VIAGEM INFERNAL

A praia estava linda, o sol reinava absoluto, mulheres de biquíni pra todo lado, crianças jogando bola na areia. O tema mudou de repente, a amada brigava por ele ter derramado cerveja no tapete, o irmãozinho pedindo para jogar bola com ele, o pai o chamava para almoçar, os amigos do trabalho zuavam com ele, os canarinhos cantavam na gaiola na casa da avó, o irmão da namorada jogava vídeo game com ele na sala. Tudo foi interrompido abruptamente dos seus pensamentos, quando uma gota d’água caiu no seu rosto pálido.

Dois dias antes...
Charles e Ellen saíram de Barcelona para uma aventura nos Alpes Peruanos, finalmente juntaram grana e foram conhecer a cidade de Nazca no Peru, depois de conhecer as linhas de Nazca, linhas estas que datam de 500 d/c reveladas com as datações de carbono 14, sendo que os Incas apareceram 1200 d/c, os dois resolveram ir até Machu Picchu, enquanto estavam lá no mais alto monte, puderam deslumbrar a bela vista que tinha lá de cima, os guias disseram que estava na hora de voltarem para o hotel, mas eles queriam ficar mais um pouco lá em cima tirando fotos e filmando, resolveram entrar numa parte onde havia uma placa avisando que era proibida a passagem, reserva militar.

Vista aérea das linhas de Nazca                          Machu Picchu a cidade Inca.
Mesmo assim resolveram ultrapassar a cerca de arame farpado, tudo porque Ellen queria filmar o por do sol, e havia um monte que ficava mais alto e dali podia deitar e fazer uma bela imagem do sol se pondo entre as montanhas, caminharam mais ou menos uns dois quilômetros até chegar naquele monte, Ellen ficou feliz por ter feito uma bela filmagem, Charles também tirou belas fotos, com certeza seria motivo de orgulho para contar e mostrar para os amigos, mas nem tudo seria tão perfeito como imaginavam, depois do sol de pôr, a escuridão foi imediata, não conseguiam ver por onde pisavam tomavam cuidado com o aviso do guia que havia muitas cobras por ali, Ellen iluminou o caminho com a lanterna da filmadora, mas não era muito eficiente, Charles vinha  logo atrás dela aproveitando a luz , quando chegou num certo ponto, Ellen percebeu que havia um silencio, Charles simplesmente havia desaparecido, no inicio achou que era brincadeira do namorado.
- Deixa de ser sem graça Charles, pode aparecer engraçadinho!

Subida até o topo de Machu Picchu.  por do sol que charles fotografou
 
Charles não respondeu tão pouco apareceu.
Ellen entrou em pânico,  por mais que ele fizesse brincadeiras, não ia fazer esse tipo de brincadeira naquela situação.
Ela começou a gritar por seu nome, as lagrimas começaram descer pelo rosto aflito, antes era de felicidade pelas imagens feitas, agora estava preocupada, Charles não estava brincando, ela tentou ligar para o guia turístico, mas só dava caixa postal, andou de um lado e para outro com a lanterna da filmadora, mas nenhum sinal de Charles e o pior: ela acabou se perdendo, a temperatura despencou, usou o agasalho que estava na mochila o que ajudou um pouco, o vento também era mais intenso e gelado, a sua sorte é que havia comprado uma touca dos ambulantes antes se subir a montanha, o desespero ia aumentando a cada minuto, o medo constante de pisar em alguma cobra, os lobos começaram a uivar no breu da noite, para onde olhava parecia ver coisas, barulhos, vultos, mas ao mesmo tempo não podia esquecer, onde estaria Charles, ela conseguiu ver uma luz ao longe, era tudo o que precisava, uma localização, ela seguiu em direção a luz, mas esqueceu de olhar para o chão, acabou tropeçando nas pedras e caiu, a filmadora escapou da sua mão e logo a lanterna se apagou para não acender mais, mesmo assim ela a recuperou e guardou na mochila, os uivos dos lobos estavam mais próximos, gritou por socorro, mas  se lembrou das dicas do guia, em caso de pânico jamais deveria fazer barulho que chamasse atenção, então tentou se acalmar e foi andando lentamente sem fazer barulho, mas a luz parecia ficar cada vez mais longe, parou ao lado de uma enorme pedra e ligou novamente para o guia que finalmente  atendeu.
- Graças a Deus Pablo, pelo amor de Deus vem me socorrer, estou aqui em cima ainda, estou sem lanterna e perdida, ainda por cima o Charles desapareceu.
-calma, vamos pensar, Como que o Charles desapareceu?
- eu estava na frente iluminando o caminho com a lanterna da filmadora, quando olhei pra trás ele já havia desaparecido, foi muito rápido, não sei explicar, simplesmente desapareceu.
- Mas porque vocês não desceram com os outros, eu disse que era perigoso ficar sozinho ai em cima.
- eu sei, mas agora não adianta reclamar, eu que pedi pra ele ir comigo até um monte do outro lado da cerca para filmar o por do sol, depois que filmamos começou a escurecer muito rápido.
- vocês turistas são doidos, não fazem aquilo que a gente pede, depois somos os culpados, tiveram sorte de não serem presos ou atingidos por tiros dos militares, a noite este lugar é usado por traficantes que passam de uma cidade para outra por dentro da reserva militar, quando não se identificam ou são presos ou mortos pelos militares ou até mesmo atacados pelos lobos, me diga mais ou menos em que ponto você está.
- eu não sei, a filmadora caiu no chão e quebrou a lanterna, mas estou do lado de uma grande pedra e parece que estou de frente para uma luz vermelha e amarela que fica girando, mas estou com medo dos lobos que parecem estar perto.
- tudo bem, fique calma e sente-se e não faça movimentos, vou chamar os guardas e alguns amigos e vamos te procurar, pela coordenada que me passou eu sei onde está.
 
No buraco
 
Charles ficou desacordado por quase dois dias, enquanto caminhava atrás de Ellen, ele acabou caindo em um buraco muito fundo e estreito, Parecia um escorregador gigante com raízes atravessando, Charles acabou batendo forte a cabeça em uma pedra que estava no caminho que rolou com ele para as profundezas, até seu corpo desfalecido se chocar numa parede de pedras, a pancada na pedra abriu um corte profundo na sua cabeça que o deixou inconsciente, teve alucinações enquanto desacordado, dias antes estava feliz, fazendo o que mais gostava, depois veio os relampejos de momentos guardados na memória, agora percebe que está num verdadeiro pesadelo, tentando recompor sua memória naquela imensa escuridão, durante a noite choveu um pouco, mas bem fraco, a água da chuva quase não chegou ao fundo do buraco, algumas gotas chegaram ao fundo, algumas delas encontraram o rosto de Charles fazendo o acordar.
Aos poucos  se levantou ainda tonto e fraco, se lembrou de que carregava a mochila, mas ela não estava com ele, na escuridão tentou encontra-la, mas não a encontrou, por um instante pensou que estava cego, tamanha a escuridão, andou tateando a parede rochosa e úmida. Estava indo justamente para o lugar de onde havia caído, sua mochila havia ficado presa nas raízes que saíam das paredes do buraco, agora  estava olhando o buraco de baixo para cima.
 
- me lembro de que eu caí se estou aqui embaixo tudo indica que o buraco está acima de mim.
 
Charles pegou algumas pedras no chão e jogou pra cima para ver onde ela batia, mas ao mesmo tempo sabia que ela poderia cair na sua cabeça, ele jogou uma e bateu bem embaixo nas raízes e caiu ao lado do seu pé, jogou mais uma em outra direção, dessa vez ela foi mais alta e antes de cair, ela veio batendo nas laterais do buraco e caiu do outro lado dele, o que ele queria era sentir que a pedra batesse na sua mochila, foi exatamente o que aconteceu com a terceira pedra jogada, a pedra bateu em alguma coisa metálica na mochila, então ele percebeu que ela estava presa não muito alta, resolveu subir o buraco se segurando nas raízes e alcançou a mochila, mas a raiz acabou quebrando e deslizou barranco abaixo, mas pelo menos havia resgatado a mochila.
 
Com a mochila na mão rapidamente pegou a garrafa de agua e bebeu o suficiente para matar a sede, não tinha lanterna, então a única ideia foi utilizar o flash da câmera e começou a disparar flashes para iluminar um pouco o lugar e ter ideia de onde estava.
Os primeiros flashes foram em direção onde ele estava e depois em direção ao buraco de onde havia caído, não tinha final, parecia um tobogã gigante entrelaçado por galhos e raízes, tentou escalar o buraco se segurando nas raízes, mas eles eram fracos e se quebravam, era impossível escalar, resolveu verificar se lá embaixo havia outra saída, mas saída para onde? Pensou ele, se lá embaixo parecia ser o fim, mas ele estava enganado.
Apontando o flash mais para baixo dos seus pés, viu que ele estava andando sobre um tipo de parapeito, mais ao lado havia uma passagem que levava mais para baixo ainda, e do outro lado outra passagem em linha reta, mas ele teria que pular para alcançar o outro lado, teria que correr esse risco, primeiro jogou o flash algumas vezes para calcular melhor a distancia, pendurou o flash no pescoço com a alça e jogou a mochila do outro lado, depois tomou dois passos para trás e pulou, acabou pisando na ponta do barranco e escorregou para baixo, trazendo junto a mochila que conseguiu segurar, a queda foi rápida, parecia que estava descendo de trenó naquelas pistas de inverno que o carrinho vai mais de cem km por hora, dessa vez não havia obstáculos no caminho, estava literalmente num escorregador natural de barro  úmido, os poucos a velocidade de sua queda vai diminuindo, até parar em uma grande gruta.
Arranhado e todo sujo de lama Charles aos poucos vai se levantando, desenrolou o cordão do flash do pescoço e pegou a mochila que veio descendo logo atrás dele, sabia que estava num lugar maior, mas a escuridão era igual ou maior ainda, não tinha noção de quantos metros estava abaixo de onde caiu.

Parte do segundo buraco que Charles caiu, vista de baixo para cima.
 
Pablo e mais alguns amigos avisaram os guardas locais sobre o que aconteceu e juntos retornaram a montanha, se de dia a escalada era perigosa, à noite era muito mais, subiram todos em fila indiana com suas lanternas ligadas e os guardas com suas armas para se proteger de lobos e traficantes, chegando lá em cima Pablo disse pra que lado Ellen disse que estava duas equipes se dividiram uma foi pela esquerda e outra pela direita em direção à pedra, quando eles chegaram, Ellen não estava mais lá, Pablo ligou para seu celular, mas só deu caixa postal.
O vento gelado estava insuportável, com certeza Ellen estava em apuros e corria risco de sofrer hipotermia, além dos riscos que todos sabiam, os guardas avisaram a base militar do exército do que estava acontecendo e se dispuseram a ajudar nas buscas e proteger o local contra os traficantes, cães e soldados do exercito foram enviados para ajudarem nas buscas, os holofotes da guarita militar foram ligados ajudando a iluminar o local, alguns lobos que estavam por perto fugiram e se tinha algum traficante, com certeza fugiram também, as buscas foram até o dia amanhecer e nenhum sinal de Ellen.
 
Charles disparou o flash e tentou imaginar onde estaria. Um dos flashes iluminou um grande túnel acima mostrando de onde ele havia descido como se estivesse em um mega escorregador, parecia que estava em outro planeta, embora parecesse que era dia, nenhum sinal de claridade, nem mesmo sinal de que era dia, com o flash olhou para o relógio para ver as horas, não passava das 23.00h, estava se preparando para seguir em alguma direção quando escutou um grande barulho logo atrás dele, se virou assustado e a única coisa que ouviu foi um baque acompanhado de gemido, era Ellen.

Cemitério Inca 
 
O desaparecimento de Ellen.
 
Ellen ficou esperando a ajuda de Pablo, mas ele estava demorando, começou a ver vultos e olhos vermelhos que pareciam estar lhe observando, mas na verdade era o laser das armas dos traficantes que procuravam algum alvo suspeito, quando um dos lasers parou sobre seu tórax, ela se desesperou e saiu correndo para qualquer direção, foi quando caiu no mesmo buraco que havia engolido Charles, como sua mochila estava presa as costas, ela acabou amortecendo sua queda e também teve sorte que Charles havia destruído boa parte das raízes na sua queda, ao contrário de Charles ela não desmaiou, mas também não tinha como ver nada, ela tentou ligar a lanterna da filmadora, mas não teve êxito, ficou quase o mesmo tempo que Charles, ficou gritando por socorro até sua voz sumir, se alimentou com barras de cereais que estava guardado na sua mochila, tanto os dela como as do Charles, depois de lutar contra o medo da escuridão, suas vistas foram se adaptando as trevas, com a mão foi tateando a parede rochosa até que ela chegou a outro abismo, quando ela deu mais um passo sua queda foi inevitável, o susto fez seu coração sair do lugar e a queda acompanhada pelos gritos, cessando só quando seu corpo se chocou ao chão barrento.
 
De volta á superfície.
 
Pablo e os soldados não encontraram Ellen, logo seu desaparecimento e o de Charles foram dados como sequestrados pelos traficantes, agora a corrida era procurar onde eles poderiam estar. Pablo conhecia o chefe do tráfico e nesses casos o traficante não queria confusão com a polícia, jamais houve sequestros ou roubos á turistas, assim a policia não atrapalhava tanto o seu negocio, Pablo foi falar com Juarez, “o patrão”, Juarez chamou seus homens e perguntou se alguém havia sequestrado algum turista, mas todos disseram que não, que mesmo que os encontrassem os escoltariam até a cidade, com isso Pablo não sabia o que fazer, isso era caso da policia local. Pablo retornou novamente até o local onde Ellen esteve por ultimo para procurar alguma evidencia, junto à pedra ele encontrou uma garrafa de água mineral e um pedaço de barra de cereal, o que indicava que realmente ela esteve ali e se deixou a comida e a água pela metade com a garrafa destampada é porque saiu às pressas ou foi levada por alguém, não tinha outra explicação.
O buraco onde eles caíram era exatamente da largura de um corpo, uma pessoa mais gordinha não passava pelo buraco e com o vento forte da noite acabou fechando o buraco com folhas secas e pedaços de galhos podres junto com areia.
 
No diário dos policiais havia muitos segredos em relação aos acontecimentos estranhos daquele lugar, muitas pessoas relatavam que nas noites do equinócio, no cemitério Inca, os mortos saiam de seus túmulos como múmias e ficavam dançando ao lado de uma fogueira imaginária, e logo depois dessa data, pessoas que se atreviam a andar a noite nas ruínas, simplesmente desapareciam e jamais a policia conseguiu elucidar os casos, Charles e Ellen apenas seriam mais um caso.
 
 De Volta as trevas.
 
Assustado Charles se virou para ver o que era e disparou alguns flashes, para sua surpresa reconheceu à namorada, imediatamente se apressou e chegar até ela.
- querida, querida, você está bem?
Ellen demorou um pouco para responder ainda com dores nas costas, mas quando reconheceu a voz de Charles, logo ela o agarrou e começou a chorar e nesse momento sussurros ecoava por toda parte, alguma coisa parece que havia sido despertado, talvez algum mal, Charles estava com maus pressentimentos, alguma coisa ruim estava para acontecer, vultos começaram a correr e fazer barulhos assustadores, parecia grunhidos de algum animal, aos poucos Ellen vai se reabilitando da queda. Charles lhe deu um pouco de água e pediu para que se levantasse ainda sem entender como Ellen foi parar ali, mas não tinha tempo para descobrir, alguma coisa puxou Ellen pelo braço, ela se apavorou e sentiu seu braço ser arranhado por algum tipo de garras, Charles dispara os flashes para ver direito o que era, quando os flashes iluminaram o local, eles viram uns tipos de criaturas das cavernas misturado com primatas, os corpos encurvados, peles brancas com rostos cadavéricos e nus, braços e mãos alongadas, as unhas pareciam garras e os dentes afiados, os olhos eram brancos, quando Ellen viu aquelas coisas seu corpo começou a tremer e sua voz não saía, Charles estava assustado quão, voltar por onde caíram não dava, o jeito era procurar outra saída, mas como sair dali? Cada vez mais eles iam em direção as profundezas do inferno, aquelas coisas pareciam estar famintas, os cercavam por todos os lados, agora é o nosso fim, pensou Charles.
 
- Uma ideia... Só preciso de uma ideia, pensava Charles- enquanto Ellen chorava e não o largava.

CONTINUA NO PROXIMO CAPÍTULO.