O Último Grão - um conto macabro - parte II

A irmã se levantou mais uma vez da mesa e foi à cozinha.

" fazer o quê? Come logo desgraçada." - Dizia ele, pensando.

Olhou para o prato de feijão, ja havia consumido boa parte da porção.

" Por sorte,, ainda não comeu o grão envenenado." - pensara o irmão assassino, quer dizer, quase assassino. Ela, retorna com uma garrafa de água gelada nas mãos, e trazia numa tijela mais uma porção de arroz.

Então, comia, bebia da água, em fartos goles. A pimenta malagueta parecia lhe queimar a lingua. Arrotava alto - dando asco ,de nojo no irmão. Ele o observava de soslaio, fingia lê o livro. Tinha o seu coração com ansiedade, batimentos cardíacos irregulares, descompassados. Suava frio, não conseguia aguardar o desfecho macabro com tranquilidade.

" Merda, comeu quase tudo, resta uma pequena porção, come desgraçada, come."

Pensava assim.

" Com certeza, o maldito grão de feijão "batizado" com o veneno ainda está no prato na pequena porção que restava no prato, se não ja teria caído dura, morta."-Pensava, com sofreguidão, estalando os dedos das mãos, cruzando e descruzando as pernas. Com pigarro na garganta, olhava para ela, de forma insistente, sem nenhuma discrição.

A irmã se levantou da mesa, soltou um alto e longo arroto - sabia que isso o aborrecia, ja que era metido à intelectual, de fina educação. Percebeu um pequeno tropeço dela entre uma cadeira e outra. Estava meio sonolenta. Ela andou, trôpega, se chocando entre os móveis. Os óculos de lentes remendadas com durex- ficava até engraçada na cara gorda-, de olhos graúdos, sobrancelhas fartas, ficando brancas.

" Sim, agora ter-se-á o desfecho macabro."

Pensou, ele, ansioso. O seu coração disparara. Estava mais do que ansioso. Ele a seguia, acompanhava de perto o sinistro. Exibia um sorriso sádico na sua face, de barba por fazer, olhos graúdos como os dela, sobrancelhas ficando brancas. Seguia a irmã trôpega, como uma ave de rapina segue uma presa ferida por um animal maior. Tinha os braços abertos em volta dela, aguardando que despencasse no solo - era importante que não se machucasse, teria que ir para o morgue sem marcas de violência, ou queda - ele teria que sair ileso do processo daquele falecimento repentino. Assemelhava-se ao par de asas de um abutre a cercar o animal à beira da morte.

Entraram no quarto dela. Esta se jogou pesadamente na cama, tinha os olhos fechados.

Ele observou: " está morta."

Voltou alegre para a sala- exibia um sorriso de dentes tortos, amarelados pela maconha e pelo cigarro - um vício que cultivava desde à infância. Um sorriso maquiavélico, estava satisfeito. Sentou-se na espriguiçadeira e voltou a ler o livro. Na capa, em letras garrafais estilizadas estava escrito: "como conviver com pessoas difíceis", de Thomas Morgan, edições Ediouro.

despreocupadamente pôs-se a lê o livro, e , quando assim o fazia, foi interrompido por um estridente e gutral som que estava habituado a ouvir por longas madrugadas. Foi interrompido pelo inesperado. Do nada, surgiu um ronco alto, de porco, que o assustou. Caiu da espreguiçadeira, o livro foi ao chão. Ficou tenso, amarelo de susto.

Levantou-se ágil do chão e foi até ao quarto da irmã. E, sem acreditar viu que a maldita ainda estava viva: roncava alto feito uma porca.

" Está viva, a maldita está viva."

Dizia alto, avoz saindo embolada, enquanto batia as duas mãos, com força nas suas coxas, com fúria.

- O quê está fazendo aqui? saia do meu quarto? Deixe-me dormir, saia do meu quarto, "seo" indecente.

" Ela está viva, inacreditável, ela está mais viva do que nunca, eu não acredito."

Viu vida latente em seus olhos azuis - esbugalhados. Viu vida em sua voz rouca, gutural, forte. Timbre de cantora de blues.

Saiu do quarto dela, passou a mão nos cabelos revelando tensão. Sentou-se á mesa, onde ela havia feito a refeição.

" Meu Deus, como pode estar viva se o veneno mataria até a um elefante" - "disse o meu amigo, e olha que ele entende do assunto. Como pode?"

Puxou o prato para junto de si e viu o inacreditável:

No prato vazio havia sobrado uma exigua porção de arroz e um, um único grão de feijão- o grão envenenado, por ironia do destino, ou pela ação divina.

" A maldita comeu todo o feijão, menos o grão de feijão envenenado, uma probabilidade quase impossível de acontecer, mas aconteceu.

-Miau...miau...

Disse o gato dela, adentrando pela sala. havia sentido, de forma atrasada o cheiro do bife que ecoara pelo ar.

Perverso, lambuzou o grão de feijão na gordura do ensopado restante no prato e ofereceu ao bichano. Ela ficaria triste ao perder o bichano. Uma doce vingança. O bichano lambia o grão de feijão.

" Aguardarei uma outra oportunidade para me livrar dela."

Pensou assim assistindo o gato lambendo o grão de feijão envenenado.

Poucos minutos depois, o gato lambeu, lambeu, lambeu o grão de feijão e o abandonou num canto da sala. Algumas formigas conduziram-no, em seguida para local desconhecido.

O ronco alto, ensurdecedor vinha do quarto e lhe atrapalhava a leitura.

Fora isso, o gato, como de costume havia feito o coco fedorento, logo embaixo de sua espreguiçadeira predileta, onde ficava sentado por longas horas. Levantou-se irritado, xingando, jogou o livro no chão, deu chute no gato que o jogou longe - o bichano soltou um miado alto que encobriu o ronco da irmã.

Com fúria, abriu a porta, bateu forte e saiu de casa. Talvez, naquela noite enchesse a cara de conhaque, maconha e cerveja, talvez, a matasse ainda naquela noite, talvez, nem voltasse mais para casa.

Eram dois irmãos gêmeos que viviam juntos há bastante tempo, longos anos vivendo juntos. Eram gêmeos, ele tinha 59, ela mentia a idade dizendo que tinha 50. Eram solteiros,chatos e rabugentos. Viviam brigando, pirraça rolava solta.

Ele bebia muito e vomitava na sala, pois, sabia que isso a aborrecia.

Ela mantinha o mesmo cardápio da casa: feijão com arroz e galinha ao molho pardo, por mais de 30 anos, pois, sabia que isso o aborrecia.

Vez ou outra, um tentava se livrar do outro, falhavam sempre, e assim, foram infelizes por todo o sempre.

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 14/10/2012
Reeditado em 16/10/2012
Código do texto: T3931461
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