O Último Grão - um conto macabro - parte I

Num sobrado envelhecido pelo tempo, no Maciel, Pelourinho - viviam dois irmãos gêmeos, de sexo diferente, ele com 45 anos, ela mentindo para todos dizia que tinha 38. Eram solteiros, rabugentos e chatos. Viviam brigando, pirraça corria solta: ele quando urinava molhava as bordas do vaso, pois, sabia que isso a aborrecia. Ela dava o troco usando o vaso e não dava descarga, pois , sabia que isso o aborrecia.

Ela gostava de paz e silêncio, passava as tarde de outono sentada na sua cadeira predileta vendo às coisas inutéis que passavam na tv, ou o povo de destino incerto que passava pela calçada.

Ele gostava de rock.Escutava o som alto, o mais alto possível. Ouvia : Magazine, de John Mc Geoch e Howard Devoto. Gostava, também, de Buuzzcocks, do Soup Dragons, e imaginem so, gostava de ouvir o Härt 10 e da banda da ex-Iuguslávia Laibach - tinha o Opus Dei, quarto LP do grupo e o nova Akrópola. Quando queria azucrinar o dia da irmã colocava na vitrola Sharp, antiga o Akrópola - um verdadeiro coquetel molotov sonoro, uma orquestra bélica de sintetizadores seguida da voz gutural e enfurecida do desconhecido vocalista do Laibach.

Ouvia o som e se divertia com os reclames sem efeitos da irmã. Ela saia enfurecida e se trancava no seu quarto. Ele, de posse de uma garrafa de conhaque, acendia um baseado e ficava ouvindo o som até a noite chegar, às vezes varava a madrugada assim, até que desacordasse cheio de cana e de fumo.

Em tempo de paz tocava Joy Division, Cabaret Voltaire e a magnífica Bauhaus, moleza, não?

Ela, coitada, quando podia ligava a tv na novela das nove, e estendia vendo tv- so novelas-, trocando de canais, até que todos os canais encerrassem á programação de novelas. Num canal passava o futebol, ela deva preferência pela novela em outro canal, não arredava o pé, enfurecido saia, trancava-se no quarto e lia um livro- ele gostava de literatura, além de maconha e filmes pornôs.

Lia Bukowsky, Jack kerouac, Henry Miller, Freud, Gorky, Dostoiévsky e Ginsberg, Hemingway - emendava com Cervantes, Nietzsche e kafka.

Ela lia: Capricho, Semanário, Carícia, Contigo e ouvia Xitãozinho e Xororó, Roberto Carlos e Leandro e Leonardo. Não perdia o programa da Xuxa, Caldeirão do Huck, Faustão, Fantástico, Se Liga Bocão, Cidade Alerta, Sessão da Tarde, Domingo Maior...

Quando ouvia o rádio,era sintonizado na Am, ouvia programas melados feitos para domésticas e para dona de casa alienada.Ouvia receitas para arrumar um marido, cura de impotência e frieza sexual para mulheres. E, tinha a sessão de recados dos nordestinos que moravam em São Paulo para os parentes que estavam distantes.

Dizia o locutor:" recados para a pessoa querida distante:"

- Neneco, tô cheinha, cabra, não dá mais para esconder a barriguinha; o fio é é seu, viu, não pense que é de outro, não querido. Nem tempo para essas coisas tenho, pois, dou serão demais com o meu patrão.

Tinha as fofocas da tv, que especulavam o fim da novela, ou o destino desse ou daquele personagem - quem matou? Depois que mataram Odete, Salomão - agora, o tal de Max - criativos, os autores, não?

Dizia o locutor:

- Agora, aumente o volume do seu rádio, hora da receita milagrosa. O seu marido não dá masi na conta? Deita e dorme? Coloque a imagem de Santo Antônio de cabeça para baixo, debaixo da cama do casal - caso não funcione, não desista, cedo ou mais tarde a coisa vai subir,subir...

Ele odiava o programa, o seu desejo era ir na rádio e matar o locutor.

Aquela vida de pirraças e diferenças estava cansando a ambos. Ele tomou uma séria decisão, iria se livrar de todos os aborrecimentos - iria se livrar dela. Iria matá-la.

Tinha um amigo imoral, engenheiro químico que iria lhe arranjar um poderoso veneno que não deixava vestígios.

Em plena sexta-feira 13, de agosto, munido do maldito veneno e do seu humor negro, utilizando-se de uma seringa injetou o veneno num único grão de feijão, da porção que estava no prato dela. Aproveitou-se do momento em que ela foi á cozinha pegar o molho de pimenta malagueta.

Sentou-se frontalmente à sua vítima, pôs a lê um dos seus livros, olhava para ela de soslaio, aguardava ansioso pelo desfecho fatídico.

" Uma gota do veneno mataria um elefante." - Disse-lhe o amigo. " Em questão de três segundos." Ela comia o prato de feijão com extrema lerdeza, o olhar de peixe-morto sustentado, quando o dirigia para o odiado irmão. As buchechas ruminando, mastigando com dificuldade pela falta de muitos dentes. Talvez, usasse chapa, daquelas feitas nos escritórios dos prédios antigos do bairro do Comércio, por protéticos desqualificiados, vencidos pelo tempo. Reinava um silêncio mórbido à mesa do almoço.

(Fim da I Parte)

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 13/10/2012
Reeditado em 22/03/2014
Código do texto: T3931178
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