Festa, cerveja e um trágico fim de semana
Relatos da mãe:
Pedro Henrique saiu de casa às nove da noite, ele estava feliz, me disse que ia tomar cuidado – ela chorava enquanto o repórter segurava o gravador que vez ou outra tocava os lábios daquela senhora – ele sempre foi um bom menino, ele não merecia isso, Deus... me perdoem – ela disse não contendo as lágrimas e então os flashes chegaram mais evasivos.
Ao seu redor havia um cordão de isolamento e várias pessoas acompanharam o que viria a seguir. A velha senhora, mãe de Pedro Henrique levou a mão direita ao peito, seu semblante mudou repentinamente e ela caiu como uma fruta madura que se desprende de todo seu apoio. Estatelou-se no chão e seu corpo estremeceu, seus dedos de mãos e pés se esticaram, seu corpo sentiu toda a dor da separação de sua alma e ela desfaleceu-se, enquanto todos a olhavam atônitos.
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O corpo de Pedro estava na posição horizontal, os olhos fechados. Permanecia quieto e sua alma vagava em meio à penumbra. Não havia sonhos, tampouco pesadelos, ele permanecia em sua completa escuridão.
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Antes do ocorrido...
- E aí Pedro, tu veio mesmo, rapaz! – Disse Hugo, o anfitrião da festa logo lhe servindo uma cerveja. Ele olhou para o carro de Pedro e sorriu – Bacana o possante!
Pedro olhou ao redor, não estava habituado aquele ambiente, mas depois de ser descartado por sua ex-namorada, com quem havia passado a maior parte dos últimos três anos de sua monótona vida, decidiu que devia se enturmar , fazer novas amizades e mudar o que ele sempre foi. Chega de ser Caxias.
A festa foi regada a muita cerveja, uma piscina enorme onde os balões flutuavam decorativos e convidativos, muita musica e em sua maior parte funk. Mulheres? Seminuas e algumas até se atreveram a pular na piscina como vieram ao mundo.
Pedro tinha apenas dezoito anos, a carteira de motorista veio como um prêmio de aniversário. Ele dirigia a mais tempo, seu pai o havia ensinado desde de criança algumas manhas, pois era carreteiro. José Afonso era seu nome, havia morrido há seis anos, num acidente na estrada. A vida tem dessas coisas.
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Depoimento de uma outra mãe...
- Ele sempre foi um bom menino? Minha filha está morta! E o meu genro? Deus, ele está passando por uma terceira cirurgia hoje e sua filha? Minha neta não fala uma palavra desde o acidente! Está completamente deformada! – A mãe não parava de chorar – A mãe dele teve uma parada cardíaca e também faleceu – ela estava possessa e os repórteres pareciam gostar daquele estado emocional em que ela se encontrava, pois a cada lágrima uma dezena de flashes chegava quase a cegando – Eu quero que ele vá direto pro inferno!
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É assim que acontece, nem sempre os erros que cometemos voltam diretamente para nós.
Pedro continuava vagando pela imensidão de seu desespero, uma alma que já caminhava há seis meses, quando enfim uma imagem veio até ele, a imagem daquele trágico acidente.
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O acidente...
Ele já estava há dez minutos na estrada. Lembrava-se da ânsia de vomito antes mesmo de entrar no carro. Um grupo de colegas estava rindo enquanto ele procurava entender o porquê de suas pernas não responderem a seus instintos da maneira costumeira.
Ele entrou no carro após ter aberto a porta na terceira tentativa, pois a chave parecia não caber no buraco da fechadura.
Ligou o carro e seguiu rumo a rodovia enquanto lembrava de todas as loucuras que havia feito naquela noite e que a principal delas até então foi não ter transado com a mulher mais linda daquela festa. Ele não podia fazer aquilo. Ele ainda amava outra mulher.
Com as duas mãos sobre o volante ele seguiu enquanto o carro andava por cima da faixa central da rodovia. Ele estava a 140km/h, quando a luz veio ao seu encontro, ou melhor quando ele foi de encontro a luz.
Não havia reflexo algum, mas ele pode ver o rosto das três vitimas, pode ver a expressão de assombro delas, uma mãe, uma criança aparecendo ainda da poltrona de trás do carro em meio aos dois bancos da frente, e um pai que não podia fazer nada para salvar sua família.
Um segundo pode acabar com tudo, e um erro nem sempre pode ser concertado.
Ser uma boa pessoa não é o bastante precisamos sempre vigiar nossas escolhas.
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A luz enfim voltou aos olhos de Pedro. Ele acordou assustado. Seis meses de completa escuridão e lá estava ele, ainda deitado, um amontoado de aparelhos o cercando. Estava vivo, mas até que ponto a vida pode ser realmente uma dádiva?
O médico chegou logo que soube da noticia de que ele havia acordado.
- Como você se sente? – Perguntou o doutor.
- Onde está minha mãe? E a família do outro carro? E a garotinha? – as imagens ainda rondavam sua mente.
O médico o olhava, sem palavras, o olhava como qualquer um que soubesse de sua história. Ele estava em coma há seis meses, e sua vida estava prestes a se tornar um verdadeiro inferno.
Fim...
Sejam sempre bem vindos!