas mãos estava uma rosa branca, jogou-a sobre o túmulo e sentiu a leve brisa se transformar em uma chuva considerável. O então céu nublado ficou verdadeiramente escuro. Ventos sopravam em todas as direções, os velhos portões chocavam-se provocando um rugir surreal e apavorante.
_ Ele está aqui - Relutante, sussurrou para si.
Inquieto John fechou os olhos e sentiu dedos gélidos tocar-lhe os ombros. Hesitantemente virou-se e deparou-se com o quê desejara.
_ Aguardava-me? - Perguntou o homem totalmente calvo, extremamente pálido e frio com seu terno impecavelmente preto. Sua voz era assustadora e perceptível.
John inopinadamente sentiu seus músculos dorsais se contraírem, sentiu um frio percorrer toda sua espinha até o pescoço, sentiu medo espontâneo. Sentia vontade de gritar e correr pela vasta grama molhada e por entre os túmulos, mas lembrou-se do seu propósito e tentou acalmar-se.
_ Sim, com ansiedade. Conseguirá trazê-la de volta, Lúcifer? - Seus olhos o fitavam, raios cobriam o céu escuro. Para John não existia mais luz, o lugar era vazio e triste, como se toda felicidade do mundo desaparecera.
_ Consigo, mas tudo tem seu preço - Suas palavras tinham um tom verídico. Seus lábios se contorciam em um sorriso diabólico, seguidos de gargalhadas frenéticas e arrepiantes.
_ Farei o que for necessário - Disse, convicto de si.
Lúcifer se aproximou e começou a andar em círculos perfeitos ao redor de John. A cada passo do Deus das trevas John se amargava, o medo era incalculável. A chuva não dava trégua, trovões rugiram no céu. Por um segundo John acreditava que o mundo chegara ao fim.
_ Sendo assim, terá que fazer um pacto comigo! - continuou Lúcifer
_ Terá que entregar sua alma pra mim. Deverá seguir minha ideologias, minha doutrinas, meus conceitos. Submeterá sua vida à eternidade no lago do fogo, no inferno!
John estremeceu ao ouvir tais palavras, mas assentiu com a cabeça e lhe disse incrédulo.
_ Com isso terei minha filha novamente?
_ Sim. Então, andemos logo com isso. Repita comigo: Eu entrego a minha alma ao único e sublime Deus existente. - Disse Lúcifer, sua voz era sem vida e irrevogavelmente má.
Sentindo-se completamente molhado, com frio, incrédulo e com medo, disse: _ Eu entrego a minha alma ao único e sublime Deus existente.
O último trovão rugiu no céu estremecendo a terra ao seus pés. A tortuosa chuva transformou-se em uma garoa novamente.
Lúcifer se aproximou lentamente de John e disse:
_ Diverta-se.
John ouviu ao longe gritos familiares e passos molhados chocando-se ao chão. E por fim, avistou sua filha, com um vestido inteiramente branco, uma laço vermelho no seu cabelo, despistando-se dos túmulos e aproximando-se.
Papai, papai! - Annie gritava, sua voz ansiava por amor paterno.
Lagrimas rolavam do rosto de John, ele abriu os braços para ter enfim o envolvimento de sua filha, que corria desesperadamente. John sentia os olhares de Lúcifer as suas costas, mas resolveu ignorá-los.
Annie Moore estava à quase sete metros de John quando seu corpo inexplicavelmente se transformou em uma tocha humana, cada parte do seu corpo pegava fogo e seus gritos eram agoniantes.
_ Filha, Filha, não morra, não vá, não, não!! - John gritando correu até à filha para pegá-la nos braços mas quando se aproximou seu corpo já estava em cinzas, as mesmas foram levadas pelo vento em um átimo de segundo. John suplicava, gritando:
_ Deus, porque fizeste isso comigo? Porque me abandonaste? - John suplicava por misericórdia, olhando para o céu chuvoso, de joelhos.
_ Deus está morto! - Gritou Lúcifer com raiva e continuou casual:
_ John, disse que poderia ficar com sua filha, mas não disse por quanto tempo. - Lúcifer gargalhava excessivamente, seus olhos pegavam fogo em meio a escuridão, eram vermelhos como sangue.
E eles estavam ali, na garoa, John de joelhos chorando, com sua vida condenada ao inferno e Lúcifer petrificado, com sua pele incrivelmente pálida e seu terno preto, intocável. Nenhuma gota de água o atingira.
Quando por fim, disse:
_ Chegara a hora John Moore, está em divida comigo e irá saná-la, agora! - Havia entusiasmo em sua voz. Lúcifer estampava um sorriso em seu rosto diabólico.
John fechou os olhos e de repente percebeu que não estava mais em Sydney. Estava em uma cama de tortura, completamente nu, os braços e os pés amarados com aço quente, a boca selada com um pano molhado com gasolina. A cama por completa estava fervendo, queimando seu corpo. Tudo ao redor cheirava à enxofre. No lugar não havia parede, apenas uma vasta e infinita escuridão. Ouvia-se muitos gritos, então percebeu que havia muitas pessoas na mesma situação que ele. Quando por fim, começou a gritar de dor, mas nada adiantava, era agoniante o contato com o aço em suas costas, quando ouviu novamente à arrepiante e conhecida voz de Lúcifer dizer:
_ Sentiu saudades de mim?
E ele se aproximou da cama com uma faca afiada nas mãos, Lúcifer passava a ponta da faca na barriga de John e a levou até o pescoço e olhando em seus olhos, concluiu:
_ Está fadado à eternidade torturante por sua estupidez, cético! - Sua voz era de alegria, fazer o mal era sua diversão, sua felicidade.
E lentamente Lúcifer começou a cortar John nas pernas e depois na barriga, enfiando a faca cada vez mais fundo em seu umbigo.
_ "Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai se não por mim " - Disse Lúcifer com escárnio e continuou:
_ Parece que com você, isso não funcionou, não é ? Cético!?
John gritava de dor, suplicava por um cessar. Mais nada adiantara, isso divertia mais o Diabo. Seus órgãos lentamente ficavam expostos e ao fim do que parecia uma eternidade, John falecia.
John permanecia morto por exatas cinco horas, esse era o tempo que o seu corpo demorava para se regenerar. E todo dia depois que seu corpo se refazia, ele recebia a tortuosa visita de Lúcifer, para por fim pagar a sua eterna divida com o mesmo. Esse era o preço por ver sua filha, esse era o impagável preço do pacto!