Cadáver

Cadáver

-Esse é o meu genro!Tenho orgulho dele. Amo como se fosse meu filho – Disse O senhor Lourival, colocando a mão no ombro de Jonatas – Hoje estou anunciando o noivado dele com minha única filha, Amanda. Esse moço, minha gente, com grande esforço, pois seus pais morreram jovens em um acidente de carro, acho que todo mundo que está nesta sala se lembra disso. Estudou farmácia na capital, agora recebe de mim a chave desse patrimônio, minha filha, neste caso acho que quero em troca netos.

Receba também minha farmácia querida, onde ganhei o meu dinheirinho, mas não é pelo dinheiro que você está aqui, não é Jonatas? – todos riram – e, onde passei boa parte dos meus dias até adoecer. Gente, sou grato a Deus pelo reconhecimento do povo, quantas crianças atendia naquela sala de injeção? – As lágrimas sinceras rolaram. Talvez não fossem tão sinceras, pensou Jonatas.

Jonatas olhou para o velho que estava a sua frente, Lourival Cortes, dono de um patrimônio invejável, duas vezes prefeito da cidade, homem influente, principalmente na área da saúde, provedor e diretor do hospital local, padrinho de mais de cinquenta crianças.

A multidão estava nas ruas, pois era festa da cidade, o prefeito, um homem miserável, com cara de fuinha, ficava parado olhando para o teto e sempre que mastigava a língua, esse individuo cômico, parecido com Gargamel, eras primo de Lourival. Ninguém gostava dele na cidade, um homem irritante, muito feio, careca, baixo, com barriga de cerveja, usava calça marrom escura e camisa xadrez com marca de suor na axila, mais repugnante que isso só sentindo o cheiro do hálito dele, cheirava a carniça, misturado com tabaco. Jonatas acha que Lourival escolheu o primo para ser prefeito pela burrice, fedor e feiura, o homem tinha dificuldade com as palavras, estava em pé ao lado de Jonatas, aplaudindo e balançando a cabeça afirmativamente.

Faltava na reunião apenas Márcio, o filho esportista de Lourival, o rapaz foi campeão mundial de Judô e medalhista olímpico, alto, mais de um e noventa, tinha os olhos azuis da mãe. Estudava engenharia, simpático, era mais carismático que o pai, gostava de montanhismo e ciclismo. O atraso para reunião foi devido a dois motivos, primeiro o Fusca de Agostinho que vinha na sua frente, atolou na Lama, Márcio foi ajudar, o segundo foi o temporal.

Aquele dia, Jonatas estava passando por uma das maiores homenagens que poderia passar em toda a sua vida. Então por que estava achando tudo um saco? Não queria ter voltado para cidadezinha de merda, longe de tudo de bom que é uma cidade grande? E a feiosa da Amanda? Jonatas tinha que casar com o seu Lourival de saia? A mulher era a cara do pai só que de saia, resolveu engordar só na barriga, tinha umas pernas finas e o lábio inferior bem maior que o superior. O conjunto da obra: Satanás em carne e osso, quando ela tirou a roupa pela primeira vez os dois estavam no quarto de Jonatas, a visão do peito dela batendo no umbigo, o bico invertido do peito, a mancha vermelha de suor na borda inferior de cada mama, aquela visão provocou tontura em Jonatas que vomitou no banheiro. Se tudo isso era tão ruim, porque Jonatas estava ali?

Pelo dinheiro. Seu pai e sua mãe morreram em um acidente de carro, ele ficou sozinho, Lourival deu com uma mão e cobrou com a outra. A última conversa antes do casamento com Lourival foi bem esclarecedora.

-Quero um neto, vou colocar você como gerente da farmácia. – ele ascendeu um cigarro, Lourival não podia fumar, mas desobedecia as ordens médicas – mas lá você é um fantoche, fará tudo que mandar.

Lourival pegou seu revolver trinta e oito, que ficava na cintura, tirou uma bala e mostrou para Jonatas. – Essa bala é para você, se arrumar confusão, ou se ferir minha filha, seja na estância física, seja na subjetiva, vai tomar essa bala bem aqui. – encostou a bala na cabeça de Jonatas.

A cabeça de Jonatas voltou ao tempo atual.

Aplausos, ninguém mais queria falar, todos queriam voltar para suas casas e a chuva estava muito forte, a senhora Darci, esposa de Lourival pediu:

-Vamos embora. – chamou a filha – Venha, agora são noivos, tem que respeitar um ao outro, você vem com seu pai, Jonatas vai na S10.

As pessoas foram saindo Jonatas ficou, gostava de ser o último a sair da farmácia, foi até a sala de remédios controlados e pegou dois enfiou no bolso. – Para me acalmar, pensou ao descer as escadas, começou a fechar a farmácia.

Alguma coisa estava assustando Jonatas, uma angústia, um vazio, ele se lembra da obra de Jean-Paul Sartre, entre quatro paredes, a história coloca três pessoas em um inferno hipotético, cercado por espelhos onde as pessoas são obrigadas a ver sua imagem. A filosofia existencialista responsabiliza o individuo na escolha do caminho que melhor lhe agrada e orienta sobre a importância do sentimento das pessoas.

A chuva caia muito forte, Jonatas tinha que abrir o carro de um lado e entrar pelo outro, a porta estava quebrada, molhou-se um pouco, quando ligou a S10, tomou um susto, com a mão estendida um homem bateu no vidro.

-Você quer me matar de susto, Sebastião?– disse Jonatas abrindo um pouco o vidro.

- A ponte da fazenda Ferreira caiu – Sebastião usava capa de chuva e um chapéu, mesmo com toda a proteção estava encharcado, sua face, áspera e barbuda, mal aparecia no meio da água. – O senhor tem que passar pelo pé do morro e depois vire pelo caminho da fazenda Gonçalves. –O sargento da polícia militar falou com Jonatas, mas as palavras quase foram engolidas pelo temporal.

-Tem certeza que dá para passar pelos Gonçalves, sargento? -Jonatas Havia feito uma abertura pequena no vidro, ele conhecia o caminho para a fazenda do Lourival passando pela fazenda Gonçalves, era mais perigoso.

-Sim, o caminho principal está bloqueado por um deslizamento e a ponte caiu.

Jonatas estava dirigindo na chuva e na escuridão há uma hora, a S10 vinha devagar, andando há vinte a trinta por hora, quando estava em trecho que conhecia, andava a quarenta, sessenta. Quando acelerou um pouco mais em uma reta longa, ouviu um barulho surdo, depois perdeu a direção do carro, como não via nada ,entrou em pânico com o descontrole da S10, que ameaçava cair no abismo de dez metros. Jonatas virou o volante bateu em um barranco, a batida foi violenta, fazendo com que o farmacêutico batesse a cabeça no para-brisa e depois perdeu a consciência.

Jonatas não saberia dizer o período que ficou inconsciente, se horas ou minutos, sua cabeça doía e tinha um corte no supercílio, o gosto de sangue invadiu a sua boca, a única coisa que lembrava é que tinha batido em alguma coisa. Pegou a lanterna no porta-malas, olhou para o relógio, meia noite, Amanda deveria estar preocupada, desceu com dificuldade pela porta do carona, dava para ter uma ideia do estrago da S10, que foi destruída pela batida contra o barranco. Não dava para ver o que havia acertado. Desceu um pouco até o precipício que tinha evitado com a manobra que jogara a S10 no barranco e deu para ver, mesmo com a chuva, uma bicicleta caída depois da curva há uns dois metros abaixo.

-Meu Deus! – Jonatas gritou. – Márcio, não, logo agora, não?

Passou a noite tentando trazer o cadáver de Márcio, que estava com o pescoço quebrado, para a gruta da “cigana morta”. Lembrou do tempo que nem passava naquele local com pavor, medo da tal Cigana. O folclore local contava de uma cigana morta por quatro rapazes e jogada na gruta. A polícia não encontrou o cadáver, nem os culpados que nunca foram julgados, todos tinham medo, o caminho dos Gonçalves era evitado, principalmente à noite. A gruta era o local mais lógico para esconder o cadáver, mas ficava a meio quilometro do local em que atropelou o filho de Lourival. Era difícil carregar Márcio com seus um metro e noventa, e físico de atleta, era pesado de mais, arrastava na lama o corpo pesado, às vezes tinha que levantar o corpo para transpor obstáculos como pedras e árvores caídas. Estava suando mesmo na chuva, todo molhado e sujo de lama até a cabeça.

-O que você traz para mim homem de lama?

Jonatas se assustou, ao cair Jonatas soltou o corpo de Márcio e a cabeça de Márcio bateu violentamente em uma pedra, ela estava deslocada do pescoço em uma posição bizarra o barulho foi assustador.

-Meu Deus, quem é você? – Disse sentado na lama.

-Meu nome é Quimérica.

A mulher estava vestida de cigana, era velha, mas não era feia, tinha os olhos vidrados em Jonatas, sua aparência era tão infernal que Jonatas passou a gritar sem controle.

-Você é a cigana da gruta? –Jonatas não percebeu, mas tinha acabado de se urinar.

Uma gargalhada foi ouvida no mato.

-Que bonito. – disse ela olhando para Márcio. – É para mim, para combater a minha solidão que você trás esse presente, o filho do homem que acabou com a minha vida?

Jonatas queria correr, mas suas pernas não deixavam.

-Um presente merece outro, pode ir para sua casa, sua vida vai continuar, apenas coloque o meu presente na gruta e venha me visitar toda sexta feira 13. Traga um presente igual, assim você será feliz, prometo tudo que desejar. Se não trouxer, ele irá te visitar, seu amigo ali.

- Dr Jonatas, acorde. – era o Sargento Sebastião. – Como o senhor veio parar aqui? Jesus! Está bem? Sua S10 teve perda total, achamos que tinha morrido quando olhamos você caído aqui embaixo.

Jonatas foi levado para o hospital, ninguém encontrou o corpo de Márcio, Lourival sofreu, mas esqueceu, seguia a sua vida. Jonatas também seguiu a vida, porém quando chegou sexta feira 13, do último ano, nada aconteceu, quinze para as oito da noite, quando foi jogar o lixo fora ele estava lá, com o rosto roxo, sem sangue, seus braços pendidos ao longo do corpo, e a cabeça tombada para frente, uma gargalhada veio da mata, meu Deus!

Quem teria que matar.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 03/10/2012
Código do texto: T3913682
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