Necrotério

-Você gostou da casa, Laura – perguntou o Professor Ronald,

abraçando a esposa, morar numa casa seria um sonho realizado.

-Querido, maravilhosa.

O corretor de imóveis estava na porta, uma distancia segura para que Ronald e Laura conversasse sobre a casa sem que ele ouvisse. Alto, magro, com um corte de cabelo social, barba bem feita e vestido com uma roupa discreta, bem simples, camisa azul marinho e calça marrom, no crachá estava o nome Nogueira. O anúncio na internet contava a historia da casa, de forma até cômica. O terreno onde a casa foi construída era antes um necrotério.Segundo o relato que Ronald e Laura leram, atrás da casa funcionava um único hospital, hoje um condomínio fechado, o hospital havia sido demolido e foi construído um novo e mais moderno em outro lugar, a casa, onde funcionava o necrotério, foi comprada por uma família há cinco anos, mas um acidente trágico com o filho caçula,morreu a caminho da escola em um acidente de carro, provocou a venda da casa, o anuncio ficou por cinco anos, as pessoas vinham gostavam da casa, mas quando sabiam da historia desistiam, tudo explicado no site.Fizeram uma pesquisa pessoal, ficaram sabendo que a historia do primeiro morador havia sido abrandada, que o filho mais velho matara a família toda, só sobrando no final o irmão, quando tentou fugir bateu o carro e os dois morreram. Alguns amigos de Ronald disseram que a historia da menina, que teria sido espancada pelos pais e levada para o necrotério, a lenda conta que o cadáver dela sumiu, alguém pegou? Sobrenatural? O amigo de Ronald não sabe dizer, mas a lenda conta que a menina vaga entre os planos ,vida e morte, pois seu corpo está com alguém,ou está enterrado em algum lugar desconhecido, alguém extremamente maligno, que serve a entidade demoníaca que fica na casa, bela historia para afastar compradores.

Uma casa naquele local valeria na casa de um milhão, essa estava pela metade do preço, com uma grande facilidade de parcelamento. Por fora era um sobrado colonial, com dois andares, um jardim na frente e uma piscina atrás. Para uma casa abandonada estava muito bem cuidada, paredes branco gelo, telhado colonial e janelas francesas, somente o acabamento valeria o preço da casa, sem entrar, com um enorme sorriso no rosto, Laura estava empolgada. Dois andares, quartos à vontade em cima, área de laser embaixo, até salão de jogos, havia possibilidade de cada um ter o seu escritório. Ronald era filosofo professor universitário, estava trabalhando num livro sobre o idealismo ao longo da historia da filosofia, Laura socióloga, mantem um blog, “porque devemos ser ateus”, é professora universitária, leciona sociologia. Hellen esta na quita serie, Mauro é campeão de esgrima, está voltado para a carreira militar e para a poesia.Não compactua da opinião dos pais sobre a natureza da espiritualidade, acredita em vida após a morte.

Até aquele dia eram felizes, mesmo os dois sendo marxistas convictos, o mundo capitalista fazia pressão na cabeça de Laura agora pelo conforto de uma casa, eles haviam conquistado tudo, profissão um bom salário, porém ainda o casal vivia ,era o aperto, num apartamento no décimo quito andar, onde não havia espaço para terem um escritório, a casa era mais que um conforto, poderia ser um recomeço.

O corretor, que parecia ter um texto decorado para falar, olhando para Ronaldo, sem evitar olhar para Laura.

-Estão cientes da historia da casa?

-Somos intelectuais,cientista social senhor... Nogueira, nós não acreditamos em Deus, no diabo, nem vida após a morte, poderia falar horas sobre o assunto, de como a superstição pode prejudicar as pessoas.

-Pode salvar também.

Ronald olhou para Laura – Não queremos desrespeitar a sua crença, temos respeito para com o que é sagrado para os outros.

-Está bem, mas o contrato de vendas não permite arrependimentos, vocês estão sabendo do que aconteceu com a casa?

Ronald pareceu impaciente – Qual o seu medo? Que agente devolva a casa?

Nogueira pensou,porém não disse, estou com medo de vocês todos podem morrer nessa casa maldita.

-Senhor Nogueira, seja o que for que aconteceu nessa casa, não foi obra do sobrenatural- disse Ronaldo – acho que o senhor tem a suas próprias superstições, eu entendo.Nós não acreditamos em sobrenatural.

-Ok, feito isso, vocês gostando, só assinar a papelada – ele, novamente tinha que pensar nas falas do seu papel – ai na frente – disse ele apontando para uma barraca de acampamento – fica uma senhora louca, já chamamos a policia, o serviço publico de saúde mental, ela sempre volta e fica ali.

-O que tem ela? – Perguntou Ronald.

-Uma louca, parece estar conectada com a casa, o filho dela, segundo ela propina, foi atropelado, mas o pessoal daqui disse que ele foi morto por ela de pancada.

-Por que a assistência social não faz alguma coisa? As pessoas em risco social, principalmente algumas com acometimento mental, devem ser priorizadas.

-Não quero entrar em detalhe, mas assenhora Morgana, que já foi uma milionária, que perdeu tudo porque tem o vicio do jogo, ainda hoje não está desamparada tem uma aposentadoria razoável, o poder publico e os irmão já fizeram tudo possível, ela sempre volta para cá – ele pegou as pastas que estavam na mureta – o senhor que é o filosofo, mas não sei não, alguma coisa nela tem haver com a culpa, sou a favor da culpa, sem a culpa não somos nada, a culpa segura a nossa índole má, porém não tenho certeza se a culpa dela não vai além disso que eu falei, somos atores, não é, qual será o papel dela?

-O senhor é culto? Estudou?O que falou é profundo, mas existe uma culpa fingida – disse Ronald – mas esse assunto é longo, certo é que ética moral nunca foram tão fugaz,efêmeros valores, a consciência passou a ser um produto da mídia. – Disse Ronald, olhando para Laura, claro que ela estava reprovando Ronald, que conversava com as pessoas como se estivesse na sala de aula, o senhor estudou?

-Meu pai morreu muito sedo, leio livros, tenho bons autores, essa é a escola da vida.

Fecharam negocio aquela tarde.

A mudança começou confusa, Hellen estava com seu gato Zack no colo. Zack era um vira lata que foi adotado pela família em um abrigo, quando Hellen quis ter um animal, Ronald disse que ela teria que cuidar e teria que ser um animal especial, quando viu Zack, foi amor a primeira vista, o gatinho tinha sido atropelado, perdera a pata traseira direita e o rabo, foi salvo por um grupo de veterinários que faziam serviços voluntários, Zack já era da família, era tão esperto e amigo que as vezes parecia um cachorro. Ronald sempre perguntava: “por que esse gato sempre age como cachorro?”

A mudança acabou, ocorreu sem a ajuda de Mauro, que estava no campeonato de esgrima, o irmão adorava espadas.

Primeira semana passou sem Mauro, mesmo com saudade do filho, foi maravilhosa, nada do que o site dizia sobre a casa aconteceu, nem o cheiro, nem as doenças, as aparições, nada disso aconteceu. Hellen foi para a nova escola, no primeiro dia voltou com um trabalho escolar, sua missão: tinha que entrevistar alguém com oitenta anos, sua avó estava morta, ela não conhecia ninguém com oitenta anos, a não ser a senhora com cara de bruxa que morava na cabana de acampamento no terreno baldio em frente a casa, sua mãe e seu pai não iriam gostar, mas já tinha sete anos, poderia provar para eles que não tinha medo.

A cabana de Morgana era bem legal, tinha tudo,fogão,geladeira, armários, parecia um apartamento.

-Você tem até televisão?

-Garota, só deixei você entrar porque estou surpresa, ainda não aconteceu nada com você nem com seus familiares, tem alguém faltando na casa?

-Antes de responder a sua pergunta, a senhora têm que responder cinco das minhas assim acabo o meu trabalho escolar.

-Pode ir embora – disse Morgana.

-Está bem, falta o meu irmão Mauro, o bonitão La de casa, sinto falta dele.

Morgana arregalou os olhos, a senhora era um mulher muito feia, sua face era carcomida, boca de tão velha não tinha mais lábios, cabelo era branco e ralo, não tinha sobrancelhas, vestido era marrom fora de moda, ela andava descalça.A figura de uma bruxa lembraria Morgana.

-Está bem, vou responder a suas perguntas, me diga quando seu irmão chega?

-Meu pai foi buscar ele na rodoviária agora mesmo.

A chegada de Mauro foi uma festa, só Laura não estava lá para comemorar a medalha de prata, perdeu no confronto final para o campeão brasileiro, por pontos, era um rapaz alto, nem aparentava os quinze anos,tinha um aspecto maduro, olhos e cabelos castanhos, com a mania de deixar o cabelo ao estilo militar, ele já andava namorando um menina chamada Amanda, o namoro havia acabado com a mudança de cidade, Mauro foi o único que encarou com reservas mudança da capital, ele também, diferente dos pais tinha concepções religiosas, não poderia ser ateu, a mãe realmente tinha orgulho, rapaz escrevia poesia, tinha o habito de fazer exercício e ainda era um bom filho.

-Vocês compraram mesmo a casa assombrada?

-Você não acredita em assombrações? Não é Mauro, ninguém nunca viu uma assombração – falou Ronald – agora nessa fase da sua vida deve ser o mais pratico possível.

-Não existe nenhuma vantagem em colocar suas economias em uma casa que tem um historia de assombração, devemos novo em folha, livres de fluidos ruins, o mal tem força, o bem tem que ficar vigilante, a pai no lar,Agora me diga, meu pai, um local em que uma menina foi torturada e morta, além do mais o que tinha de errado com nosso apartamento?

-Não tínhamos espaço. Sua mãe precisava de um escritório e eu de outro.

-Onde está a mamãe?

-Hoje ela acordou com dor de cabeça, você sabe, aquela enxaqueca dela.

Mauro foi até o quarto da mãe, estava deitada num escuro total, com a cabeça tampada por lençóis.

-Você chegou, que bom.

-Mãe, você tem que ir ao médico.

Ela levantou para abraçar o filho, então ele percebeu as machas vermelhas na pele.

-Que manchas são essas?

Ronald, que odiava médicos, falou – percebi isso pela manhã, acho que é uma alergia.

-Pai, tem que levar a mamãe num medico.

Quando chegaram do médico, Ronald estava sentindo-se vitorioso depois de todos os exames, a dor de cabeça e as manchas só aumentavam, o médico falou que era apenas uma alergia, passou um medicamento semelhante ao que o próprio Ronald prescreveu, só então se deram conta que Hellen não saiu do quarto, estava toda vestida de preto, sentada balançando a cabeça.

Cantava uma canção:” Papai ,não me mata ,sou uma boa filha.”

Mauro sacudiu a irmã – Hellen acorda!

-Mauro, seu nariz está sangrando. – disse Ronald.

-Que horas são? – Mauro perguntou para o pai.

-Quinze para meia noite.

-Temos que sair daqui.

As portas fecharam, um som de martelo apareceu, um cachão sendo fechado? Mauro olhou para o pai.

-Mauro, o que você pensa que está fazendo? Você acha que isso é sobrenatural? Temos que pensar em uma explicação racional.

Um miado de gato alto apareceu.

Morgana estava na porta, batia com força, sem parar várias vezes, mas ninguém se mexia, até que Mauro abriu a porta, ela não entrou.

-Vem para fora – disse Morgana.

-Quem é você? –Perguntou Mauro.

-Eles querem algum que acredita você é o canal.

[Mauro começou a andar em direção a porta com a irmã no colo,do lado fora caia uma tempestade, Ronald impediu a passagem de Mauro.

-Vai ouvir aquela mulher louca que está lá fora e não o seu pai.

Uma arvore caiu e acertou Morgana, partindo o seu crânio, Laura gritava de dor, as manchas em sua pele viraram feridas que sangravam com chagas, andou como pode até o marido e o filho, Ronald estava irredutível.

-Temos que sai daqui antes da meia noite, temos que salvar Hellen e a mamãe. –Mauro gritava, pois a tempestade que caia lá fora gerava muito ruído.

-Não vou deixar passar, existe uma explicação para tudo isso, esta tudo na nossa cabeça.

-Pai faltam cinco minutos – disse pegando a espada que estava na parede – não quero te machucar mas se for preciso, tenho que salvar minha irmão.

Ronald, não se movia. Mauro acertou o pai no abdômen onde achou que não o mataria, mas como um espadachim experiente o pai de Mauro se esquivou, pegando a outra espada, habilidoso na arte da esgrima.

-Não deixarei que a superstição faça isso com a nossa família – Ronald tinha sido campeão de esgrima, encimou ao filho tudo que sabia, agora precisava conter em sua ilusão,sua paranoia filho.Porém Mauro, melhor espadachim que o pai, estava crescido e duelava com destreza de campeão. Ronald nunca foi um campeão, assim com uma manobra Mauro retirou a espada do pai e no mesmo movimento acertou o pai no coração.

-Desculpa pai, mas eu tenho uma irmãzinha que pode morrer hoje.

Uma poça de sangue cobria Laura, ele sabia que ela estava morta, retirou a irmã dali, nunca mais voltou aquela casa, depois pelo jornal descobriu que o corpo da menina havia sido enterrado no jardim.

A polícia procurou, ele explicou que o pai sofria de esquizofrenia, tinha atacado a irmã, tudo isso foi confirmado por Hellen, somente o gato de três pernas sabia que aquela não era Hellen.